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Lista exclusiva de pessoas negras as vagas do TJ/SP - ANAN aguarda resposta da OAB

ANAN reafirma pedido por lista exclusiva de pessoas negras no Quinto Constitucional e cobra da OAB/SP compromisso com a equidade racial.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Atualizado às 14:08

No mês de abril deste ano, mais precisamente no dia 15, propusemos a construção de três listas para o preenchimento das vagas do Quinto Constitucional, cuja formação está prevista ainda para este ano. A proposta contemplava: uma lista composta por mulheres não negras, outra por homens não negros, e uma terceira formada exclusivamente por mulheres e homens negros. Embora a advocacia negra estivesse, numericamente, em desvantagem, entendíamos que, após mais de cinco séculos de exclusão e marginalização, esse leve desequilíbrio seria uma concessão justa em direção à promoção da justiça racial.

Contudo, a proposta encontrou obstáculos. O presidente da OAB/SP, dr. Leonardo Sica, apontou diversos entraves de natureza legal e institucional, como dificuldades junto ao Conselho da OAB, resistência por parte do Tribunal e eventual recusa do Poder Executivo estadual. Ainda que compreensíveis do ponto de vista técnico, tais objeções expõem, de forma contundente, a fragilidade dos compromissos institucionais com a equidade racial.

Ao lermos a matéria publicada no jornal O Globo, em 29 de maio de 2025, recordamos a importante reunião da diretoria da ANAN com o presidente da OAB/SP, realizada no dia 15 de abril. A recente aprovação, pelo Supremo Tribunal Federal, do requerimento da Ministra Cármen Lúcia - que, como de costume, agiu com lucidez e firmeza - para a formação de uma lista exclusivamente composta por mulheres ao Tribunal Superior Eleitoral, confirma que a proposta apresentada pela ANAN estava em consonância com os princípios constitucionais. Se não há impedimento legal ou constitucional para a formação de uma lista composta apenas por mulheres, por que haveria de haver para uma lista composta exclusivamente por pessoas negras? Estaríamos, acaso, diante da necessidade de revisar os próprios fundamentos da noção de igualdade?

A justificativa apresentada pela Ministra Cármen Lúcia é clara e incontestável: "Se não tivéssemos a oportunidade de termos uma lista de homens e uma de mulheres, em 2026 teríamos, no TSE, os sete cargos providos por homens." Essa lógica aplica-se, integralmente, ao pleito da ANAN. Se não assegurarmos, desde já, a participação de pessoas negras em listas próprias, corremos o risco de seguir por mais trezentos anos sem que um único advogado ou advogada negra alcance o cargo de desembargador pelo Quinto Constitucional - perpetuando, assim, a composição majoritariamente branca e elitista dos tribunais.

A proposta da ANAN, portanto, mostra-se hoje plenamente viável, pois o Supremo Tribunal Federal já se manifestou favoravelmente à adoção de critérios de gênero e raça na composição de listas. As dificuldades que enfrentamos à época já não se sustentam. O que reivindicamos, com firmeza, é que o Brasil caminhe - ao menos - para ser apenas desigual, o que, paradoxalmente, já representaria um avanço diante das desigualdades estruturais que nos atravessam.

Dessa forma, a ANAN reafirma seu requerimento e convoca todas as instituições e cidadãos comprometidos com a democracia a se unirem nesta luta por igualdade e equidade. A advocacia negra é composta por dezenas de profissionais com elevado conhecimento técnico-jurídico, idoneidade moral incontestável e, acima de tudo, profundo compromisso com o Estado Democrático de Direito.

Enquanto entidade nacional que congrega advogados e advogadas negras, a ANAN jamais se furtará ao dever de denunciar injustiças, apontar falhas institucionais e lutar por uma reparação histórica. Não somos apenas um coletivo jurídico - somos a última trincheira entre a barbárie e a justiça. E não descansaremos até que o sistema jurídico reflita, em sua composição, o povo que deveria representar.

É tempo de mudança. Tempo de evolução. Tempo de construirmos o país que desejamos para o futuro. E isso exigirá de todos nós coragem.

Parafraseando o mestre Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas: "O que a vida quer da gente é coragem."

Estevão Silva

Estevão Silva

Presidente da Associação Nacional da Advocacia Negra.

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