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Caso "Gummy Metbala": Comercialização de produtos sem registro na Anvisa

Caso 'Gummy Metbala' revela os riscos e implicações legais da comercialização de produtos sem registro sanitário, destacando o papel crucial da Anvisa na proteção da saúde pública brasileira.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Atualizado às 14:22

No último dia 14 de maio, a Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária proibiu a comercialização, distribuição, fabricação, manipulação, propaganda e uso do gummy de tadalafila "Metbala", da empresa FB Manipulação Ltda. Diante desse caso emblemático, impõe-se uma reflexão sobre os limites jurídicos da comercialização de produtos sem registro sanitário no Brasil e os riscos decorrentes dessa prática.

A comercialização de produtos sem registro sanitário representa um problema crescente no Brasil. Segundo dados da própria Anvisa, entre 2022 e 2024, foram apreendidos mais de 500 mil produtos irregulares, sendo que aproximadamente 35% deles estavam relacionados a medicamentos e suplementos alimentares.

1. O caso "Metbala" e a ação regulatória da Anvisa

O produto "Metbala", comercializado na forma de gummy (balas mastigáveis) contendo tadalafila, substância indicada para o tratamento da disfunção erétil, foi lançado no início deste ano com ampla divulgação nas redes sociais, principalmente pelo influenciador digital "Jon Vlogs", que afirmou tratar-se de produto "100% legalizado e aprovado pela Anvisa" em suas redes.

A decisão da Anvisa de proibir o produto foi publicada no Diário Oficial da União e fundamentou-se em duas irregularidades graves:

  1. Ausência de regularização sanitária: O produto não possuía qualquer registro na Agência;
  2. Fabricante não autorizado: A empresa FB Manipulação Ltda. não dispunha de autorização para fabricar medicamentos no Brasil.

Importante ressaltar que a medida proibitiva estendeu-se a qualquer pessoa, física ou jurídica, e também a veículos de comunicação que comercializassem ou divulgassem o produto, demonstrando o alcance abrangente da regulação sanitária.

2. Marcos regulatórios e competência da Anvisa

2.1 Base jurídica da regulação de medicamentos

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece um robusto arcabouço normativo para a regulação de medicamentos, destacando-se:

  • Lei 9.782/1999: Criou a Anvisa e definiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária;
  • Lei 6.360/1976: Dispõe sobre a vigilância sanitária de medicamentos, produtos farmacêuticos e correlatos;
  • Lei 6.437/1977: Define as infrações sanitárias e estabelece sanções;
  • RDC 200/17: Estabelece os critérios para concessão e renovação do registro de medicamentos.

Esse conjunto normativo estabelece que medicamentos somente podem ser comercializados mediante registro prévio na Anvisa, que atesta sua eficácia, segurança e qualidade.

2.2 O registro sanitário como garantia ao consumidor

O registro na Anvisa não representa mera formalidade burocrática, mas constitui salvaguarda fundamental para a saúde pública. Conforme estabelece a legislação sanitária, "medicamentos só podem ser comercializados por farmácias e drogarias e precisam estar registrados na Agência. O registro é a comprovação de que o produto possui eficácia, segurança e qualidade".

Este processo regulatório, longe de ser um entrave ao desenvolvimento econômico, é um mecanismo de proteção coletiva que impede a exposição dos consumidores a produtos potencialmente perigosos e sem garantias mínimas de segurança.

3. Implicações jurídicas da comercialização sem registro

A comercialização de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem o devido registro configura infração sanitária prevista no art. 10, IV, da lei 6.437/1977, sujeitando os infratores a penalidades que incluem:

  • Advertência;
  • Multas que podem alcançar R$ 1.500.000,00;
  • Apreensão dos produtos;
  • Interdição parcial ou total do estabelecimento;
  • Cancelamento de autorização para funcionamento.

Além disso, a conduta pode configurar crime contra as relações de consumo (lei 8.078/1990) e, em casos extremos que resultem em danos à saúde, poderia ensejar responsabilização na esfera penal.

3.1 Responsabilidade de influenciadores digitais

Merece destaque, e hoje amplamente discutido, a atuação de influenciadores digitais que se comprovem em publicidade enganosa, pode resultar em responsabilização civil e penal do anunciante nos termos do art. 37 do CDC.

O STJ já se manifestou no sentido de que influenciadores digitais respondem solidariamente pelos produtos que anunciam, não podendo se eximir alegando desconhecimento técnico sobre o item promovido.

4. Riscos sanitários de produtos não regularizados

4.1 Riscos específicos da tadalafila

A tadalafila, princípio ativo presente no produto "Metbala", é medicamento sujeito à prescrição médica justamente pela complexidade de sua ação farmacológica e potenciais efeitos adversos.

Estes riscos ampliados em produtos sem qualquer controle de qualidade, dosagem ou pureza demonstram a temeridade da automedicação com substâncias não regularizadas.

4.2 Riscos gerais de produtos sem registro

Produtos disponibilizados à margem do controle sanitário apresentam múltiplos riscos:

  • Incerteza quanto à concentração real do princípio ativo;
  • Possibilidade de contaminação por impurezas;
  • Ausência de informações sobre contraindicações e interações medicamentosas;
  • Instabilidade na formulação, podendo apresentar degradação ou perda de eficácia.

5. Verificação da regularidade de produtos

Diante da proliferação de produtos de origem questionável, torna-se fundamental que o consumidor adote condutas preventivas, verificando a regularidade dos produtos que adquire. A Anvisa disponibiliza ferramentas para tal verificação:

  • Consulta a medicamentos regularizados: Disponível no portal da Anvisa (https://consultas.anvisa.gov.br/);
  • Verificação do CNPJ do fabricante: Para confirmar se a empresa possui autorização de funcionamento;
  • Consulta ao bulário eletrônico: Para acesso às bulas aprovadas.

5.1 Elementos obrigatórios na embalagem

Medicamentos regularizados devem apresentar na embalagem:

  • Número de registro na Anvisa (formato: x.xxxx.xxxx.xxx-x);
  • Nome do responsável técnico e inscrição no conselho profissional;
  • CNPJ do fabricante;
  • Telefone do SAC - Serviço de Atendimento ao Consumidor.

A ausência dessas informações constitui forte indício de irregularidade.

6. Considerações finais

O caso do gummy de tadalafila "Metbala" revela a importância do sistema regulatório sanitário brasileiro como mecanismo protetivo da saúde coletiva. A comercialização de produtos sem registro, além das implicações jurídicas para fabricantes e divulgadores, representa grave risco sanitário.

A fiscalização estatal, embora fundamental, não prescinde da vigilância do próprio cidadão, que deve adotar postura crítica frente a produtos "milagrosos" ou de origem duvidosa, principalmente aqueles relacionados à saúde.

Como evidenciado no caso analisado, a internet e as redes sociais amplificaram a capacidade de disseminação de produtos irregulares, exigindo não apenas reforço da atuação estatal, mas também a conscientização dos consumidores sobre os riscos envolvidos na utilização de produtos não regularizados.

A proteção à saúde, direito fundamental consagrado na CF/88, realiza-se tanto pela ação estatal quanto pela postura vigilante da sociedade, numa complementaridade necessária para efetivar a garantia constitucional.

____________

1 BRASIL. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências.

2 BRASIL. Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976. Dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos.

3 BRASIL. Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977. Configura infrações à legislação sanitária federal, estabelece as sanções respectivas, e dá outras providências.

4 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

5 BRASIL. Lei nº 13.021, de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas.

6 BRASIL. Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 200, de 26 de dezembro de 2017. Dispõe sobre os critérios para a concessão e renovação do registro de medicamentos.

7 BRASIL. Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 26, de 13 de maio de 2014. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos e o registro e a notificação de produtos tradicionais fitoterápicos.

8 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.721.705/SP. Relator: Min. Nancy Andrighi. Brasília, DF, julgado em 03/04/2023.

9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.840.315/SP. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, DF, julgado em 15/09/2023.

10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.877.316/SP. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, DF, julgado em 22/03/2024.

11 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Cível nº 1022730-15.2019.4.01.3400. Relator: Des. Daniele Maranhão. Brasília, DF, julgado em 20/10/2023.

12 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Criminal nº 5012468-42.2020.4.04.7107. Relator: Des. Victor Luiz dos Santos Laus. Porto Alegre, RS, julgado em 18/05/2024.

13 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo nº 1098765-43.2023.8.26.0100. Juiz: Rodrigo Ramos. São Paulo, SP, julgado em 12/12/2023.

14 O GLOBO. Anvisa proíbe gummy de tadalafila 'Metbala'; entenda. Publicado em 14/05/2025.

15 ANVISA. Relatório de Atividades de Farmacovigilância 2020-2024. Brasília: Anvisa, 2025.

16 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. A Growing Threat from Counterfeit Medicines. Bulletin of the World Health Organization, v. 98, n. 3, p. 201-280, 2025.

17 FOOD AND DRUG ADMINISTRATION. The BeSafeRx Program: Strategies to Combat Online Illegal Pharmacies. Washington: FDA, 2024.

18 EUROPEAN MEDICINES AGENCY. Common EU Logo for Online Pharmacies: Five Years of Implementation. Londres: EMA, 2023.

Lucas Tidei de Marco

VIP Lucas Tidei de Marco

Sócio do escritório De Marco Advogados, formado em Direito pela (FADI-SP) e em Administração de Empresas pela (ESPM-SP). Pós-graduado em Dir. Contratual e Resp. Civil, e Dir. Empresarial.

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