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Mediação como caminho de proteção à pessoa idosa

O artigo propõe o diálogo entre Direito e Gerontologia, a importância de profissionais especializados e propõe a mediação como caminho ético e humanizado na garantia de autonomia da pessoa idosa.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Atualizado às 15:06

O percentual de pessoas idosas no conjunto da população brasileira é cada vez maior. Esse cenário de acelerada transição demográfica impõe desafios que transcendem os limites da saúde, pública e privada, e das pressões econômicas de cunho previdenciário, alcançando o campo do direito, em âmbitos tais como questões patrimoniais, conflitos familiares e direitos humanos.

Apesar da realidade dessa demografia e de seus nexos evidentes com o direito, ainda são poucos os advogados familiarizados com a gerontologia, ciência que estuda o processo de envelhecimento de maneira abrangente, considerando suas dimensões biológica, psicológica e social. 

As perdas relativas a essa falta de conhecimento são consideráveis. A ciência da gerontologia contribui para uma visão mais acurada e matizada de uma etapa da vida humana objeto de estigmas e de preconceitos. Potencialmente fragilizada do ponto de vista físico e psicológico, mas ainda apta a projetar protagonismo e exercer arbítrio, a pessoa idosa beneficiar-se-ia de uma prestação de serviço de melhor qualidade e maior humanização se os advogados recebessem formação interdisciplinar que abarcasse postulados da referida gerontologia, para além da tecnicidade normativa inerente à sua condição de operadores do direito.

Mais sensível aos impactos do processo de envelhecimento e atento a abordagens que enfatizam a necessidade de respeito à dignidade, à independência e à autonomia das pessoas idosas, o advogado sabedor, ainda que de maneira introdutória, do arcabouço da gerontologia potencialmente colabora para a realização de direitos e para a melhor qualidade de vida de tal grupo etário.

O desconhecimento de que se vem tratando muitas vezes não é tão-somente conceitual, mas também se traduz na falta de intimidade com diplomas legais existentes, os quais, em sua elaboração, acolheram contribuições teóricas da gerontologia.

A Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas, por exemplo, determina a preservação da autonomia da pessoa idosa para que seja sujeito de direitos e não mero objeto de tutela indiscriminada, competindo a Estados signatários como o Brasil adotar medidas para assegurar que referida pessoa decida livremente sobre onde e como deseja viver (OEA, 2015). O Estatuto da Pessoa Idosa (lei 10.741/03), por seu turno, assegura o direito ao envelhecimento digno e à participação na vida comunitária, orientando o trabalho de juristas e defensores públicos no sentido de assegurar ações de tutela de direitos, inclusive no combate à violência patrimonial, ao abandono e à negligência, formas de violação ainda invisibilizadas. Já o manual do Ministério Público do Rio de Janeiro intitulado "A Efetividade do Direito à Autonomia da Pessoa Idosa Acolhida em ILPI" (2022) apresenta diretrizes para que promotores e advogados atuem em prol do direito à autodeterminação das pessoas idosas que habitam instituições de longa permanência (ILPIs). O documento enfatiza, como determina a Convenção Interamericana, que a vontade da pessoa idosa não tem substituto e que referida pessoa não é objeto de direitos, mas sujeito. O manual também denuncia a prática sistemática de judicialização excessiva da velhice, sem escuta adequada da pessoa idosa.

Um advogado exposto ao arsenal da gerontologia e conhecedor da normativa dirigida às pessoas idosas estará mais bem aparelhado para trabalhar pela efetivação dos direitos de referidas pessoas, especialmente em contextos de institucionalização, curatela e conflitos familiares (e também, evidentemente, os outros atores do sistema jurídico, como magistrados e promotores, oferecerão melhor prestação jurisdicional se bem capacitados desde um ponto de vista interdisciplinar). 

No que respeita à citada judicialização excessiva, o advogado poderá ser ainda mais eficiente na prestação de serviço às pessoas idosas se estiver familiarizado, em sua formação, com o instituto da mediação, estratégia alternativa à decisão judicial - qual seja, aquela que envolve o acionamento das instâncias do Poder Judiciário - para a resolução de conflitos.

O desenvolvimento de práticas como a mediação de conflitos pode ser uma via para a garantia dos direitos da pessoa idosa. Plástico, beneficiado de técnicas de negociação e escuta, tal instituto é menos enrijecido e ritual do que o acionamento das cortes de justiça. É, portanto, mais aberto a uma visão biopsicossocial do envelhecimento e à participação da pessoa idosa em assuntos de interesse e manutenção de sua autonomia, por meio de alternativas restaurativas e humanizadas, que envolvem diálogo e valorização como forma de lidar com disputas que podem envolver delicadas questões atravessadas pela intergeracionalidade, como os conflitos familiares.

Ao aproximar-se dos postulados da gerontologia e estar atento ao instituto da mediação, potencialmente mais produtivo e menos estressante para a pessoa idosa do que o recurso a tribunais, o advogado expande sua atuação para além da defesa jurídica tradicional. Ele passa a ser um garante da cidadania da pessoa idosa, promovendo sua escuta ativa, protegendo sua autonomia e contribuindo para a construção de uma sociedade mais inclusiva e preparada para a longevidade. Esse diálogo interdisciplinar é urgente e necessário - não apenas como resposta à transição demográfica, mas como compromisso ético com o envelhecimento digno.

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BRASIL. Estatuto da Pessoa Idosa. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Disponível em: www.planalto.gov.br

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas. 2015. Disponível em: www.planalto.gov.br

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Manual: A efetividade do direito à autonomia da pessoa idosa acolhida em ILPI. 2022. Disponível em: mprj.mp.br

Barbara Serpa Pinto

Barbara Serpa Pinto

Advogada e pesquisadora, esp. em gerontologia pelas Faculdades do Hospital Israelita Albert Einstein, mestranda em gerontologia na EACH/USP, membro da Com. Permanente dos D. da Pessoa Idosa da OAB/SP.

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