Processo estrutural: Finalidade e princípios
O presente texto tem por objetivo apresentar a finalidade e os principais princípios que regem o processo estrutural.
quarta-feira, 14 de maio de 2025
Atualizado às 13:17
A tutela estrutural tem por objetivo promover a reestruturação de uma instituição, pública ou privada, cujo funcionamento provoca contínua lesão aos direitos fundamentais. Por esse motivo, o processo estrutural é fundamentado em princípios e técnicas diferenciadas em relação ao processo civil tradicional.
No processo tradicional, o objetivo é a obtenção de uma decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º do CPC). No processo estrutural, o objetivo é diverso, a saber, a formação, por meio do diálogo, de um plano de reestruturação da instituição cujo funcionamento viola os direitos fundamentais. Em decisão monocrática proferida na ADPF 709, sobre a saúde indígena, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, se expressou de forma lapidar:
"Se o estado de coisas em desconformidade à Constituição não for alteradas, violações continuarão ocorrendo. Por isso, em vez de medidas pontuais, a decisão judicial deve identificar as falhas estruturais existentes, apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano para alcançar o resultado pretendido" (negritamos).
Também no julgamento da ADPF 347 o STF proferiu uma típica decisão estrutural, pela qual determinou a diversas entidades a elaboração, de forma cooperativa, de um plano para reestrutura do sistema penitenciário:
"1. Há um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos. Tal estado de coisas demanda a atuação cooperativa das diversas autoridades, instituições e comunidade para a construção de uma solução satisfatória.
2. Diante disso, União, Estados e Distrito Federal, em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), deverão elaborar planos a serem submetidos à homologação do Supremo Tribunal Federal, nos prazos e observadas as diretrizes e finalidades expostas no presente voto, especialmente voltados para o controle da superlotação carcerária, da má qualidade das vagas existentes e da entrada e saída dos presos.
3. O CNJ realizará estudo e regulará a criação de número de varas de execução penal proporcional ao número de varas criminais e ao quantitativo de presos". (negritamos).
O art. 9º do PL 3/25, atualmente em tramitação no Senado Federal, e que
trata do processo estrutural, apresenta a finalidade deste tipo de processo ao dizer que "o juiz dirigirá as partes para a elaboração de um plano de atuação estrutural."
O reconhecimento do processo estrutural teve origem em processos judiciais relacionados à situação de inconstitucionalidade do sistema de segregação racial nas escolas municipais norte-americanas (caso Brown v. Board of Educations) e do sistema penitenciário do Arkansas (Holt v. Sarver I e II). Em ambas as hipóteses o problema foi a execução das decisões judiciais, devido ao modelo de funcionamento das referidas instituições, violador de direitos fundamentais. No primeiro caso, os juízes de primeiro grau se valeram de ordens estruturais, visando a reestruturação das escolas municipais, quanto à questão da segregação racial. No segundo caso, o juiz determinou a elaboração de um plano de ação, em diálogo entre as partes, visando à reestruturação do sistema penitenciário.
Dentre os princípios que regem o processo estrutural destaca-se o princípio do consensualismo. No processo estrutural a principal atividade das partes não é litigar, mas dialogar para a construção de um consenso referente à reorganização da estrutura cujo funcionamento viola os direitos fundamentais.
O art. 2º, inciso I, do PL supracitado, declara ser norma fundamental a "resolução consensual dos litígios estruturais, judicial ou extrajudicialmente."
O artigo 10 do referido PL ressalta esse princípio ao falar de "construção de consensos": "O processo estrutural deve priorizar a construção de consensos entre as partes e demais interessados."
Associada à busca pelo consenso, o processo estrutural baseia-se também no princípio da cooperação e do diálogo entre o juiz e as partes. O Enunciado 221 da III Jornada de Direito Processual Civil da ENFAM e da CJF declara: "a atuação dialógica e cooperativa do magistrado e demais sujeitos do processo é característica essencial do processo estrutural."
O art. 2º, inciso III, que é norma fundamental do PL 3/25, ressalta a necessidade de "diálogo entre o juiz, as partes e os demais interessados".
Outro princípio que se faz presente no processo estrutural é a oralidade. Esse princípio é extremamente importante para se conseguir o consenso, pois facilita o amplo debate e o diálogo entre as partes (art. 2º, X, do PL 3/25).
A multipolaridade também rege o processo estrutural. Enquanto o processo tradicional baseia-se no conflito de interesses entre o autor e o réu, o conflito estrutural é policêntrico, pois existem diversos polos de interesse envolvidos. No processo estrutural deve-se permitir a participação de todos aqueles que podem contribuir para a reestruturação da instituição cujo modelo de funcionamento viola os direitos fundamentais. A ADPF 347, supracitada, demonstra claramente quantas pessoas foram envolvidas pelo STF no processo.
A prospectividade também é um princípio do processo estrutural, que não objetiva resolver uma situação estática e pretérita. Antes, a tutela estrutural busca uma solução para o presente e o futuro, de forma contínua e permanente, por meio da reestruturação da instituição cujo funcionamento causa lesão aos direitos fundamentais.
Por fim, como não podia deixar de ser, o processo estrutural é regido pelo princípio da instrumentalidade das formas (art. 2º , parágrafo X, do PL 03/2025).
É importante dizer, outrossim, que o PL 3/25 trata o processo estrutural como decorrente de uma de Ação Civil Pública, motivo pelo qual será regido, também, pela lei 7.347, de 24 de julho de 1985 e, supletiva e subsidiariamente, pelo CPC.
A doutrina indica vários julgamentos de litígios estruturais pelo Supremo Tribunal Federal, por meio de ADPFs. Podemos citar as seguintes: ADPF 347, relativa a situação dos presídios do país; ADPF 635, sobre a atuação da polícia no Rio de Janeiro; ADPF 709, sobre a saúde indígena e ADPF 742 sobre a saúde da população quilombola.
Esperamos que este tipo de tutela possa se desenvolver no Brasil, tanto no plano legislativo como teórico, na medida em que sua função é solucionar situações de violação sistemática de direitos fundamentais - pela forma de funcionamento de uma estrutura pública ou privada - que não são facilmente resolvidas pelas tutelas jurídicas tradicionais.
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Carlos Alexandre de Azevedo Campos, Estado de coisas inconstitucional, 2ª ed., Editora Juspodium.
Edison Vitorelli, Processo civil estrutural - teoria e prática, 6ª ed., Editora Juspodium.


