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Herança é aquilo que os mortos deixam para os vivos para que eles se matem entre si

Este artigo convida à reflexão sobre como a falta de planejamento patrimonial transforma o luto em conflito, expondo mágoas, rivalidades e rompimentos familiares.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Atualizado às 09:35

A frase dita pela renomada jurista Giselda Hironaka: "Herança é aquilo que os mortos deixam para os vivos.. para que eles se matem entre si" no Congresso da Ebradi em São Paulo, no dia 20/5/25, traduz uma realidade muito mais comum do que gostaríamos de admitir. No exercício diário da advocacia, especialmente no Direito de Família e Sucessões, é fácil perceber que, muitas vezes, o que deveria ser a materialização do cuidado e do legado se transforma, na prática, em um campo de batalha entre herdeiros.

A morte, além de ser um evento profundamente doloroso, costuma abrir espaço para o surgimento de conflitos familiares que, na maioria das vezes, estavam adormecidos ou disfarçados. Rivalidades antigas, mágoas não resolvidas e percepções distintas sobre o que é "justo" emergem com força total no momento da partilha dos bens.

E por que isso acontece?

Porque, historicamente, negligenciamos o planejamento patrimonial e sucessório. A falsa crença de que falar sobre morte atrai coisas ruins, somada à resistência em discutir abertamente temas patrimoniais dentro da família, acaba deixando os vivos diante de um problema que poderia, e deveria, ter sido resolvido em vida.

A ausência de um planejamento claro leva à insegurança jurídica, à demora na conclusão dos inventários e, frequentemente, ao rompimento de laços familiares. É o momento em que irmãos deixam de se falar, primos tornam-se inimigos e famílias inteiras se desintegram, não por falta de amor, mas pela ausência de orientação, de diálogo e de instrumentos jurídicos bem elaborados.

Contrariando a visão distorcida de que quem faz planejamento sucessório quer "se livrar dos bens" ou controlar os herdeiros, a verdade é que esse cuidado em vida é um dos maiores gestos de responsabilidade e amor que alguém pode ter com sua família.

Através de ferramentas como holding familiar, doações em vida, testamentos e outros instrumentos jurídicos, é possível garantir que a transferência de patrimônio ocorra de forma organizada, eficiente e, principalmente, preservando os vínculos familiares.

Além disso, o planejamento sucessório permite reduzir custos, evitar litígios, acelerar os processos de transmissão de bens e, sobretudo, respeitar a vontade de quem construiu aquele patrimônio ao longo da vida.

A frase dita por Giselda Hironaka não é um incentivo ao medo, mas sim um chamado à reflexão. Precisamos transformar a cultura da herança no Brasil, deixar de encarar o tema como tabu e passar a tratá-lo como uma etapa natural da vida, que merece tanto cuidado quanto a constituição do próprio patrimônio.

Falar sobre sucessão não é falar sobre morte. É falar sobre legado, cuidado e amor. Porque mais valioso do que os bens que deixamos, é a paz que conseguimos garantir para aqueles que amamos.

Poliane Silva Serpa Puel

VIP Poliane Silva Serpa Puel

Advogada desde 2009 no Zunino Advogados, especializada em Direito de Família e Sucessões. Conselheira da OAB/SC de Tijucas e Pres. da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/SC de Tijucas.

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