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Injustiça racial: Desigualdades entre mulheres brancas e negras

A injustiça racial enfrentada por mulheres negras em comparação com mulheres brancas no Brasil, destaca profunda desigualdades sociais e econômicas.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Atualizado às 13:01

As desigualdades de gênero têm sido amplamente debatidas nas últimas décadas. No entanto, ainda é insuficiente o reconhecimento de que mulheres não são um grupo homogêneo e que suas experiências de opressão são atravessadas por outros marcadores sociais, como raça e classe. Mulheres negras, em particular, vivenciam formas específicas de exclusão, que não afetam as mulheres brancas com a mesma intensidade. Como argumenta Kimberlé Crenshaw (1989), a interseccionalidade permite compreender como diferentes sistemas de opressão se sobrepõem e se reforçam.

Este artigo propõe analisar, com base em dados estatísticos e teóricos, como o racismo estrutura as desigualdades entre mulheres negras e brancas no Brasil, refletindo em disparidades no acesso à educação, ao mercado de trabalho, à saúde e à representação social. Também se discute o conceito de privilégio branco, com foco no gênero, para evidenciar como mulheres brancas, ainda que vítimas do sexismo, são beneficiadas por um sistema que racializa negativamente a população negra.

Racismo estrutural e privilégio branco no gênero

O racismo estrutural no Brasil se manifesta de forma persistente em todas as dimensões da vida social. Mulheres brancas, mesmo enfrentando o machismo, são socialmente percebidas como padrão de beleza, competência e respeitabilidade, ao passo que mulheres negras são frequentemente estigmatizadas. Como aponta Sueli Carneiro (2003), "a mulher negra é alvo de dupla discriminação: por ser mulher e por ser negra, sofrendo o silenciamento histórico e a desvalorização simbólica de sua identidade".

Privilégio branco, nesse contexto, não significa ausência de dificuldades, mas sim a vantagem estrutural e simbólica de não sofrer os efeitos do racismo. Essa vantagem se reflete no acesso a melhores oportunidades e tratamento diferenciado em diversos espaços sociais.

Disparidades no mercado de trabalho e na educação

O IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística indica que, em 2022, o rendimento médio mensal de mulheres brancas foi de R$ 2.762, enquanto o de mulheres negras (pretas e pardas) foi de R$ 1.536 - ou seja, uma diferença de aproximadamente 44%. Além disso, mulheres negras são maioria nos empregos informais e de baixa remuneração, especialmente no trabalho doméstico, enquanto mulheres brancas ocupam mais frequentemente cargos de liderança e funções públicas formais (IBGE, 2022).

Na educação, apesar dos avanços proporcionados por políticas afirmativas, as mulheres negras ainda enfrentam obstáculos de acesso e permanência. Segundo o Censo da Educação Superior (Inep, 2021), mulheres brancas continuam predominando em cursos com maior valorização social e econômica, como medicina e direito.

Violência e saúde: Vidas negras em risco

Atlas da Violência 2023, produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que 66% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. A taxa de homicídios de mulheres negras é de 5,2 por 100 mil habitantes, enquanto para mulheres brancas é de 2,9. Além disso, dados do Ministério da Saúde (2020) mostram que a taxa de mortalidade materna é mais alta entre mulheres negras, reflexo do racismo institucional e da desumanização dos cuidados com seus corpos.

Esses números revelam que, para além da desigualdade econômica, mulheres negras enfrentam uma ameaça constante à sua integridade física e à sua existência.

Representatividade e estereótipos

Na política, na mídia e em espaços decisórios, mulheres negras seguem sendo minoria. De acordo com o TSE (2022), apenas 17% das candidaturas femininas eleitas são de mulheres negras. Na publicidade e na televisão, o padrão hegemônico continua centrado na figura da mulher branca, magra e de traços europeus. Como destaca Lélia Gonzalez (1984), esse processo de "branquitude simbólica" molda os desejos e referências culturais, marginalizando a estética e a subjetividade negra.

Conclusão

A desigualdade entre mulheres brancas e negras não é acidental, mas resultado de um sistema historicamente construído que privilegia determinadas existências e subalterniza outras. Reconhecer a interseccionalidade entre raça e gênero é fundamental para o avanço de políticas públicas que realmente contemplem as especificidades das mulheres negras. É imprescindível que o feminismo abrace uma agenda antirracista, que confronte o privilégio branco e promova um diálogo baseado na escuta, na reparação e na justiça social. Como afirma Angela Davis (2016), "quando a mulher negra se move, toda a estrutura da sociedade se move com ela".

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CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2003.

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 1984.

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), 2022.

INEP. Censo da Educação Superior, 2021.

IPEA; FBSP. Atlas da Violência, 2023.

TSE. Estatísticas de Gênero e Raça nas Eleições, 2022.

CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex. University of Chicago Legal Forum, 1989.

Ingryd Fernanda Silveira de Souza

Ingryd Fernanda Silveira de Souza

Advogada Criminalista. Especialista em Crimes de Gênero, Racial e Contra a vida. Mestranda em Direito (UCAM). Pres. da Com. de Combate a Violência Racial OAB/RJ. Fun. do Instituto Pretas por Pretas.

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