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O pedido de reconsideração e nova fundamentação judicial: Efeitos recursais

O artigo defende que, quando a decisão sobre o pedido de reconsideração resulta nova (maior) fundamentação, o prazo recursal é interrompido, nos moldes dos ED.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Atualizado às 13:26

1. Introdução

Suponhamos a hipótese em que o magistrado, diante de um pleito liminar formulado em uma petição inicial, indefere o pleito, sob uma determinada fundamentação.

Inconformado com a decisão que, na visão da parte, não contemplou a essência do pedido, há a formulação de um pedido de reconsideração alertando para um determinado fato ignorado pelo magistrado.

O magistrado, então, verifica que a sua decisão anterior, realmente, não havia contemplado o fato demonstrado pelo autor, ou, apenas resolve formular maiores esclarecimentos, mas, ainda assim, após a complementação dos argumentos, mantém a "decisão anterior".

A parte, então, resolve recorrer ao Tribunal para a modificação da decisão do magistrado a quo, e tem o seu recurso inadmitido sob a alegação de "intempestividade" decorrente da preclusão do prazo recursal contado da publicação, ou da ciência, da primeira decisão.

Essa decisão apresenta-se totalmente incompatível com os princípios do processo civil contemporâneo.

A teoria processual contemporânea tem evoluído em direção à valorização do contraditório substancial, da cooperação e da efetividade das decisões judiciais.

Contudo, tem sido comum observar a aplicação mecânica de teses jurídicas sem reflexão crítica, como no caso da reiterada afirmação de que o pedido de reconsideração não interrompe o prazo recursal.

Essa assertiva ignora situações em que a decisão proferida após pedido de reconsideração apresenta nova fundamentação, ainda que mantenha o dispositivo anterior.

Em tais casos, o conteúdo decisório não é o mesmo, e a nova manifestação judicial deve ser considerada para fins de contagem de prazo recursal.

Neste artigo, propõe-se uma releitura crítica da jurisprudência dominante à luz dos princípios do contraditório substancial, da não surpresa, da dialeticidade, da boa-fé e da cooperação processual.

2. A reprodução acrítica da tese dominante

A jurisprudência consolidada afirma que o pedido de reconsideração não tem o condão de interromper prazos recursais.

Essa "tese", como outras tantas, vem sendo repetida de maneira automática pelos Tribunais, sem a observação casuística e necessária.

Estabeleceu-se uma regra que, muitas vezes, já é aplicada diretamente pela assessoria do magistrado ou pelo órgão de admissibilidade.

O referido posicionamento se sustenta na ausência de previsão legal, reiterada em inúmeros julgados, como no AgInt no REsp 2.004.327/RS.

Contudo, tal entendimento parte da premissa de que a decisão que aprecia o pedido de reconsideração seria irrelevante do ponto de vista processual.

Essa premissa torna-se equivocada quando o juiz complementa os fundamentos da decisão anterior, ainda que mantido o dispositivo ("mantenho a decisão anterior"), o que altera o conteúdo jurídico da decisão e interfere na forma como a parte poderá impugná-la;

Nesses casos, não reconhecer efeito interruptivo ao pedido de reconsideração que gera uma nova decisão significa ignorar os princípios do processo civil contemporâneo.

Ao aplicar essa "regra" de forma mecânica, ignora-se que em muitas situações a decisão proferida após o pedido de reconsideração traz complementação ou ampliação da fundamentação original, o que altera significativamente o conteúdo jurídico a ser impugnado, deixando de ser um "mero despacho", e passando a integrar a decisão anterior.

3. A decisão sobre o pedido de reconsideração como ato com nova fundamentação

Como visto, teremos hipóteses em que o juiz, ao decidir o pedido de reconsideração, não apenas reitera o dispositivo anterior, mas amplia os fundamentos, ou acrescenta nova motivação.

Essa nova manifestação possui os mesmos efeitos práticos dos embargos de declaração parcialmente acolhidos - os quais, segundo o art. 1.026 do CPC, interrompem o prazo para interposição de recurso.

Logo, quando o magistrado decide o pedido de reconsideração com nova (ou, ampliada) fundamentação, esse ato deve ser reconhecido como apto a iniciar o prazo recursal.

3-A. Limites objetivos: O pedido de reconsideração não se aplica a decisões colegiadas

A proposta aqui defendida, porém, não se aplica a acórdãos colegiados, cujos recursos estão previstos na lei, e não dependem de uma decisão monocrática (pessoal).

O STJ tem jurisprudência firme no sentido de que pedido de reconsideração contra decisão colegiada é manifestamente incabível (RCD no AgRg no AREsp 2.321.439/SP), considerando, inclusive, como um erro grosseiro a sua apresentação.

A tese limita-se às decisões monocráticas, nas quais há margem legítima para nova manifestação judicial, e portanto, essencial para sua segurança e viabilidade prática.

4. Cooperação, contraditório, não surpresa e dialeticidade

O art. 6º do CPC estabelece o dever de cooperação entre os personagens envolvidos em um processo. O art. 10 consagra o princípio da não surpresa.

O art. 932, III, parte final, do CPC, trata da dialeticidade, exigindo que o recorrente impugne especificamente os fundamentos da decisão. Se a decisão é complementada após o pedido de reconsideração, não é possível exigir que o recurso tenha sido completo antes da nova fundamentação.

Tratar-se-ia, portanto, de uma violação ao direito de defesa recorrer de decisão que ainda está em formação argumentativa.

Assim, o prazo recursal deve ser interrompido, nos moldes dos embargos de declaração.

5. Critérios objetivos para a flexibilização

A flexibilização aqui proposta não é ampla ou subjetiva, devendo observar critérios claros:

  • A decisão sobre o pedido de reconsideração apresenta nova fundamentação;
  • O pedido é apresentado dentro do prazo legal dos embargos de declaração (5 dias);
  • A decisão original é mantida quanto ao dispositivo, mas ampliada nos fundamentos;
  • A nova manifestação judicial gera os efeitos práticos de embargos de declaração parcialmente acolhidos;
  • A hipótese envolve decisão monocrática de juiz ou relator, e não acórdão colegiado;
  • Se o magistrado não se manifestar diante de um pedido de reconsideração apresentado no prazo dos embargos de declaração, ou apenas o rejeita sem maiores esclarecimentos, recomenda-se a interposição do recurso cabível, dentro do prazo, contado da intimação da primeira decisão.

Esses critérios garantem segurança jurídica e evitam o uso indiscriminado da tese.

6. Conclusão

A tese de que o pedido de reconsideração não interfere no curso dos prazos recursais não pode ser aplicada de forma absoluta e acrítica.

Quando a decisão proferida após o pedido de reconsideração apresenta nova fundamentação - ainda que mantenha o resultado -, deve-se reconhecer que o prazo recursal se inicia após essa nova decisão, por analogia aos embargos de declaração.

Essa solução está em sintonia com os princípios da cooperação, boa-fé, contraditório substancial, dialeticidade e não surpresa, e encontra respaldo em decisões do próprio STJ, como o RCD no HC 989.790/SP.

"Diante da ausência de previsão legal de pedido de reconsideração e verificada a observância do prazo para interposição do recurso cabível contra decisão monocrática terminativa, em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas, conheço do presente pedido como agravo regimental."

Embora não previsto no ordenamento jurídico brasileiro, o pedido de reconsideração é bastante utilizado pelas partes, o que não pode negar seus efeitos.

Por vezes, o pedido de reconsideração serve para aprimorar a decisão judicial e torná-la mais evidente à parte, sem a necessidade de interposição de recurso imediato.

Trata-se de uma interpretação sistemática e coerente com os fundamentos do CPC/15 e com a lógica constitucional do devido processo legal.

Sergio Antunes Lima Junior

VIP Sergio Antunes Lima Junior

Sérgio Antunes Lima Junior é advogado, Doutorando e Mestre em Direito (Portugal, Brasil e França). Secretário adjunto da OAB-RJ.

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