MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Brasil e Chile lideram a nova fronteira da IA na América Latina

Brasil e Chile lideram a nova fronteira da IA na América Latina

Ambos os países pretendem revolucionar a advocacia latino-americana com modelos de linguagem nativos em português e espanhol que podem aumentar a produtividade e democratizar o acesso à Justiça.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Atualizado às 08:55

Em abril de 2025, um anúncio feito discretamente pelos Ministérios de Ciência e Tecnologia do Brasil e do Chile pode ter iniciado uma revolução silenciosa, mas profunda, no ecossistema jurídico da América Latina.

Ambos os países firmaram um acordo histórico para o desenvolvimento de um conjunto de modelos de linguagem em IA - inteligência artificial, com foco específico nos idiomas português e espanhol. À primeira vista, poderia parecer apenas mais um esforço diplomático na crescente corrida global pela soberania tecnológica.

Mas, ao olhar com a lente da gestão jurídica e do futuro do Direito, enxergo um movimento que redefine paradigmas: a construção de uma infraestrutura tecnológica própria, com impacto direto na produtividade, eficiência e autonomia dos nossos sistemas jurídicos.

O contexto: A emergência latino-americana no cenário global de IA

O mercado latino-americano de inteligência artificial está em franco crescimento, com previsão de atingir US$15 bilhões até 2027, segundo dados recentes da IDC. O Brasil, sozinho, concentra cerca de 40% dos projetos de IA da região, consolidando sua posição como protagonista no bloco.

Este novo projeto Brasil-Chile visa criar modelos de linguagem abertos e eficientes, algo que extrapola as fronteiras acadêmicas ou tecnológicas. Trata-se de um passo estratégico para que nossos países deixem de ser meros consumidores de tecnologias criadas nos Estados Unidos, Europa ou Ásia, e passem a ser produtores de soluções que dialoguem com as especificidades culturais, jurídicas e linguísticas da América Latina.

Modelos como GPT-4, Claude 3 e outros, já são amplamente utilizados por escritórios e departamentos jurídicos para tarefas que vão da análise contratual à redação de petições complexas.

Dados da LexisNexis apontam que 72% dos escritórios de advocacia já utilizam ou testam ferramentas de IA. No entanto, muitos desses sistemas são treinados majoritariamente em inglês e trazem consigo vieses culturais e técnicos que, muitas vezes, não se adaptam com precisão à prática jurídica brasileira ou chilena.

Portanto, a proposta de um modelo treinado nativamente em português e espanhol representa um divisor de águas: mais do que tecnologia, estamos falando de soberania jurídica e eficiência operacional.

O impacto direto no setor jurídico

Na prática, o desenvolvimento de modelos de linguagem treinados com dados latino-americanos pode impactar três pilares centrais do setor jurídico: produtividade, precisão e acesso à Justiça.

  1. Produtividade: Com modelos de linguagem mais ajustados à nossa realidade, escritórios de advocacia e departamentos jurídicos terão ferramentas mais eficientes para automatizar a elaboração de peças processuais, análise de jurisprudência e pareceres. Hoje, nos softwares jurídicos, já vemos os clientes reduzirem em até 70% o tempo gasto com tarefas repetitivas ao utilizar soluções baseadas em IA. Com um modelo latino-americano robusto, essa eficiência pode alcançar patamares ainda mais expressivos;
  2. Precisão jurídica: Os modelos atuais, embora poderosos, muitas vezes cometem deslizes técnicos quando aplicados à legislação brasileira ou chilena. Ao treinar uma IA com acervo jurídico regional, incluindo doutrina, jurisprudência e legislação local, será possível elevar o nível de precisão das respostas, evitando erros que podem comprometer uma petição ou um parecer jurídico;
  3. Democratização e acesso à Justiça: O impacto mais transformador talvez seja na democratização do acesso à Justiça. Escritórios menores, advogados autônomos e até defensores públicos poderão ter acesso a ferramentas de ponta sem depender de soluções caras e estrangeiras. Trata-se de uma revolução inclusiva, que pode reduzir as desigualdades no acesso à tecnologia dentro do sistema jurídico.

Os desafios no caminho

Naturalmente, não podemos ser ingênuos quanto aos desafios desta empreitada. Desenvolver um modelo de linguagem exige acesso a grandes volumes de dados, poder computacional elevado e equipes multidisciplinares altamente qualificadas. 

Além disso, é essencial que exista um compromisso com a ética no uso da IA, especialmente em um setor tão sensível quanto o jurídico. Transparência, aplicabilidade dos algoritmos e proteção de dados precisam estar no centro desse esforço.

Ao refletir sobre essa nova fase, lembro-me das palavras de Peter Drucker, que dizia: "A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo." O acordo entre Brasil e Chile não apenas prevê um futuro mais tecnológico para o Direito na América Latina, mas também o constrói de forma concreta.

O que está em jogo não é apenas um avanço tecnológico, mas a chance de reposicionar o Direito latino-americano no centro da nova economia da inteligência artificial.

E convenhamos: depois de tanto tempo vendo a IA resolver problemas lá fora, está mais do que na hora de termos soluções "com nosso sotaque", não é mesmo?

Eduardo Koetz

VIP Eduardo Koetz

Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca