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Guia para as sociedades LTDA: Quando excluir um sócio vira necessidade

A exclusão de um sócio não é só um ato de controle, mas sim uma via de proteção da empresa. Esse guia te mostrará como usá-la.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Atualizado às 14:20

Em sociedades empresariais, especialmente nas limitadas, os conflitos entre sócios são uma realidade que, se não bem administrada, pode colocar em risco a própria continuidade da empresa. Evidentemente, não são todos os atritos que ensejam em medidas drásticas que podem impactar o empreendimento como o afastamento de um sócio judicialmente.

Divergências estratégicas, quebras de confiança e condutas prejudiciais à coletividade empresarial exigem do gestor - muitas vezes sócio remanescente do negócio - decisões difíceis, entre elas, a exclusão de um dos sócios. Nos últimos anos, a jurisprudência do STJ tem delimitado com mais precisão os contornos da exclusão de sócio por justa causa, separando o que é dissenso natural da atividade empresarial daquilo que de fato compromete a integridade patrimonial e o propósito comum da sociedade.

Mais do que uma prerrogativa de controle, a exclusão torna-se uma ferramenta legítima de proteção da empresa, desde que empregada com critérios claros, de preferência definido no início da sociedade através de algum instrumento contratual, e respeito aos direitos do sócio acusado.

O limite entre a divergência e a falta grave: Onde começa o direito de excluir um sócio

É natural que ao longo do trato societário divergências aconteçam sobre a forma de condução do empreendimento. Trata-se, de certa maneira, de uma atitude saudável para que a empresa realinhe sua rota, impulsione a criatividade e crie novas estratégias que a diferenciarão no mercado.

O entrave acontece quando essas divergências ultrapassam o limite da razoabilidade e violam os pactos contratuais, a lei ou coloca em xeque a integridade, patrimonial e de funcionamento, da sociedade. Do ponto de vista jurídico, a divergência entre sócios, por mais intensa que seja, não constitui justa causa para exclusão. Conforme reiterado pelo STJ, a mera perda da affectio societatis - expressão que designa a vontade de permanecer associado - não basta para afastar alguém da sociedade.

Para que a exclusão seja admitida, é necessário que o comportamento do sócio seja objetivamente reprovável e gere efeitos concretos no negócio, como desvio de recursos, atos de concorrência desleal, descumprimento reiterado de cláusulas do contrato social ou obstrução deliberada da gestão.

Como exemplo, o STJ no REsp 2.142.834/SP, entendeu neste julgado que a conduta do sócio que realizou retiradas de valores do caixa da empresa sem aprovação dos demais sócios, em desacordo com o contrato social, seria considerado como falta grave. O tribunal deixou claro que não se trata de avaliar desentendimentos pessoais, mas de verificar se houve ou não violação de deveres societários com impacto real na atividade empresarial.

Não obstante, a exclusão societária é uma moeda que possui outra face, esse procedimento também pode ser usado de forma oportunista para prejudicar o sócio afastado, principalmente na intenção de apropriação do negócio. Por isso a importância de definir as regras do jogo de forma clara ainda na estruturação da empresa, caso não seja você a definir caberá a um terceiro (Judiciário) tomar uma decisão.

O fundamento da exclusão e o entendimento do STJ.

A exclusão de sócio por falta grave encontra fundamento legal nos arts. 1.030 e 1.085 do CC, mas cada hipótese exige requisitos específicos. A via judicial, prevista no art. 1.030, é cabível quando a exclusão for proposta pela maioria dos demais sócios, desde que se comprove que o sócio violou deveres contratuais ou legais de forma relevante.

Por sua vez, a exclusão extrajudicial, autorizada pelo art. 1.085, depende de dois elementos: cláusula expressa no contrato social e deliberação da maioria absoluta do capital social.

O STJ tem sido rigoroso na análise dessas hipóteses. No REsp 2.142.834/SP, a exclusão foi validada porque a sócia retirou valores expressivos do caixa da empresa contrariando cláusulas contratuais que exigiam deliberação de 90% do capital para a distribuição de lucros. O STJ entendeu que a conduta não se tratava de mera discordância sobre a gestão, mas de violação deliberada da integridade patrimonial da sociedade, caracterizando falta grave.

Com base nessa linha de entendimentos do STJ, é essencial ter atenção aos cuidados na redação das cláusulas contratuais, expressões vagas ou cláusulas genéricas autorizando exclusão "por justa causa" não são suficientes. É recomendável estabelecer um rol exemplificativo de condutas, procedimento para convocação, ciência prévia e possibilidade de manifestação do sócio acusado, garantindo a regularidade formal do ato e minimizando o risco de judicialização futura.

A exclusão como o remédio amargo, mas necessário para a proteção empresarial.

A exclusão de um sócio, quando realizada dentro dos limites legais e contratuais, não é apenas uma prerrogativa dos demais quotistas - trata-se de um instrumento de preservação da sociedade. Não se trata de afastar divergências, mas de neutralizar comportamentos que comprometem a execução do objeto social ou violam a integridade do patrimônio comum.

Reforçando a autonomia privada e em busca de evitar o uso indevido desse gatilho, o STJ1 reforçou o princípio da intervenção mínima do Poder Judiciário, com base no art. 3º, VIII, da LLE - Lei da Liberdade Econômica (lei 13.874/19) trazendo a supletividade do Judiciário na tomada de decisão.

A exclusão não deve ser confundida, em nenhuma hipótese, com retaliação nem tampouco banalizada sob risco de prejudicar a atividade econômica e o fluxo de investimentos. Mas, sim aplicada diante de situações objetivas - como desvio de recursos, gestão temerária, bloqueio da atividade por disputa interna -, ela pode ser a única forma de proteção patrimonial, manter a reputação da empresa e garantir sua continuidade.

Diante desse cenário, o registro de um contrato social genérico como o fornecido pela Junta Comercial ou um modelo facilmente achado na internet que, em muitas vezes, não representa a relação societária vem a abrir possibilidades de mais à frente perder o patrimônio investido.

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1 REsp 2.142.834/SP

Emmanuel Lucas Garcia Lima

VIP Emmanuel Lucas Garcia Lima

Sócio do Emmanuel Lima Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Bolsista em formação complementar em negociação na Universidade de Harvard, pela CMI Interser.

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