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Transferência de imóvel para filha é fraude à execução, decide TST

Mesmo com escritura e alegação de boa-fé, Justiça entendeu que o objetivo da operação foi frustrar a cobrança de dívida trabalhista.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Atualizado às 13:25

Introdução

É comum - e até compreensível - que, diante de uma situação de risco jurídico, alguém pense em reorganizar seu patrimônio. Afinal, ninguém quer perder um bem que construiu ao longo de anos. Mas é aí que muita gente comete um erro que pode sair caro: transferir bens para familiares acreditando que, com isso, estarão protegidos de eventuais penhoras.

Um caso recente, analisado pela 1ª turma do TST, deixou isso ainda mais evidente. Mesmo com escritura pública e alegação de boa-fé, a Justiça entendeu que a transferência de um imóvel do pai para a filha foi feita para esconder patrimônio - e manteve a penhora do bem. Vamos entender o que aconteceu, por que o Judiciário considerou fraude à execução e o que esse caso nos ensina sobre segurança jurídica.

O caso concreto: Quando o Judiciário vê além da escritura

Tudo começou em 2003, quando um empresário foi incluído como devedor em uma ação trabalhista contra a empresa da qual era sócio. Alguns anos depois, ele comprou um imóvel por escritura pública - mas não registrou o bem em seu nome. Em 2010, resolveu "desfazer" a compra e, no mesmo dia, transferiu o imóvel para sua filha.

Anos depois, já no curso da execução trabalhista, o bem foi penhorado. A filha, então, acionou a Justiça para tentar reverter a penhora, afirmando que não era parte no processo, que comprou o imóvel de boa-fé e que estava tendo seu direito constitucional à propriedade violado.

O caso subiu ao TST. E a decisão foi unânime: houve fraude à execução. Mesmo com a escritura e com o contrato, o Tribunal entendeu que a operação teve o claro objetivo de frustrar o pagamento da dívida trabalhista e proteger o patrimônio da família. A penhora foi mantida.

O que é fraude à execução?

Aqui vale um ponto técnico - mas essencial. A chamada fraude à execução está prevista no art. 792 do CPC. Ela ocorre quando o devedor, já envolvido em processo judicial capaz de levá-lo à insolvência, transfere bens a terceiros para que esses não sejam alcançados por uma futura penhora.

Na prática, é como se o Judiciário dissesse: "Você até passou o bem adiante, mas isso não impede que ele seja usado para pagar a dívida." E o bem volta a fazer parte do patrimônio do devedor para fins de execução.

O detalhe mais importante? A transferência pode ser considerada fraudulenta mesmo que tenha sido feita por escritura pública, com valor declarado, e mesmo que o terceiro (no caso, a filha) alegue que não sabia de nada.

A boa-fé precisa ser provada - e não apenas alegada

É aqui que muita gente se engana. A boa-fé, nesses casos, não se presume. Ela precisa ser comprovada. O simples fato de a compradora ser filha do executado, somado à coincidência das datas da revenda e da transferência, levou o Tribunal a entender que houve uma tentativa clara de ocultação de bens.

O Judiciário olha para o conjunto: o histórico do processo, o momento da alienação, o grau de parentesco, a ausência de registro da primeira compra e a urgência em transferir o imóvel. Tudo isso pesa. E, quando os indícios apontam para a intenção de fraudar o credor, não há escritura que resista.

O que podemos aprender com esse caso?

Esse julgamento reforça um ponto fundamental para quem lida com planejamento patrimonial, especialmente empresários e investidores: não existe blindagem patrimonial válida quando feita com a intenção de fraudar credores.

Reorganizar o patrimônio é legítimo. Mas isso deve ser feito com orientação jurídica, respeitando o princípio da boa-fé e sem prejudicar terceiros. Transferências feitas após o início de ações judiciais, especialmente para familiares, são naturalmente vistas com desconfiança - e podem ser anuladas.

Além disso, o caso mostra que os Tribunais têm sido cada vez mais rigorosos ao identificar operações feitas com aparência de legalidade, mas com finalidade claramente protelatória.

Conclusão

A transferência de bens, especialmente em contextos de litígios ou execuções em curso, deve ser feita com extrema cautela. O caso julgado pelo TST mostra que não basta ter uma escritura, um contrato, ou mesmo alegar desconhecimento: se a operação tiver como objetivo frustrar a execução, ela pode ser considerada nula e o bem, penhorado.

Se você está passando por uma situação parecida ou deseja fazer um planejamento patrimonial sólido e juridicamente seguro, não tome decisões precipitadas. Consulte um advogado de confiança, avalie riscos e alternativas, e proteja seu patrimônio de forma transparente e legal.

Compartilhe este artigo com quem está reestruturando bens ou enfrenta execuções judiciais. Informação bem aplicada pode evitar grandes prejuízos.

Werner Damásio

VIP Werner Damásio

Advogado pós-graduado em Direito Privado, especialista em Direito Civil, Empresarial e Imobiliário. Sócio do Lettieri Damásio Advogados, com 17 anos de atuação nacional.

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