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Prevenção à lavagem de dinheiro nas apostas de quota fixa

A nova legislação das apostas esportivas impõe exigências de compliance e atuação ativa dos agentes operadores, para a integração com padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Atualizado às 10:21

Desde a entrada em vigor da lei 14.790/23, o setor de apostas de quota fixa, também conhecidas como bets, no Brasil passou a operar sob um novo marco regulatório. Essa modalidade, impulsionada pelo crescimento das plataformas digitais, não apenas teve um aumento na movimentação financeira, mas também se tornou um campo fértil para riscos relacionados à lavagem de dinheiro.

A natureza digital e descentralizada dessas plataformas propicia práticas como apostas cruzadas, uso de laranjas e fracionamento de valores, métodos que tornam difícil a detecção de operações ilícitas. A ausência de fronteiras e o anonimato parcial favorecem esquemas de ocultação, conforme ressaltado por autoridades do setor. Assim, a atividade de apostas foi incorporada às preocupações dos órgãos reguladores e de inteligência financeira, como o Coaf, diante das vulnerabilidades estruturais.

Os operadores agora têm a obrigação de implementar mecanismos de compliance robustos, como políticas de integridade, procedimentos de "conheça seu cliente" (KYC), separação de fundos e comunicação de operações suspeitas. O art. 8º, inciso II, da lei 14.790/23, destaca que a expedição e manutenção da autorização dos agentes operadores de apostas está atrelada à adoção de políticas e controles internos que promovam a "prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa". Isso está em linha com os deveres previstos nas leis 9.613/1998 e 13.260/16.

Além disso, o art. 24 da mesma lei estabelece que os agentes operadores de apostas, juntamente com instituições financeiras e de pagamento contratadas, devem manter registros detalhados de todas as operações, abrangendo apostas, prêmios e movimentações nas contas transacionais. O art. 25 exige a implementação de procedimentos, como mecanismos de monitoramento e comunicação ao Coaf de qualquer operação que desperte suspeitas.

A portaria SPA/MF 1.143/24 detalha essas exigências, introduzindo regras como o monitoramento transacional e a verificação de identidade. O objetivo é alinhar o Brasil às diretrizes internacionais estabelecidas pelo GAFI/FATF em relação à prevenção do financiamento ao terrorismo e lavagem de capitais. Há também uma preocupação específica com apostas realizadas por pessoas domiciliadas em jurisdições reconhecidas como de alto risco pelo GAFI.

Vale destacar que as apostas de quota fixa foram excluídas do art. 9º da lei 9.613/1998, o que pode enfraquecer a responsabilização em casos de descumprimento e dificultar a aplicação de sanções. Embora a estrutura de controle estatal esteja prevista, ainda carece de efetividade prática. A Secretaria de Prêmios e Apostas, criada para fiscalizar o setor, enfrenta desafios técnicos e operacionais em assegurar que os operadores cumpram as obrigações da nova legislação.

Outro aspecto crítico refere-se à articulação entre diferentes órgãos de fiscalização e persecução penal. Sem uma atuação coordenada entre a Receita Federal, o Coaf, o Ministério Público e a Polícia Federal, as brechas regulatórias podem ser exploradas por agentes mal-intencionados. A simples criação de normas não é suficiente; é imperativo que essas normas sejam aplicáveis e auditáveis. Isso envolve capacitação de equipes, coordenação com o sistema financeiro e o aprimoramento dos mecanismos de rastreamento.

As recomendações do GAFI/FATF, que consideram as apostas como atividades de risco, precisam ser incorporadas adequadamente. Devem ser desenvolvidos mecanismos tecnológicos que ajudem a identificar operações fracionadas, que sejam incompatíveis com o perfil do apostador ou vinculadas a contas de terceiros, além de assegurar que haja a devida notificação ao Coaf e à SPA quando houver suspeita de lavagem de dinheiro através das análises e seleções realizadas pelos agentes operadores.

A experiência internacional indica que exigir programas de integridade por si só não é suficiente; é necessário que a verificação dos dados dos apostadores seja um processo contínuo, que se promova a interoperabilidade entre plataformas e que sanções eficazes sejam aplicadas em contrário ao desrespeito das obrigações.

Diante da regulamentação recente e da colaboração do Ministério do Esporte, do Ministério da Fazenda, da SPA e do Coaf, há uma oportunidade de efetivar o combate à lavagem de dinheiro, potencialmente tornando o Brasil uma referência em boas práticas nesta área. Para tanto, é essencial o fortalecimento da regulação, o acompanhamento das tendências internacionais e a disposição para ajustes normativos contínuos.

Matheus Cordeiro Distler

Matheus Cordeiro Distler

Advogado criminalista, especialista em Direito Penal e Processual Penal, graduado em Direito pela UNICURITBA - Universidade Curitiba. E pesquisa na área de Direito Penal Econômico.

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