A conscientização da lei Maria da Penha
O diálogo é a melhor forma de conscientização.
sábado, 24 de maio de 2025
Atualizado em 23 de maio de 2025 14:17
A violência doméstica contra a mulher constitui um grave atentado aos direitos humanos, presente em diversas esferas da sociedade e manifestando-se em agressões físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais. Trata-se de uma expressão de desigualdades estruturais de gênero, raça e classe, que transcende o espaço privado. Nesse cenário, a justiça restaurativa desponta como uma abordagem inovadora, que vai além do punitivismo tradicional ao tratar de forma humanizada e comunitária as causas e os efeitos dessa violência, especialmente em populações vulneráveis.
A violência doméstica é cíclica, conforme a teoria de Walker, com três fases: tensão, marcada por conflitos crescentes; explosão, quando ocorre o ato violento; e lua de mel, com arrependimento aparente do agressor, gerando na vítima a ilusão de mudança. Esse ciclo reforça a desigualdade de poder e dificulta o rompimento da violência, especialmente em contextos de dependência econômica e emocional comuns em populações de baixa renda.
Além da agressão física, a violência doméstica inclui outras formas igualmente prejudiciais: a psicológica, que mina a autoestima da vítima; a sexual, que viola sua autonomia; a patrimonial, que compromete sua subsistência; e a moral, que fere sua dignidade. Essas formas de violência, muitas vezes invisibilizadas, são especialmente frequentes em comunidades empobrecidas, onde o acesso à informação e à proteção é limitado.
No enfrentamento à violência doméstica, as rodas de conversa e oficinas de leitura de casos oferecem métodos participativos e conscientizadores. Nas rodas de conversa, as vítimas encontram um espaço para compartilhar experiências sem medo, fortalecendo sua voz e autoestima. Os agressores, por sua vez, são levados a refletir sobre suas ações e reformular comportamentos.
As oficinas de leitura de casos, que apresentam narrativas reais de violência e superação, ampliam a consciência coletiva sobre os impactos da violência doméstica e promovem empatia, respeito e solidariedade comunitária. Essas práticas tornam-se ainda mais urgentes diante do impacto desproporcional da violência sobre populações negras e periféricas. Mulheres negras são as principais vítimas de feminicídios no Brasil, enquanto homens negros são maioria entre os agressores, ambos frequentemente inseridos em contextos de exclusão social.
Essa realidade reflete a interseção entre racismo, machismo e desigualdade de classe, evidenciando a necessidade de políticas públicas que combatam não apenas a violência doméstica, mas também suas causas estruturais. Nesse contexto, a justiça restaurativa atua como um catalisador de transformações sociais, fortalecendo comunidades vulneráveis e promovendo a corresponsabilidade no enfrentamento à violência.
Rodas de conversa
As rodas de conversa, no contexto da justiça restaurativa, configuram-se como espaços estruturados para promover o diálogo humanizado e a conscientização crítica entre vítimas, agressores e, em muitos casos, a comunidade envolvida.
Ao serem aplicadas de forma sistemática e planejada, revelam-se ferramentas poderosas tanto para a prevenção quanto para a repressão da violência doméstica, contribuindo para a ressignificação de experiências traumáticas e a desconstrução de padrões comportamentais prejudiciais que perpetuam ciclos de violência.
Oficina de leitura de casos
As oficinas de leitura de casos, especialmente quando integradas às rodas de conversa, constituem uma abordagem inovadora dentro do arcabouço da justiça restaurativa, combinando o poder narrativo das histórias reais com a potencialidade do diálogo reflexivo. Esse método, centrado na apresentação de narrativas que ilustram episódios de violência doméstica e os processos de superação relacionados, opera em duas frentes principais: a inibição da reincidência criminal no ambiente prisional e a prevenção da incidência de crimes no meio exterior.
No contexto prisional, as oficinas de leitura de casos desempenham um papel estratégico na ressocialização e na mitigação das taxas de reincidência. Os casos apresentados nessas oficinas não são meras ilustrações de crimes e suas consequências, mas instrumentos pedagógicos e transformadores que convidam os internos a confrontarem suas próprias trajetórias de vida e seus atos, promovendo uma autorreflexão aprofundada.
Ao ouvir e debater histórias reais de violência doméstica, os agressores têm a oportunidade de se colocar no lugar das vítimas, compreendendo os impactos psicológicos, sociais e familiares que suas ações causam. Essa vivência indireta de empatia é particularmente significativa em um ambiente marcado pela desumanização como o sistema prisional, onde os indivíduos frequentemente carregam histórias de violência estrutural e exclusão social que podem dificultar a autorresponsabilização.
Conclusão
As oficinas de leitura de casos, aliadas às rodas de conversa, representam um avanço significativo na aplicação da justiça restaurativa para o enfrentamento à violência doméstica. Ao conjugar reflexão, empatia e educação, essas práticas oferecem uma abordagem humanizada e eficaz para lidar com as complexidades dessa problemática, tanto no contexto prisional quanto no meio exterior.
Mais do que meros instrumentos pedagógicos, essas oficinas são um chamado à transformação pessoal e coletiva, reafirmando o papel da justiça restaurativa como um mecanismo de reconciliação, reconstrução e esperança. Assim, cumprem uma função essencial não apenas na promoção da justiça, mas na concretização de um sistema social verdadeiramente comprometido com a dignidade da pessoa humana.
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CNJ, agência de notícias. Justiça restaurativa é aplicada em casos de violência doméstica. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-restaurativa-e-aplicada-em-casos-de-violencia-domestica/
ÁVILA, Thiago Pierobom. Justiça restaurativa e violência doméstica. Disponível em: https://mpmt.mp.br/site/storage/webdisco/arquivos/Justi%C3%A7a%20Restaurativa%20e%20Viol%C3%AAncia%20Dom%C3%A9stica%20-%20Contribui%C3%A7%C3%A3o%20ao%20Refinamento%20das%20Garantias%20Processuasi%20de%20Prote%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0s%20Mulheres.pdf


