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Mercado de crédito, dívidas prescritas, plataformas de negociação e IRDR 2.092.190/SP

Debate sobre dívidas prescritas opõe proteção ao consumidor e estabilidade do crédito; decisão do STJ será crucial para o mercado e o acesso ao crédito.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Atualizado às 10:50

A expansão e sofisticação do mercado de crédito no Brasil têm gerado debates relevantes sobre os limites entre a proteção da dignidade do consumidor e a legítima preservação da segurança das relações negociais. Em um cenário de crise econômica persistente, crescente inadimplemento e renegociação de obrigações, torna-se fundamental examinar os instrumentos por meio dos quais se busca mitigar os efeitos da quebra contratual e preservar a higidez sistêmica do setor financeiro.

O mercado de crédito, assim, precisa encontrar meios - e já os estabeleceu -, de se manter resiliente às quebras contratuais, aos inadimplementos, e essa é uma das razões de existência do mercado secundário de crédito, no qual se situam dois tipos de dívidas, basicamente: dívidas prescritas e dívidas não prescritas.

Assim, ao se tratar de dívidas prescritas, nos deparamos com um volume expressivo de processos judiciais relacionados às plataformas de negociação, especialmente devido a controvérsias sobre a legalidade da inclusão de dívidas prescritas nessas plataformas.

Muitos consumidores têm ajuizado ações alegando que a inclusão dessas dívidas, mesmo que prescritas, prejudica sua reputação e pontuação de crédito (score), afetando seu acesso ao mercado de crédito.

O debate jurídico assume maior complexidade diante da notória assimetria de entendimentos contidos em decisões judiciais divergentes sobre o tema, haja vista inúmeras interpretações variadas, afetando a previsibilidade dos direitos e obrigações das partes envolvidas, bem como a segurança jurídica.

Neste contexto, o tema foi afetado pela 2ª seção do STJ e ainda está aguardando julgamento, com o objetivo de pacificar a controvérsia judicial existente sobre a legalidade dessas práticas.

Tema repetitivo 1.264 do STJ

A afetação do Tema 1.264 pela 2ª seção do STJ, em 11/6/24 - incidente de resolução de demandas repetitivas 2.092.190/SP -, denota a urgência de se pacificar o tratamento jurídico das dívidas prescritas no Brasil.

Sob análise estão os REsp 2.092.190/SP, 2.121.593/SP e 2.122.017/SP, todos oriundos do TJ/SP, cujo julgamento definirá, com eficácia vinculante erga omnes (art. 927, III, CPC), se: (i) o credor pode, após consumada a prescrição, veicular propostas de pagamento ao devedor; e se (ii) é legítima a manutenção do débito em plataformas eletrônicas de renegociação - a exemplo do Serasa Limpa Nome - como forma de incentivo à quitação voluntária.

Não é papel desse artigo tentar antecipar o que virá em termos de julgamento de mérito do referido IRDR - e dos embargos de declaração que sobrevirão a ele -, mas sim de invocar as principais áreas que serão impactadas pelo teor da decisão a ser proferida. São elas:

  • Mercado secundário de crédito e securitização, que depende da possibilidade de recuperação amigável de créditos envelhecidos.

Como introduzido no começo deste artigo, a crise contratual que gera o inadimplemento tem que ser resolvida pelo mercado e o meio de solução é justamente o mercado secundário de crédito e suas vantagens financeiras diante do alto risco envolvido.

A decisão do STJ pode tornar mais robusto, enfraquecer, ou não modificar de forma substancial o transbordo dos créditos inadimplidos do mercado primário para o mercado secundário de crédito, sendo claro que modificações na robustez desse mercado afetam diretamente o primeiro mercado de crédito, que precisa desse escoamento eficaz para manter as práticas atuais, inclusive de taxas de juro.

  • Modelagem de negócios de recuperação de crédito, que atuam como e com hubs de renegociação.

Seja lá como a Corte Superior decidir, o modus operandi de toda a cadeia de recuperação de crédito prescrito será impactada. Muito já se antecipa nas práticas atuais, visto que não é dado à iniciativa privada demorar para se adequar a novas práticas, sob pena de ser penalizada financeiramente dia após dia. De todo modo, certamente a forma de recuperar créditos será modificada.

  • Política pública e privada de acesso ao crédito, pois a inexistência de mecanismos legítimos de reaproximação entre credor e devedor pode elevar spread e restringir concessões.

Esse aspecto é uma reverberação do primeiro: quanto mais difícil, restritivo, arriscado e cheio de contingências for tentar recuperar um crédito prescrito, mais o mercado primário - quem dá o crédito ao tomador -, precisará se precaver e antecipar menor liquidez de seus créditos prescritos no mercado secundário, do que depende para manter seu balanço contábil regular.

Em uma retração do segundo mercado de crédito, o primeiro mercado vai responder com taxas (aumento de spread), afinal, será preciso maior margem financeira para lidar com as restrições de mercado que virão artificialmente a partir do Judiciário - se vierem.

Possibilidade de negociação de dívida prescrita

A prescrição é a perda do direito de ação, que somente se desenvolve e possui reflexos em juízo e não equivale à perda de um direito natural a uma obrigação não cumprida, mas sim à vedação de desenvolvimento judicial da pretensão.

A prescrição, portanto, extingue a possibilidade de ação judicial, mas não anula a existência da dívida e todas as prerrogativas extrajudiciais do credor.

Em recentes decisões, A 3ª turma do STJ decidiu que a prescrição impede tanto a cobrança judicial quanto a extrajudicial de uma dívida.

Nesse sentido foram redigidos os acórdãos mais recentes da Corte, mas não a maioria deles o que mostra uma mudança de posicionamento que altera a interpretação mais difundida do instituto da prescrição quando avaliado sob a ótica das dívidas prescritas.

De acordo com o entendimento, após a ocorrência da prescrição, o credor perde o direito de exigir o pagamento, independentemente do meio utilizado. Isso significa que até as cobranças extrajudiciais estão proibidas e podem ser consideradas ilegais.

De outro lado, não podendo ser acionado judicialmente após a prescrição do crédito e agora, de acordo com a jurisprudência que vem se formando no STJ, não poder sequer ser cobrado, ele persiste podendo ser chamado a negociar, desde que seguidas formas e premissas adequadas e que são aceitas como legais pela jurisprudência da Corte Superior.

Assim, vige hoje o entendimento de ser comportamento com guarida jurídica o "convite negocial desprovido de constrangimento" para a negociação de uma dívida prescrita.

Possibilidade de inserção de dívida prescrita em plataformas de negociação

As plataformas de negociação - dentre elas o "Serasa Limpa Nome", a mais famosa entre outras do gênero - são ferramentas online de aproximação entre credores e devedores, criadas para facilitar a negociação de dívidas prescritas e não prescritas e elas não são cadastros de inadimplentes.

A plataforma permite que pessoas em situação de inadimplência negociem suas pendências diretamente com os credores de forma simplificada e, muitas vezes, com condições mais favoráveis, como descontos ou parcelamentos.

Em relação à negociação de dívidas prescritas, os devedores são simplesmente convidados a acessar a plataforma, onde podem visualizar propostas para quitar débitos válidos e ainda pendentes, de forma confidencial e extrajudicial. A decisão de pagá-los é inteiramente voluntária.

Dessa forma, não há cobrança judicial ou qualquer exercício de direito de ação por parte do credor, que já perdeu essa possibilidade com a prescrição da dívida. Não se configura, também, uma cobrança, eis que de fato não é o caso.

No agravo em REsp 1.587.949/SP e em outras decisões, o STJ reafirmou a legalidade de atos extrajudiciais realizados pelos credores com intuito propositivo e negocial, mas não coercitivo e impositivo, mesmo quando os créditos estavam prescritos.

Dessa forma, o uso dessas plataformas, conforme jurisprudência atual do STJ, não há caracterização de cobrança formal ou judicial, mas sim uma possibilidade de regularização financeira espontânea.

Aqui deixamos nossa opinião pessoal: se a prescrição é conceituada há muitíssimo tempo, de forma sólida, e não apenas no Direito brasileiro, com a "perda do direito de ação", é essa característica que deveria ser removida do crédito quando ele estiver prescrito, e essa prerrogativa - de ajuizar ação - de que deveria ser despojado o credor como consequência da prescrição.

Conclusão

Evidenciou-se que a discussão sobre a forma de abordagem de devedores de dívidas prescritas reflete o ponto de fricção entre, de um lado, a salvaguarda da dignidade do consumidor e, de outro, a indispensável preservação da segurança das relações de crédito. 

A própria lógica do mercado secundário - criado para absorver perdas decorrentes de inadimplemento e manter a liquidez do sistema - confirma a relevância de mecanismos que permitam lidar, ainda que extrajudicialmente, com obrigações vencidas e prescritas.

Nesse cenário, o Tema repetitivo 1.264 do STJ torna-se peça-chave: ao julgar os REsp 2.092.190/SP, 2.121.593/SP e 2.122.017/SP, a 2ª seção fixará, com efeito vinculante erga omnes as teses já indicadas.

A pacificação desse entendimento promete reduzir a multiplicidade de decisões conflitantes, coibir litigância predatória e restabelecer previsibilidade regulatória.

Os impactos econômicos potenciais não são triviais. A decisão do STJ poderá reforçar, enfraquecer ou manter intacto o escoamento de créditos inadimplidos do mercado primário para o secundário; qualquer restrição adicional tende a pressionar spreads, encarecendo o crédito para o consumidor final, existindo uma certeza: a conta sempre vai ser paga por alguém. 

Igor Guilhen Cardoso

Igor Guilhen Cardoso

Sócio responsável pela área empresarial do escritório AGM - Almendro, Guilhen e Madrigano - Advogados; advogado graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD); pós-graduando em Direito Empresarial e Societário pela Escola Paulista de Direito (EPD); com curso de extensão em Finanças pela University of Michigan (Ross School) EUA; membro colaborador do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados em Processo); coautor de obras e artigos em Direito. Curso de extensão em Negociação pela University of Michigan (Ross School) e Membro Permanente da Comissão Especial de Direito Bancário da OAB/SP.

Giovanna Trotta Lucieto

Giovanna Trotta Lucieto

Advogada e coordenadora da equipe de Direito do Consumidor - Contencioso Massificado no escritório AGM - Almendro, Guilhen e Madrigano - Advogados. Graduada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu, com pós-graduação em Direito Civil pela mesma instituição. Atualmente é pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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