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Os desafios da holding familiar em tempos de reforma tributária

A EC 132/23 impõe novos desafios às holdings familiares. Este artigo analisa impactos e traz orientações jurídicas para sucessão, estrutura societária e adaptação à reforma tributária.

terça-feira, 13 de maio de 2025

Atualizado às 10:26

Introdução

A holding familiar, figura jurídica cada vez mais presente no planejamento patrimonial e sucessório brasileiro, encontra-se em um momento de inflexão diante da promulgação da emenda constitucional 132/23, que instituiu a reforma tributária sobre o consumo. Embora o foco principal da reforma recaia sobre a unificação de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS na CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços e no IBS - Imposto sobre Bens e Serviços, seus efeitos indiretos e as discussões paralelas sobre a tributação da renda e do patrimônio acendem um alerta para as famílias empresárias e detentoras de patrimônio relevante. Este artigo visa analisar os principais impactos e desafios que a nova conjuntura tributária impõe às holdings familiares, bem como discutir estratégias jurídicas para a adaptação e preservação de sua eficácia como instrumento de gestão e sucessão.

A holding familiar no cenário pré-reforma

Tradicionalmente, a constituição de holdings familiares no Brasil tem sido motivada por uma confluência de objetivos: a organização e proteção do patrimônio familiar contra riscos empresariais e litígios diversos; a facilitação do planejamento sucessório, permitindo a transferência gradual de cotas aos herdeiros e evitando os percalços e custos de um inventário judicial; e, não menos importante, a busca por uma maior eficiência tributária. No âmbito fiscal, as holdings patrimoniais, especialmente aquelas dedicadas à administração de bens próprios (como aluguéis), frequentemente optavam pelo regime do lucro presumido, beneficiando-se de alíquotas reduzidas de PIS e Cofins e, em muitos casos, de uma carga global inferior àquela incidente sobre a pessoa física.

A jurisprudência dos tribunais superiores, embora reconheça a legitimidade do planejamento tributário, sempre esteve atenta à necessidade de substância econômica e propósito negocial nas operações envolvendo holdings. Decisões do STJ e do Carf - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais reiteradamente afastaram planejamentos considerados abusivos, onde a estrutura societária era utilizada primordialmente para dissimular doações, evitar a incidência de ITCMD ou fraudar credores, sem uma real atividade empresarial ou de gestão patrimonial que a justificasse (vide discussões sobre "propósito negocial" em julgados do CARF, como no acórdão de 1201-005.567, e menções em acórdãos do STJ.

Impactos diretos e indiretos da reforma tributária (EC 132/23 e projetos complementares)

A EC 132/23, ao redesenhar a tributação sobre o consumo, impacta as holdings de forma indireta, mas as discussões que a acompanham sobre a reforma da tributação da renda e do patrimônio são cruciais.

1. Tributação de dividendos: Uma das propostas mais debatidas é a possível revogação da isenção sobre a distribuição de lucros e dividendos, vigente desde 1996 (lei 9.249/1995). Caso aprovada, essa medida oneraria significativamente a remuneração dos sócios das holdings, exigindo uma reavaliação da estrutura de distribuição de resultados e do próprio regime tributário da pessoa jurídica (lucro real vs. lucro presumido).

2. Alterações no ITCMD: A reforma constitucional já trouxe alterações relevantes para o Imposto sobre ITCMD - Transmissão Causa Mortis e Doação. O Art. 155, § 1º da CF/1988 agora estabelece a obrigatoriedade da progressividade das alíquotas (inciso VI) e determina a competência para a cobrança sobre bens no exterior (inciso III), antes dependente de lei complementar. Além disso, já tramitam no Congresso Nacional projetos que visam aumentar o limite da alíquota máxima (atualmente 8%) e uniformizar a legislação estadual. Essas mudanças impactam diretamente o planejamento sucessório via holding, pois a doação de cotas, um dos pilares dessa estratégia, pode se tornar mais onerosa. A corrida para antecipar doações observada em 2024, noticiada por diversos veículos, reflete essa preocupação.

3. Tributação de holdings imobiliárias: Para as holdings cujo objeto principal é a locação de imóveis próprios, a transição para o IBS e a CBS pode representar um aumento substancial da carga tributária sobre as receitas de aluguel, caso não haja regimes específicos favoráveis. A sistemática do lucro presumido, com suas alíquotas fixas e base de cálculo reduzida para PIS/COFINS, tende a ser extinta ou profundamente modificada. A legislação complementar definirá o tratamento específico para o setor imobiliário, sendo crucial acompanhar a definição das alíquotas e eventuais créditos.

4. Reavaliação do "propósito negocial": Em um cenário de maior escrutínio fiscal e potencial aumento da carga tributária sobre o patrimônio e a sucessão, a análise do propósito negocial das holdings ganhará ainda mais relevância. Estruturas criadas com o único intuito de reduzir ITCMD ou Imposto de Renda sobre ganhos de capital na venda de imóveis, sem uma gestão patrimonial efetiva ou outros objetivos empresariais claros, estarão mais vulneráveis a questionamentos por parte da administração tributária.

Estratégias jurídicas e recomendações

Diante deste panorama, a atuação do advogado especialista torna-se fundamental para guiar as famílias na adaptação de suas estruturas:

  • Diagnóstico e revisão: É indispensável um diagnóstico completo da estrutura societária e tributária da holding existente, avaliando sua conformidade legal e sua eficiência frente às novas regras. A revisão dos contratos sociais, acordos de sócios e protocolos familiares é essencial;
  • Planejamento sucessório integrado: O planejamento sucessório deve ser reavaliado à luz das novas regras do ITCMD e da possível tributação de dividendos. Estratégias como a doação de cotas com reserva de usufruto, a instituição de cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade, e a utilização de testamentos devem ser consideradas de forma integrada e estratégica, sempre observando a legítima dos herdeiros necessários e os limites legais, afastando eventual discussão sobre doação inoficiosa.
  • Análise de regime tributário: A escolha ou manutenção do regime tributário demandará análises detalhadas e projeções financeiras, considerando a nova sistemática do IBS/CBS e as potenciais mudanças na tributação da renda.
  • Fortalecimento do propósito negocial: É crucial demonstrar a substância econômica da holding, evidenciando atividades de gestão patrimonial, administração de bens, participação em outras sociedades ou outras finalidades empresariais que justifiquem sua existência para além da mera economia fiscal.
  • Acompanhamento legislativo: Manter-se atualizado sobre a tramitação das leis complementares que regulamentarão a reforma tributária é vital para antecipar impactos e ajustar o planejamento.

Conclusão

A reforma tributária inaugura um período de incertezas, mas também de oportunidades para a reestruturação patrimonial e sucessória. As holdings familiares, longe de se tornarem obsoletas, exigirão uma análise jurídica e contábil ainda mais sofisticada para continuarem a ser instrumentos eficazes. A chave reside na adaptação proativa, na busca por estruturas robustas e com claro propósito negocial, e na assessoria especializada para navegar pelas complexidades do novo sistema tributário brasileiro. A advocacia consultiva e preventiva assume, neste contexto, um papel de protagonismo na preservação do legado familiar e na segurança jurídica das operações.

__________

 1 Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.

 2 Constituição Federal de 1988 (Arts. 155 e 156).

 3 Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.

4 Código Civil (Lei nº 10.406/2002)- Direito Sucessório e Societário.

5 Jurisprudências selecionada do STJ e CARF sobre planejamento tributário, propósito negocial e holdings familiares, em especial o AgInt no AREsp 1.278.858/SP do STJ e Acórdão nº 1201-005.567 CARF.

6 Artigos e notícias recentes publicadas em portais jurídicos como Migalhas, Conjur e veículos de imprensa especializados (Ex: Jornal Contábil, Valor Econômico) sobre a Reforma Tributária e seus impactos.

(Nota: Este artigo tem caráter informativo e não constitui parecer jurídico. Cada caso deve ser analisado individualmente por um profissional qualificado.)

Pedro Lazzaretti

Pedro Lazzaretti

Advogado (OAB/SC 55.803), graduado pela UNIVALI. Especialista em Direito Empresarial, Imobiliário e Sucessório. Secretário-Geral Adjunto da OAB, Subseção de Balneário Camboriú (Gestão 25-27)

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