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A força da técnica: quando a advocacia resgata a Justiça

Em tempos de decisões cada vez mais padronizadas, a advocacia de excelência continua sendo, muitas vezes, a única ponte entre a letra da lei e a concretização do Direito.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Atualizado às 17:10

Há casos em que o tempo, o processo e até mesmo o próprio sistema parecem conspirar contra o réu. Sentenças confirmadas em segunda instância, ações penais que se arrastam, e uma sensação de injustiça irreversível tomam conta daqueles que já não acreditam mais no reequilíbrio da balança. Mas é exatamente nesses cenários, quase sempre esquecidos, que a advocacia técnica mostra sua potência transformadora.

Foi o que se viu no julgamento de Habeas Corpus pelo Superior Tribunal de Justiça em março de 2025. O Paciente havia sido condenado a mais de dois anos de reclusão por crime tributário com base apenas em sua condição de sócio-administrador de uma empresa, sem que tivesse sido demonstrada qualquer conduta concreta que configurasse dolo. A condenação, fundamentada em presunções e na equivocada aplicação da teoria do domínio do fato, parecia definitiva.

Parecia. Até que uma advocacia rigorosamente técnica, comprometida com o processo, com a Constituição e com a verdade dos autos, demonstrou que o caso não era de responsabilidade penal, mas sim de erro de interpretação - tanto jurídica quanto probatória. O argumento central foi claro: não se pode confundir posição hierárquica com autoria delitiva. A ausência de dolo, exigido pelo tipo penal, somada à desorganização contábil reconhecida e às falhas administrativas, indicavam um cenário de culpa em sentido estrito, hipótese não punível na esfera criminal para o tipo em questão.

A defesa analisou o acervo probatório com minúcia, demonstrou contradições nos fundamentos da condenação e sustentou, com base na jurisprudência do próprio STJ e do STF, que não havia nexo de causalidade entre a conduta do paciente e a suposta supressão de tributos. Mais do que recorrer, foi preciso reconstruir a narrativa do processo com base em técnica fina e jurídica sólida. 

O resultado foi emblemático: o STJ concedeu a ordem de habeas corpus para absolver o paciente, reconhecendo que sua condenação havia se sustentado apenas em presunções derivadas de sua posição societária. A decisão não apenas restabeleceu a liberdade e os direitos do paciente, mas devolveu-lhe a dignidade - palavra que, na prática da advocacia, deve sempre estar no centro da atuação. 

Este caso reafirma que a advocacia não é mera repetição de teses prontas, nem simples formalidade defensiva. A advocacia que mergulha nos autos, que domina os fundamentos legais e constitucionais e que não teme enfrentar o sistema judiciário quando este se desvia de sua função, é capaz de influenciar o próprio destino de uma vida. 

Mais do que absolvição, essa decisão representa um lembrete: Justiça se faz com técnica. E técnica se constrói com estudo, coragem e comprometimento. Em tempos de decisões cada vez mais padronizadas, a advocacia de excelência continua sendo, muitas vezes, a única ponte entre a letra da lei e a concretização do Direito.

Karolyne Guimarães

Karolyne Guimarães

Especialista em litígios decisivos.

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