Unimed é condenada a custear tratamento com Spravato
O paciente com depressão refratária tem pensamentos suicidas, o médico prescreve o medicamento Spravato, ocasião em que o plano de saúde recusa o pagamento do fármaco. Tratamento que custa R$ 273 mil.
quarta-feira, 7 de maio de 2025
Atualizado às 14:45
Introdução
O presente trabalho tem o objetivo de esclarecer ao público e aos pacientes que necessitam desse medicamento - Spravato - os principais requisitos legais e factuais levados em consideração pelo Poder Judiciário para obrigar a operadora de planos de saúde a custear o tratamento em casos de recusa injustificada.
Cumpre esclarecer que este trabalho analisou os argumentos das partes, bem como os fundamentos das decisões em primeira e segunda instâncias proferidas nos autos da apelação cível 1034845-59.2023.8.26.0576, julgado pela 2ª câmara de Direito Privado do TJ/SP.
Esse medicamento em forma de spray nasal e, de ação quase imediata, foi criado - para tratar pacientes com depressão grave - pelo centro de pesquisas psiquiátricas da UFBA - Universidade Federal da Bahia e autorizado pela Anvisa em nov/2020.
O fármaco tem como base a molécula escetamina e o princípio ativo tem relação com a cetamina. O medicamento foi patrocinado pela Janssen, empresa farmacêutica da Johnson & Johnson, e teve aprovação no Brasil, EUA e Europa.
A cetamina foi reconhecida pela comunidade científica internacional como uma das maiores revoluções em saúde mental das últimas décadas.
O diagnóstico
O professor que coordenou as pesquisas na UFBA - o psiquiatra Lucas Quarantini - afirma que o medicamento é indicado somente para pacientes com quadro grave de depressão e com ideação suicida, e ainda, que já apresentaram falhas em tratamentos prévios com outros antidepressivos em doses terapêuticas.
Assim, o paciente deve se mostrar resistente aos tratamentos previamente instituídos pelo médico psiquiatra e, também, por essa razão a doença é chamada de depressão refratária.
E, por isso, esse é um dos requisitos para que o Poder Judiciário ordene o custeio do fármaco em detrimento da recusa perpetrada pela operadora de planos de saúde, isto é, o médico do paciente deve ter esgotado as tentativas com outros antidepressivos, para somente depois, prescrever o Spravato.
No processo aqui analisado, o juiz determinou que o relatório médico ficasse em sigilo, por envolver questões que só dizem respeito a autora da ação, no entanto, esta alega - em petição inicial - que foi diagnosticada com transtorno depressivo grave, com ideação suicida e depressão refratária, ou seja, resistente ao tratamento com outros antidepressivos.
Do outro lado, a operadora de planos de saúde, que é a Unimed São José do Rio Preto, alegou - em contestação - o seguinte: (i) que o medicamento é de uso domiciliar; (ii) que o medicamento não consta no rol de eventos e procedimentos da ANS e; (iii) ausência de obrigação contratual.
No presente caso, o valor do tratamento discutido nos autos, alcançou o montante de R$ 273.000,00.
A autora fez um pedido liminar para que o juiz determinasse a obrigatoriedade de custeio do medicamento pela Unimed.
A decisão de primeira instância
A liminar foi concedida.
Cumpre observar uma questão muito importante aqui. O entendimento do STJ é de que as operadoras de planos de saúde não têm obrigação de pagar medicamentos de uso domiciliar. Resp. 1.883.654/SP.
Porém, não é o caso do Spravato. Esse fármaco não pode ser utilizado em casa. O próprio médico do paciente exige que o medicamento seja ministrado em ambiente hospitalar, além de o fabricante fazer constar essa informação na bula do remédio. O relatório médico vem com essa exigência, sempre.
No mérito, o juiz julgou procedente o pedido de custeio do medicamento - Spravato - mas negou o pedido de indenização por danos morais.
O juiz Ângelo Márcio de Siqueira Pace, da 5ª Vara Cível do Fórum de São José do Rio Preto - SP, considerou o seguinte, em síntese;
Primeiro, o diagnóstico da autora - transtorno depressivo grave com ideação suicida - é fato incontroverso. Segundo: a recusa de pagamento pela operadora de planos de saúde também é fato incontroverso.
Que o medicamento pretendido não é de uso domiciliar, devendo ser ministrado em unidade ambulatorial e com supervisão de um profissional de saúde, conforme indicação médica.
Existem precedentes dos Tribunais no seguinte sentido: "Compete exclusivamente ao médico a recomendação do tratamento adequado, de acordo com as peculiaridades do caso concreto". Inteligência dos enunciados das súmulas 95 e 102 do TJ/SP. Agravo de instrumento 2182873-31.2023.8.26.0000 (TJ/SP).
Assim, a operadora de planos de saúde não pode contrariar o que foi recomendado pelo médico de confiança do paciente, ou seja, os Tribunais entendem que essa interferência da operadora é descabida.
Também entendeu o magistrado de primeiro grau, que a resistência da Unimed é incompatível com o princípio da boa-fé contratual, pois implica em restrição de direitos fundamentais e inerentes à natureza do próprio contrato de seguro-saúde.
E condenou a Unimed a custear o tratamento integral da autora, bem como ordenou que as receitas médicas fossem atualizadas semestralmente.
A decisão de segunda instância
Inconformada, a Unimed recorreu da sentença.
O recurso então, foi submetido ao TJ/SP - Tribunal de Justiça de São Paulo.
A 2ª câmara de Direito Privado do TJ/SP assim decidiu; "Negam provimento ao recurso, por maioria de votos, de conformidade com o voto da Relatora designada, que integra este acórdão, vencido o Relator sorteado, que declara".
Traduzindo, a Unimed perdeu também no Tribunal. No entanto, se faz necessário uma abordagem acerca do que os desembargadores consideraram no julgamento, ou seja, dos fundamentos da decisão.
Tese de julgamento: "Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS, conforme súmula 102 do TJSP".
Vamos aos fundamentos da decisão do Tribunal.
"Pois bem, notoriamente, é função do médico indicar o tratamento adequado ao paciente, sendo ilícito que a operadora de saúde estabeleça empecilhos indevidos e injustos que possuam objetivos puramente financeiros. O impedimento em questão, afrontando os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, acaba por restringir o próprio objeto do contrato, cujo objetivo é garantir o acesso do beneficiário a tratamento de saúde adequado e de qualidade".
Essas são as palavras da eminente desembargadora Ana Paula Corrêa Patiño que, em verdade, segue a jurisprudência dos Tribunais no sentido de que, uma vez coberto o tratamento de saúde, a opção da técnica a ser utilizada para a cura do paciente cabe apenas ao médico especialista.
E, a negativa da operadora de planos de saúde em custear o tratamento, acaba por colidir com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, uma vez que essa conduta configura restrição ao próprio objeto do contrato, que é o acesso a assistência médica.
Além disso, o STJ tem o seguinte entendimento: "o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo abusiva cláusula contratual que exclui tratamento quando essencial para garantir a saúde ou a vida do segurado" (AgInt no AREsp 1.198.799/SP, 4ª turma do STJ, relator ministro Lázaro Guimarães (Des. Conv. TRF5, julgado em 17/5/18, DJe 25/5/18).
Um dos argumentos mais utilizados pelas operadoras de planos de saúde é de que o rol de procedimentos da ANS é taxativo, de forma que, se um procedimento ou medicamento não constar no referido rol, a operadora não estaria obrigada a custear o tratamento médico.
No entanto, o Poder Judiciário entende que, a taxatividade do rol não é absoluta.
Os Tribunais de Justiça, inclusive o STJ, firmaram o seguinte entendimento: se não existir outro procedimento eficaz, efetivo ou seguro, incorporado à lista, ou se não houver substituto terapêutico - a título de excepcionalidade - a cobertura do tratamento indicado pelo médico deve prevalecer.
A eminente desembargadora destacou o seguinte: "no caso concreto, não houve atualização do rol de procedimentos da ANS, de sorte que admitir absoluta vinculação às diretrizes da ANS equivaleria a privar os consumidores dos avanços da Medicina, o que seria inadmissível, por esvaziar o conteúdo do contrato (...)".
Na minha opinião, esse argumento é brilhante.
Também entendeu que a recusa da Unimed é injusta e abusiva, vamos ao trecho da decisão.
"É o suficiente para afirmar que a recusa da Operadora de Saúde se mostrou injusta, abusiva e esvaziou o conteúdo da avença, em explícita violação aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato celebrado entre as partes".
Assim, o entendimento do TJ/SP é o de que não pode a operadora de planos de saúde restringir acesso ao próprio objeto do contrato.
Assim, o art. 51, inciso IV do CDC, fixou as diretrizes do quanto necessário para que uma cláusula restritiva de direito, nos contratos de consumo, seja considerada nula.
Desse modo, de acordo com o CDC, são nulas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou aquelas que restringem direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato (CDC, art. 51, inc. IV e §1º, inc. II).
Conclusões
O presente trabalho demonstrou a visão dos Tribunais e os requisitos, de fato e de direito, aptos a indicar a necessária intervenção do Poder Judiciário para obrigar a operadora de planos de saúde ao custeio do medicamento em discussão, o Spravato.
Vimos que, por indicação do fabricante, o medicamento deve ser ministrado em ambiente hospitalar e sob a supervisão de um profissional de saúde, bem como deve constar no relatório médico essa exigência, não podendo o paciente fazer uso de tal medicamento em ambiente domiciliar.
O paciente deve ter o diagnóstico de depressão maior resistente e com risco iminente de suicídio.
E, por derradeiro, deve ter expressa indicação médica para o tratamento utilizando o Spravato, indicando os medicamentos utilizados e o tempo de duração do tratamento terapêutico prévio, e que o paciente resiste ao tratamento com o uso de outros antidepressivos.
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Apelação Cível nº 1034845-59.2023.8.26.0576 (TJSP)


