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Litigância predatória: As novas artimanhas para enganar consumidores e juízes

Estruturas de advogados predadores atuam indiretamente, de modo agressivo nas redes sociais, com fachadas de assessorias de crédito, empresas de teleatendimento e consultorias.

terça-feira, 13 de maio de 2025

Atualizado em 12 de maio de 2025 14:34

A expressão "advocacia predatória" já não é mais novidade junto ao Poder Judiciário. Ainda em 2020 o CNJ instituiu o CIPJ - Centro de Inteligência do Poder Judiciário, com o objetivo de identificar e propor o tratamento adequado de demandas estratégicas ou repetitivas e de massa no Poder Judiciário1.

A partir daí todos os Tribunais, estaduais ou Federais, iniciaram a identificação dessas demandas por meio de seus NUMOPEDE - Núcleos de Monitoramento de Perfis de Demandas, a fim de entender o crescimento abrupto de certos tipos de demandas e suas características.

Inúmeras foram as medidas adotadas pelos Tribunais ao longo desses últimos anos, incluindo recomendações aos magistrados e até teses de IRDR, hoje pendentes de julgamento no STJ, por meio do Tema repetitivo 11.9822, que fixou a tese no sentido de que "Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial, a fim de demonstrar o interesse de agir e autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova.".

Dentre as muitas medidas adotadas pelos Tribunais, podemos citar a da Corregedoria Geral de Justiça do TJ/SP que publicou, em junho de 2024, o Comunicado CG 424/243, com 17 enunciados aprovados no curso "Poderes do Juiz em face da Litigância Predatória", realizado pela EPM - Escola Paulista da Magistratura, para nortear os juízes do referido Tribunal, visando ao combate a litigância predatória.

Na mesma toada, foi a recomendação 159, de 23/10/24, do CNJ4, que conceitua a litigância predatória e sugere medidas para o seu combate, trazendo em seus anexos listas exemplificativas de condutas processuais potencialmente abusivas, de medidas judiciais a serem adotadas diante de casos concretos de litigância abusiva e, por fim, de medidas recomendadas aos tribunais.

Em comum, as orientações do TJ/SP e do CNJ trazem não só a possibilidade de responsabilização do autor das ações, mas de seus advogados, o que já é um avanço cultural mudança de mentalidade, a partir de uma correta interpretação das normas legais vigentes. 

Ocorre que tais advogados costumeiramente não atuam sozinhos. Normalmente, agem em conjunto com falsas assessorias de crédito, empresas de teleatendimento, ou, quando muito, com veículos societários, por eles diretamente criados ou por meio de pessoas a eles relacionadas, sob a pecha de consultores em gestão empresarial.

 Tais empresas não têm outra função senão a de realizar a captação indevida de clientela para esses advogados, mediante publicidade agressiva nos mais diversos canais, inclusive, por meio telefônico. Com isso, esses profissionais conseguem, pela via indireta, o que lhe é defeso pela via direta.

Prova disso que, após o seu contato com os consumidores é repassado um "kit" de documentos, sem explicações de quais serviços seriam prestados. Muitas vezes o consumidor não tem conhecimento da futura ação que será ajuizada. 

É justamente nesta etapa que se dá a atuação ilegal de tais empresas que não passam a informação adequada e clara sobre o produto contratado pelo consumidor e fazem uso indevido dos seus dados para escritórios de advocacia, o qual, por sua vez, abarrota o Judiciário com demandas muito idênticas e até sem correlação com o caso concreto.

A artificialidade de demandas judiciais criadas, sob o manto desse expediente ardiloso, é latente e deve ser combatida com rigor pelo Poder Judiciário. Importante destacar que a mercantilização da advocacia e a captação ilegal desse engenhoso esquema realizado entre o profissional de advocacia, o escritório por ele capitaneado, bem como as empresas que atuam com eles, sob tais circunstâncias. Ambos, como se sabe, atuam em franca violação à lei 8.906/1994 (arts. 34, III e IV, 46, parágrafo único, dentre outros) e ao Código de Ética da OAB (arts. 5° e 7°) e devem ser responsabilizados por essa nefasta prática. 

O Código de Ética da OAB proíbe o oferecimento de serviços profissionais que implique, direta ou indiretamente, angariar ou captar clientela (art. 7°). Da mesma forma dispõe o art. 34, III e IV da lei 8.906/1994. Não por outro motivo, a captação genérica e massiva de clientes configura uma forma de mercantilização da advocacia que inverte os papéis, fazendo com que o advogado procure seus clientes, e não o oposto, como deve ser.

Por fim, destaque-se que a OAB tem por obrigação zelar por toda sociedade, através da defesa da CF, do Estado Democrático de Direito e da garantia de acesso à justiça, mas tudo isso por meio de advogados éticos, e não apenas ser um órgão de proteção de classe. 

A instituição não pode se omitir diante da gravidade na conduta dos advogados com as características de litigantes abusivos, que, por vezes, chegam até a cometer crimes de falsificação de documentos, falsidade ideológica e apropriação indébita.

Na contramão do que defende a OAB Nacional, a Seccional de São Paulo e o TJ/SP criaram um grupo, composto por representantes das comissões da OAB/SP e magistrados atuantes junto à Corregedoria, para combater a litigância predatória, por meio do acompanhamento sistemático e a elaboração de fluxos de processos mais eficientes para lidar com esses tipos de casos, cuja primeira reunião ocorreu no último 22/1/25.

Esta é uma história cujo final ainda está longe de terminar. O desenrolar dos próximos capítulos será intrigantes. É necessário que a OAB e os órgãos do Poder Judiciário aperfeiçoem o monitoramento e combate à advocacia predatória e do abuso do direito de ação, seja por meio das Comissões de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão e do Tribunal de Ética e Disciplina ou pelas vias judiciais, cíveis e criminais, cabíveis. Só assim teremos um final de história em plena compatibilidade com os desígnios da efetividade e do pleno acesso à Justiça.

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1 Resolução Nº 349 de 23/10/2020 - https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3547 

2 Consulta STJ: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1198&cod_tema_final=1198 

3 https://portal.tjsp.jus.br/Corregedoria/Comunicados/Comunicado?codigoComunicado=45906&pagina=11 

4 https://atos.cnj.jus.br/files/original2331012024102367198735c5fef.pdf

Monica Lopes de Mendonça

Monica Lopes de Mendonça

Advogada e sócia do Villemor Amaral Advogados.

Vitor Carvalho Lopes

Vitor Carvalho Lopes

Sócio diretor do escritório Villemor Amaral Advogados, com atuação na área contenciosa e consultiva em Direito Civil, Empresarial, Bancário, Falências e Recuperações Judiciais. Mestre em processo civil pela UERJ.

Wênia Alves Dias

Wênia Alves Dias

Advogada sênior do Banco BMG, pós-graduada pela PUC-SP e especialista em Contencioso Cível.

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