Suspensão disciplinar e LC 173/20: Impactos no tempo de serviço
O artigo analisa os efeitos da suspensão disciplinar e da LC nº 173/2020 na contagem do tempo de serviço para adicionais estatutários, com foco no Regime Jurídico do Estado do Espírito Santo.
sexta-feira, 30 de maio de 2025
Atualizado às 08:50
Introdução
O Direito Administrativo brasileiro, em seu permanente processo de densificação e complexificação, confere à gestão pública o imperativo de operacionalizar os regimes estatutários com base em parâmetros de estrita legalidade e de conformidade com os princípios constitucionais. A configuração normativa das vantagens funcionais, em especial aquelas que se vinculam ao tempo de serviço, como o Adicional de Assiduidade e o Adicional de Tempo de Serviço, suscita controvérsias jurídicas relevantes, mormente quando incidências normativas excepcionais e sanções disciplinares se entrecruzam com a progressão funcional do servidor público.
O presente artigo se propõe a uma análise aprofundada dos efeitos da suspensão disciplinar e da incidência da LC 173/20, sobre a contagem de tempo de serviço para fins de concessão dos mencionados adicionais, com especial enfoque no regime jurídico do Estado do Espírito Santo, paradigma normativo que inspira o presente estudo.
A teia normativa dos adicionais por tempo de serviço: Regime Jurídico e finalidades
Adicional de Assiduidade, conforme disposto no art. 108 da LC Estadual 46/1994, representa um instrumento de valorização da continuidade e regularidade no serviço público, estruturado como uma vantagem de caráter permanente, atribuída ao servidor a cada decênio ininterrupto de efetivo exercício. O percentual atribuído é de 2% sobre o vencimento básico, respeitado o limite máximo de 15%. Notadamente, a legislação, com rigor técnico, estabelece hipóteses interruptivas da contagem temporal, entre as quais avulta a suspensão disciplinar, prevista expressamente no art. 109, inciso VI, da mencionada norma.
Em contraste, o Adicional de Tempo de Serviço (quinquênio), delineado no art. 106 da mesma legislação, confere ao servidor, a cada cinco anos de efetivo exercício, um acréscimo de 5% sobre o vencimento básico, até o limite de 35%. Para os servidores admitidos até 8 de janeiro de 1997, a LC 128/1998 inovou ao estabelecer uma progressividade que atinge até 60%, com alíquotas que variam conforme as faixas temporais de exercício.
A distinção estrutural entre os institutos revela-se não apenas quanto à sua finalidade - uma atrelada à assiduidade, outra ao tempo de serviço per se - mas, sobretudo, quanto à previsão de causas interruptivas, presentes apenas em relação ao Adicional de Assiduidade.
O princípio da legalidade administrativa como filtro hermenêutico da interpretação dos adicionais
No âmbito do Direito Administrativo Sancionador, a doutrina é uníssona ao afirmar que a sanção administrativa, ao restringir a esfera jurídica do servidor, deve ser interpretada de forma estrita. Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera, com propriedade, que "não se admite interpretação extensiva ou analógica de normas que restrinjam direitos dos administrados, especialmente no âmbito das sanções disciplinares"1.
A positivação da interrupção da contagem do decênio para o Adicional de Assiduidade em razão de suspensão disciplinar é inequívoca. Contudo, inexiste, no mesmo estatuto normativo, previsão correlata quanto ao Adicional de Tempo de Serviço. Assim, à luz do princípio da legalidade estrita, que rege a Administração Pública (art. 37, caput, da Constituição da República), impõe-se a compreensão de que a sanção disciplinar não possui o condão de interromper ou reiniciar a contagem do quinquênio.
Corrobora tal exegese a lição sempre atual de Hely Lopes Meirelles, para quem "os atos administrativos devem encontrar seu fundamento de validade na norma jurídica, sendo-lhes vedada interpretação ampliativa em prejuízo do administrado"2.
A incidência da LC 173/20 e o regime de suspensão da contagem de tempo de serviço
No contexto da pandemia da covid-19, o legislador federal, com vistas à preservação do equilíbrio fiscal, editou a LC 173/20, cuja norma preceptiva mais impactante para o regime funcional dos servidores públicos reside na suspensão da contagem de tempo de serviço para fins de aquisição de vantagens e adicionais, no período de 28 de maio de 2020 a 31 de dezembro de 2021.
Trata-se de norma de caráter geral e cogente, dotada de eficácia plena e aplicabilidade imediata, cuja observância se impõe à totalidade dos entes federativos. A Administração Pública do Estado do Espírito Santo, com acerto, promoveu a devida adequação dos registros funcionais, projetando, após a exclusão do interstício referido, a data de aquisição de mais um quinquênio para o mês de março de 2025.
Impende ressaltar que a suspensão da contagem, prevista na LC 173/20, não se confunde com a suspensão disciplinar. Enquanto aquela possui índole objetiva, de aplicação geral e abstrata, esta configura sanção de natureza subjetiva e específica, com efeitos limitados ao caso concreto e disciplinados exclusivamente pelo regime jurídico estatutário.
A suspensão disciplinar de curta duração e seus reflexos sobre o cômputo do tempo de serviço
No caso sob análise, o servidor sofreu a imposição de penalidade de suspensão disciplinar por dois dias, a partir de 25/8/20, com regular anotação em sua ficha funcional.
Dúvida restou quanto à possibilidade de essa sanção ensejar a interrupção do cômputo temporal para a aquisição do Adicional de Tempo de Serviço. A resposta, ancorada na dogmática administrativa e na normatividade vigente, deve ser negativa.
Com efeito, embora a legislação estadual expressamente determine que a suspensão disciplinar interrompe a contagem do decênio para fins de Adicional de Assiduidade, não há previsão legal que estenda tal efeito ao Adicional de Tempo de Serviço.
Em matéria de sanções e restrições a direitos estatutários, o intérprete e o aplicador do Direito devem observar rigorosamente o princípio da reserva legal. A ausência de previsão normativa expressa impede que a Administração Pública, ainda que guiada por boas intenções, amplie os efeitos da sanção para além do que prescreve o ordenamento jurídico.
A jurisprudência pátria tem sufragado essa compreensão. Destaca-se, por pertinente, o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no sentido de que, em casos de suspensão disciplinar de curta duração, ausente previsão normativa expressa, não há que se falar em reinício ou interrupção da contagem de tempo de serviço para efeitos de concessão de vantagens funcionais3.
Assim, no que tange ao Adicional de Tempo de Serviço, a penalidade de suspensão disciplinar apenas poderá justificar, quando muito, o desconto proporcional dos dias correspondentes ao afastamento. Não há respaldo jurídico para se cogitar do reinício ou da interrupção do quinquênio.
Considerações finais
Em face do exposto, impõe-se concluir que, no âmbito do regime jurídico capixaba, a suspensão disciplinar de curta duração não possui a aptidão jurídica de interromper ou reiniciar a contagem de tempo de serviço para fins de aquisição do Adicional de Tempo de Serviço.
Tal compreensão coaduna-se com os vetores principiológicos da legalidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, que informam a atuação da Administração Pública na persecução do interesse público primário e na promoção da justiça administrativa.
Deve-se, portanto, manter, sem qualquer reparo, a data projetada para a aquisição do quinquênio, fixada para março de 2025, sendo vedada qualquer ampliação dos efeitos da suspensão disciplinar, sob pena de ofensa aos cânones estruturantes do Direito Administrativo contemporâneo.
Por fim, cumpre ressaltar que a correta gestão dos regimes estatutários demanda da Administração Pública não apenas o domínio técnico da legislação aplicável, mas, sobretudo, a observância de uma hermenêutica fundada na promoção dos valores republicanos, da eficiência administrativa e da justiça social.
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1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.
2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
3 BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
4 BRASIL. Lei Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020.
5 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2022.
6 ESPÍRITO SANTO. Lei Complementar nº 46, de 31 de janeiro de 1994.
7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 48. ed. São Paulo: Malheiros, 2022.
8 PPGDIR/UFES. Resumos de Direito Administrativo: entre ensino, pesquisa e extensão. Vitória: Editora Virtualis, 2020.
9 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 0007212-56.2015.8.19.0001.


