MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. A aceitação (ou não) da geolocalização como prova trabalhista

A aceitação (ou não) da geolocalização como prova trabalhista

Apesar da validação da geolocalização como meio de prova em reclamações trabalhistas pelo Tribunal Superior do Trabalho, seu deferimento ainda encontra óbices no TRT da 4ª Região.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Atualizado às 10:08

O TST, por meio da SDI-2 - Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, ao julgar o recurso ordinário em mandado de segurança 0023218-21.2023.5.04.0000, decidiu a respeito da possibilidade de utilização da geolocalização como prova possível e viável nos processos trabalhistas.

Assim, o presente artigo busca analisar como a utilização da geolocalização está sendo recepcionada como meio de prova pelo TRT da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, após sua validação pelo TST.

O acórdão do TST parte do pressuposto da necessidade de ponderação entre princípios do ordenamento jurídico brasileiro, bem como de que os tribunais internacionais aceitam as provas digitais com objetivos legítimos e necessários, respeitando critérios para sua validade.

O TST, ao julgar o caso, ponderou quanto à (LGPD, à lei de acesso à informação e ao Marco Civil da Internet, pois esses diplomas legislativos permitem o acesso a dados pessoas para a defesa judicial.).

Verifica-se então que, ao aceitar a utilização da prova digital em questão, o TST considerou os demais princípios do ordenamento - bem como a LGPD, o Marco Civil da Internet e a lei de acesso à informação - como não impeditivos à utilização dessa prova.

No entanto, o TST também delimitou o rol de requisitos para a sua utilização. Primeiramente, referiu a necessidade de que a prova seja capaz de ter serventia para aquilo que se propõe, ou seja, que seja adequada. Além disso, a prova de estar dentro do limite do necessário, de modo que cause a menor intrusão possível e seja proporcional, devendo-se considerar a menor mitigação dos princípios envolvidos e a relação entre eles.

Assim, não se pode utilizar a geolocalização se ela não for apta a provar o fato controvertido, ou seja, se se quiser provar fato que não requeira, por exemplo, conhecer a localização da pessoa. Outro requisito trazido na decisão é a utilização da prova dentro do que se mostrar necessário: logo, se a alegação é de que o empregado estaria nas dependências da empregadora entre as 17h e as 20h, por exemplo, não carece ser verificada sua localização entre as 21h e 23h, pois estaria indo além do necessário. O requsito terceiro, por seu turno, traz a necessidade de que os princípios sejam devidamente sopesados.

Desca-se que o TST pondera a respeito da necessiade de busca da verdade real e da possibilidade, para isso, de se utilizar o regime de inclusão para as provas.

Um ponto relevante - capaz de infirmar o argumento de que a utilização da geolocalização representaria uma violação à intimidade - seria se o próprio trabalhador estivesse faltando com a verdade em relação aos fatos. Veja-se que a utilização da prova digital no caso, além da aptidão à demonstração dos fatos em si, é um incentivo aos deveres de cooperação processual e de exposição dos fatos conforme a verdade.

O TST ainda analisou a questão sob a possibilidade de que sua utilização pudesse violar o sigilo telemático e de comunicações (CF, art. 5º, XII), o que igualmente restou afastado. O acórdão cita a existência de programas que garantem a utilização da prova nos limites daquilo que for necessário e útil.

Então, verifica-se que a decisão do TST é um marco importante de permissão de utilização da prova digital de geolocalização, bem como de delimitação de prâmetros para essa utilização. Conclui-se que a prova pode ser utilizada - na medida do necessário, do adequado e do útil, reitere-se - sem que isso represente afronta às leis e aos princípios protetores da intimidade do empregado.

A escolha pela delimitação do presente estudo ao setor bancário se justifica porque a decisão do TST que validou a utilização da geolocalização como prova digital da jornada de trabalho se deu no julgamento de caso ajuizado por um bancário. Ademais, tal setor é representativo de discussões recorrentes quanto à jornada; porém, a utilização do meio de prova e a análise da posição do Tribunal podem ser úteis a quaisquer outros setores.

A jornada de trabalho e as horas extras eventualmente não pagas são um assunto frequente no setor bancário, sendo que as dificuldades de provar as alegações das partes são constantes.

Assim, através da utilização de ferramentas tecnológicas, a tão almejada verdade dos fatos pode ser alcançada de modo mais efetivo.

Porém, a utilização da tecnologia de geolocalização em processos trabalhistas não pode ser efetuada sem que se pondere uma série de nuances delicadas e caras ao Direito, dentre elas, a inafastável proteção da intimidade do trabalhador.

Essas questões foram devidamente abordadas pela SDI-2 do TST que, por maioria de votos dos ministros, permitiu que um banco se utilizasse da geolocalização como meio de prova quanto à jornada de trabalho do empregado.

Em busca realizada no sítio eletrônico do TRT da 4ª Região, em 24 de maio de 2025, no item "jurisprudência", selecionando-se "decisões de 2º grau" e, no campo próprio, utilizando-se como argumento de pesquisa "bancário proteção de dados LGPD geolocalização", com a delimitação do período de 01/1/2025 a 01/5/2025, foram encontrados 13 acórdãos.

Optou-se pela busca limitada ao ano de 2025, pois tal período se reveste de atualidade e permite aferir qual o posicionamento do TRT da 4ª Região após a decisão da SDI-2 do TST.

Os resultados obtidos são, basicamente, acórdãos prolatados em sede de recurso ordinário (76,92%) e de embargos de declaração (23,08%), sendo que a maioria foi proferida em abril de 2025 (53,85%), seguindo-se os meses de fevereiro (30,77%) e março (15,38%).

Os embargos de declaração localizados pelos critérios metodológicos expostos não foram acolhidos. De modo semelhante, os recursos ordinário, no que concerne ao tópico deste estudo, também não foram providos.

Dentre as alegações mais comuns constantes nas decisões analisadas, os recorrentes alegaram, em grande maioria, a ocorrência de cerceamento de defesa devido ao indeferimento da produção da prova digital. Outros argumentos aduzidos foram a impossibilidade de produção de outras provas para a demonstração dos fatos em discussão, a existência de depoimentos conflitantes no processo, a existência de prejuízo devido à ausência de produção da prova, a violação da ampla defesa e a maior fidedignidade da geolocalização em comparação a outras provas. Assim, foi comum a invocação do art. 5º, LV, da CF, dos arts. 369 e 370 do CPC, do art. 765 da CLT, e do art. 7º, VI, da LGPD.

Por seu turno, o TRT da 4ª Região fundamentou a manutenção da recusa à utilização da geolocalização (como meio de prova de horas extras) em uma possível violação da intimidade, pois ofenderia o art. 5º, X e XII, da CF. Ademais, adotou como base os arts. 371 e 489 do CPC. Como muitas das alegações dos recorrentes estavam relacionadas ao cerceamento de defesa, o TRT da 4ª Região também referiu o art. 794 da CLT, pois a nulidade só se manifestaria caso pudesse ser verificado manifesto prejuízo, e o julgador teria a prerrogativa do livre convencimento.

Assim, é evidente que a alegação de manifesto prejuízo necessita ficar explícita nas razões recursais, a fim de provocar sua necessária análise. Outro ponto que carece de atenção do recorrente é a demonstração da necessidade de produção da prova no caso concreto, de modo a demonstrar a fragilidade da decisão que a indeferiu.

Outro argumento de indeferimento - encontrado em acórdãos do TRT da 4ª Região - consiste na possibilidade de utilização, em tese, de outros meios de prova aptos a provar o alegado (nos casos que são objeto deste estudo, as horas extras de empregados bancários). Quanto a este item, destaca-se que, em cotejo com a supracitada decisão da SDI-2 do TST, o TRT da 4ª Região acrescentou óbices que não estão dentre as limitações consideradas pelo TST para casos semelhantes - o que, por si só, representa uma posição mais restritiva adotada pela corte regional. O TRT da 4ª Região fundamentou decisões na inviolabilidade da privacidade das comunicações (art. 5º, X e XII, da CF), invocando também o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 17), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 12) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 11).

Tendo em vista que o TRT da 4ª Região tem afastado o uso da prova da geolocalização em julgados recentes (datados de 2025), os advogados que a pretendem utilizar devem estar atentos quanto ao seu prequestionamento, a fim que os recursos a serem eventualmente interpostos ao TST sejam devidamente apreciados. Desse modo, o zelo ao arrazoar os correspondentes recursos é fundamental, com o intuito de possibilitar que esse relevante meio de prova seja efetivamente aceito em processos trabalhistas.

Vivian Paludo

Vivian Paludo

Doutora e mestre em Direito. Especialista em Direito Processual Civil. Graduada em Direito e Administração. Advogada.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca