Story, reels e separação: O mito da família perfeita nas redes sociais
O artigo analisa os impactos jurídicos da superexposição digital em casamentos, com foco no caso de Virgínia e Zé Felipe, e propõe reflexões sobre intimidade, patrimônio e imagem
segunda-feira, 2 de junho de 2025
Atualizado às 09:49
A separação de Virgínia Fonseca e Zé Felipe - um casal cuja vida foi construída (e lucrada) em tempo real nas redes sociais - lança luz sobre uma questão cada vez mais presente na sociedade digital: os efeitos jurídicos, emocionais e patrimoniais da superexposição das relações afetivas.
Em tempos de stories diários, famílias coreografadas e rotinas monetizadas, o casamento deixa de ser apenas uma união afetiva ou patrimonial. Torna-se também um projeto de imagem, marketing e negócios. Mas o Direito está preparado para lidar com isso?
O mito da família perfeita e a lógica do engajamento
Casais como Virgínia e Zé Felipe não vendem apenas produtos ou publicidade. Eles vendem um estilo de vida: amor, maternidade, sucesso, rotina familiar. Tudo isso se transforma em capital simbólico, seguidores e contratos - que muitas vezes são registrados em nome de apenas um dos cônjuges ou de empresas familiares, no caso a Talismã Digital, fundada por ambos.
A idealização da relação e da "família perfeita" cria um ciclo de autoexigência, onde a exposição constante substitui a intimidade, e a performance pública se sobrepõe à realidade privada. O rompimento, então, não é apenas afetivo - é uma ruptura empresarial, de marca e de audiência.
Separações públicas e os direitos invisibilizados
O Direito de Família tradicional tende a lidar com separações a partir de categorias como regime de bens, alimentos, guarda de filhos. Mas em casos como este, surgem novas perguntas:
- Quem tem direito ao capital construído com base na imagem do casal?
- A monetização da rotina familiar pode gerar meação?
- Como proteger os filhos menores da exposição excessiva durante ou após a separação?
O Judiciário ainda carece de parâmetros para lidar com essas novas formas de conjugalidade, em que o amor se mistura à contratos, empresas e parcerias publicitárias.
A romantização da vida exposta e seus impactos jurídicos
A sociedade tende a romantizar a exposição: "casal perfeito", "família de comercial", "amor de novela". Mas essa lógica pode reforçar padrões irreais, pressionar mulheres a performar um papel de "esposa ideal" e silenciar conflitos reais.
Ao mesmo tempo, essa exposição pode gerar expectativas legítimas de participação nos lucros e construção de patrimônio simbólico - que o Direito, ainda baseado em critérios materiais clássicos, não costuma reconhecer.
Além disso, surgem questões sensíveis sobre guarda compartilhada em contextos de influência digital, direito à imagem de filhos menores e a necessidade de proteger o melhor interesse da criança frente aos holofotes virtuais.
Conclusão
O caso de Virgínia e Zé Felipe é um retrato contemporâneo de uma geração que transforma afetos, em conteúdo e intimidade, em capital.
O Direito não pode mais se limitar a categorias do século XX para lidar com uniões que se desconstroem em tempo real, sob milhões de olhos.
É hora de debater novas formas de proteção da intimidade, reconhecimento do trabalho emocional e simbólico da mulher, e limites jurídicos para a exposição digital da vida afetiva e familiar.


