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A intervenção judicial na administração societária

O artigo analisa a intervenção judicial na administração de sociedades empresárias sob a perspectiva do princípio da mínima intervenção, investigando sua compatibilidade com a autonomia privada.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Atualizado às 14:09

1. Introdução

A intervenção judicial na administração das sociedades empresárias é tema que desperta relevantes debates no Direito Empresarial moderno. O aumento dos litígios societários, combinado à ausência de regulamentação específica sobre o assunto, gera tensões entre a necessidade de preservar a empresa e o respeito à autonomia privada. O princípio da intervenção mínima emerge, nesse contexto, como parâmetro fundamental para limitar a atuação judicial e proteger a liberdade de gestão das sociedades.

Nesse cenário, questionamos: a intervenção judicial na administração das sociedades empresárias é compatível com o princípio da intervenção mínima, ou representa afronta à autonomia societária?

A hipótese defendida é a de que a intervenção, embora excepcional, pode coexistir com o princípio da intervenção mínima, desde que observados requisitos de necessidade, proporcionalidade e temporariedade.

Este estudo analisa doutrina especializada, para delimitar critérios que assegurem a compatibilidade entre a atuação judicial e a preservação da autonomia societária.

2. A intervenção judicial na administração das sociedades empresárias

2.1 Conceito de intervenção judicial

A intervenção judicial na administração societária é a medida excepcional mediante a qual o Poder Judiciário atua diretamente na gestão de uma sociedade empresária, visando proteger o interesse social e a continuidade da atividade empresarial, sem substituir, de forma absoluta, a vontade dos sócios. A medida exige a demonstração de justa causa1.

De acordo com Spinelli, Scalzilli e Tellechea, a intervenção judicial não comporta enumeração exaustiva de suas hipóteses de cabimento:

Não há, todavia, como enumerar, de forma exaustiva, as hipóteses de cabimento da intervenção judicial na administração de sociedade. Isso porque o instituto deve ser utilizado sempre que se demonstrar essencial para a salvaguarda dos interesses dos sócios, da sociedade ou de credores que com ela contratam, assim como é admissível para a tutela de outras classes que gravitam em torno da atividade explorada.2

Essa atuação não se confunde com a dissolução da sociedade nem com medidas punitivas aos administradores. Ela se caracteriza como medida de natureza cautelar, fundada na urgência e no risco de dano irreparável à sociedade, preservando a empresa enquanto perdurar o conflito.

Conforme Pantano, ao tratar da intervenção judicial nas sociedades por ações:

A interferência judicial é válida e saudável para corrigir os desvios e a má utilização do instrumento em que se constituem as pessoas jurídicas, quando utilizadas para atingir interesses pessoais contrários aos da sociedade, para fraudar terceiros estranhos a ela ou ainda para oprimir os minoritários. Ao contrário, a segurança dos sócios de que os objetivos da sociedade não serão desviados para atender interesses pessoais e a existência de mecanismos eficazes que impeçam a ocorrência desses desvios, com a punição efetiva daqueles que se utilizam da sociedade para atingir objetivos pessoais, contrários aos da sociedade, oferece garantia àqueles que pretendem investir no mercado acionário ou iniciar um novo empreendimento, fortalecendo a confiança nas instituições e revigorando a economia e o mercado de capitais.3

Conforme defende Mirelle Bittencourt Lotufo, a atuação do Poder Judiciário na gestão societária não se justifica senão em situações em que se revele indispensável à proteção da atividade empresarial.

  • Assim, quem defenda que a intervenção, quando necessária, deveria não apenas ser utilizada de forma comedida, considerando os perigos à atividade empresarial que uma gestão judicial invariavelmente poderia acarretar, como também ser realizada por meio de uma cogestão, sem afastar completamente os administradores, a não ser nos casos em que esta forma mais branda fosse de todo inconveniente. Contudo, o perfil de litígio em que os pedidos de intervenção na administração são formulados pode tornar inviável a cogestão, dada a quebra de confiança existente entre o sócio e administrador, a justificar o pedido de intermediação do poder judiciário no seio social. De todo modo, entendemos ser preferencial a cogestão devendo ser adotada sempre que possível.
  • Que o Poder Judiciário intervenha de forma meramente deliberada sem limites e balizamentos expressos, é impor um risco social que desestimula os investimentos, pois, nos custos do cálculo para empresariar, o empresário contabiliza o risco de o Poder Judiciário intervir em sua administração, ainda que não haja uma legislação regulamentando de forma específica a intervenção.4

A intervenção judicial na administração societária, embora necessária em situações de grave desvio dos interesses sociais, deve ser tratada com extrema cautela, diante dos riscos que pode acarretar à segurança jurídica e ao ambiente de negócios. Em outras palavras, trata-se de medida excepcional, justificada apenas diante da demonstração inequívoca de necessidade para salvaguarda dos interesses da sociedade, dos sócios ou de terceiros, sem que haja a substituição total da vontade dos sócios.

Admitir uma intervenção judicial sem critérios claros significaria comprometer a previsibilidade das relações empresariais, desestimulando investimentos e a livre iniciativa. A preferência pela cogestão, sempre que viável, respeita o princípio da menor intervenção e preserva a continuidade da atividade empresarial, evitando que a atuação judicial, ao invés de proteger, acabe por fragilizar ainda mais a sociedade e o próprio mercado.

2.2 Finalidade da intervenção

A intervenção judicial tem como finalidade assegurar o funcionamento regular da sociedade diante de crises internas que comprometam sua administração, reconhecendo sua importância como agente econômico essencial para a geração de empregos, arrecadação de tributos e circulação de riquezas. Esse entendimento se alinha ao princípio da preservação da empresa, que, segundo Souza5, representa a diretriz de manutenção da atividade produtiva, fundamental para evitar consequências prejudiciais à coletividade, como o aumento do desemprego e a retração econômica.

2.3 Base normativa

A intervenção judicial na administração de sociedades empresárias possui fundamento jurídico no art. 49 do CC, que prevê a possibilidade de intervenção na pessoa jurídica para assegurar o cumprimento de seus fins, bem como no art. 1.019 do mesmo diploma, que admite a destituição do administrador por justa causa6. Em complemento, no plano processual, a medida encontra respaldo no poder geral de cautela conferido ao magistrado pelos arts. 297 e 301 do CPC7, os quais autorizam a adoção de providências destinadas à efetivação da tutela jurisdicional, mesmo na ausência de previsão específica. Como bem observa Vidal Neto8, "é a natureza cautelar do decreto de intervenção que [...] autoriza sua concessão em todo e qualquer processo judicial a despeito da inexistência de norma específica, o que se deve ao poder geral de cautela do juiz". Dessa forma, a intervenção se legitima como mecanismo de proteção do interesse social e da continuidade da atividade empresarial.

Conforme destacam Maiara Henriques Pires e Nathalia Pinesso Rigueiro Parron, ao abordarem a prática da intervenção judicial nos litígios societários:

Comumente, a aplicabilidade deste instituto, na prática, se dá pela nomeação de interventor judicial às empresas que são objetos de conflitos societários ­- por exemplo, em ações de dissolução de sociedade ou dissolução parcial de sociedade, ou ações de responsabilidade do administrador - com fulcro nos ditames processuais que versam sobre o poder geral de cautela dos juízes e/ou medidas assecuratórias de obrigações de fazer e não fazer perante a pessoa jurídica, ou seja, pode-se invocar os arts. 297 e/ou 497 do CPC.9

De modo geral, a intervenção judicial na administração de sociedades deve ser compreendida como um remédio extremo, reservado às situações em que a preservação da atividade empresarial e dos interesses coletivos esteja efetivamente ameaçada. Ao proteger a empresa como agente econômico, o Judiciário cumpre papel essencial na manutenção da ordem social. Todavia, sua atuação só se legitima quando respeita a autonomia privada e evita a substituição indevida da vontade dos sócios.

3. O princípio da intervenção mínima nas relações societárias

O princípio da intervenção mínima, no contexto das relações societárias, prioriza a autonomia dos sócios para organizar seus próprios interesses empresariais. Este princípio visa assegurar que as decisões sobre a condução dos negócios sejam tomadas pelos sócios, e não pelo Estado.

Nesse sentido, conforme ensina Lotufo, "por força do princípio da intervenção mínima, a administração cabe, por lei, aos sócios, não possuindo o juiz poderes para alterar os mecanismos de gestão, salvo em hipóteses extremadas e com autorização expressa de lei"10.

A gestão da sociedade deve ser conduzida de acordo com as deliberações dos sócios, respeitando as cláusulas contratuais. A intervenção judicial só deve ocorrer em hipóteses graves, quando os próprios mecanismos internos da sociedade se mostram insuficientes para a solução dos conflitos.

O respeito à autonomia privada, a preservação da liberdade de iniciativa e a proteção do ambiente de negócios são fundamentos que impõem ao Poder Judiciário o dever de máxima contenção ao intervir em sociedades. A intervenção mínima assegura estabilidade, previsibilidade e confiança nas relações empresariais.

No contexto da intervenção judicial em conflitos societários, é essencial delimitar o bem jurídico protegido pela atuação dos interventores. Sobre esse ponto, Marcelo Lauar Leite esclarece:

Cumpre, aqui, delimitar o bem jurídico que se resguarda com a nomeação e atuação de interventores judiciais: o interesse social. Ele é o objeto mediato tutelado - a coisa -, na busca por um objeto imediato - uma gestão juridicamente correta -, cujo conteúdo é exercido, geralmente, por meio de tutelas de urgência conferidas em ações dissolutiva ou de destituição do encargo administrativo.11

A intervenção estatal só se legitima em situações excepcionais, diante da prática de atos lesivos à sociedade ou de ameaça à sua continuidade. Como bem destaca o STJ, "o princípio que deve nortear o julgador em todas as ações que versem sobre administração de sociedades é o da intervenção mínima", pois "quanto à sociedade, decidem seus sócios. O destino do empreendimento a eles pertence".12

Portanto, a intervenção judicial deve ser vista como uma medida de último recurso, apenas para situações em que a própria sociedade não consegue solucionar seus conflitos internos. Respeitar a autonomia dos sócios é essencial para fortalecer a liberdade de iniciativa13 e a estabilidade empresarial. Quando o Judiciário ultrapassa seus limites, corre-se o risco de enfraquecer a confiança nas relações societárias. Por isso, a intervenção mínima não é apenas uma diretriz, mas uma condição para a preservação do ambiente de negócios.

4. Compatibilidade entre intervenção judicial e o princípio da intervenção mínima

De acordo com Spinelli, Scalzilli e Tellechea14, a intervenção judicial na administração societária exige a demonstração de justa causa e se justifica em hipóteses como desentendimentos graves entre sócios, atos de risco à empresa, violação de direitos de sócios, esvaziamento patrimonial, irregularidades contábeis, paralisação dos órgãos sociais ou ausência de administração entre outros.

As hipóteses de intervenção judicial na administração das sociedades, segundo Mirelle Bittencourt Lotufo, devem ser aplicadas com prudência, priorizando-se a preservação da atividade empresarial e evitando a substituição absoluta da gestão privada. A autora reconhece que a intervenção é legítima diante da quebra de confiança entre sócios e administradores, situação que compromete a continuidade da atividade empresarial:

Há, assim, quem defenda que a intervenção, quando necessária, deveria não apenas ser utilizada de forma comedida, considerando os perigos à atividade empresarial que uma gestão judicial invariavelmente poderia acarretar, como também ser realizada por meio de uma cogestão, sem afastar completamente os administradores, a não ser nos casos em que esta forma mais branda fosse de todo inconveniente. Contudo, o perfil de litígio em que os pedidos de intervenção na administração são formulados pode tornar inviável a cogestão, dada a quebra de confiança existente entre o sócio e administrador, a justificar o pedido de intermediação do Poder Judiciário no seio social.15

Portanto, a intervenção judicial na administração deve ocorrer apenas em hipóteses estritas, mediante comprovação inequívoca de justa causa. Sempre que possível, deve-se privilegiar formas menos invasivas. Contudo, na existência de ruptura da confiança societária, a substituição da administração revela-se necessária para assegurar a continuidade da atividade empresarial.

4.2 Requisitos para intervenção legítima

A decretação da intervenção judicial na administração de sociedades exige a presença de requisitos cumulativos que evidenciem a necessidade da medida, no entanto"[..], se o Juiz puder decretar outra medida igualmente efetiva, é forçoso que se socorra desse mecanismo antes de determinar a intervenção"16.

Caso contrário, o primeiro dos requisitos é a demonstração de justa causa, caracterizada pela comprovação de fato grave que comprometa a integridade ou a continuidade da sociedade, como atos de gestão temerária, abuso de poder ou desvio de recursos.

Em segundo lugar, deve estar configurado o risco de dano irreparável, ou seja, a existência de ameaça concreta à preservação da atividade empresarial que exija atuação urgente do Judiciário, sob pena de inviabilizar o objeto social ou prejudicar terceiros interessados.

Por fim, é indispensável a verificação da inviabilidade de autocomposição, consubstanciada no esgotamento dos mecanismos internos de solução de conflitos, como deliberações assembleares ou cláusulas contratuais específicas, o que justifica a excepcional substituição da vontade societária pela intervenção estatal.

4.3 Modalidades de intervenção

Segundo Ademar Vidal Neto17, a intervenção judicial na administração de sociedades pode assumir diferentes modalidades, a depender da gravidade do caso concreto e da necessidade de preservação da atividade empresarial.

A modalidade mais branda é a do (i) interventor-observador, que se limita a fiscalizar a gestão e prestar informações ao juízo, sem interferir diretamente na condução dos negócios sociais. Em grau intermediário, o (ii) interventor-mediador atua promovendo o diálogo entre os sócios e buscando a autocomposição para solucionar os conflitos internos. Quando necessário, o juiz pode nomear um (iii) interventor executor de medidas concretas, cuja função é praticar atos específicos determinados judicialmente, corrigindo irregularidades pontuais. Em situações mais graves, adota-se a figura do (iv) interventor cogestor, que compartilha a administração com os gestores eleitos, buscando assegurar a continuidade da empresa em um regime de cogestão. Por fim, a intervenção mais severa ocorre com a nomeação do (v) interventor-administrador, que implica o afastamento dos administradores e a substituição integral da gestão, sendo aplicada apenas em hipóteses extremas para evitar o colapso da sociedade?.

A intervenção judicial em sociedades pode assumir as formas mais variadas, desde a simples intervenção fiscalizadora, na qual o administrador não terá suspensa as suas funções gerenciais, limitando-se o administrador judicial a fiscalizar a gestão administrativa da empresa, até o completo afastamento de seus administradores. Como uma das infinitas expressões intermediária de intervenção, pode suceder que o juiz limite a medida cautelar há uma das muitas formas de cogestão da empresa ou da sociedade civil, a ser realizada em conjunto pelo administrador designado pelo juiz e pelos administradores naturais, nos limites e formas indicadas no decreto de intervenção.18

Dessa forma, a escolha da modalidade de intervenção deve ser guiada pela gravidade do conflito e pelo grau de risco à continuidade da atividade empresarial, sempre privilegiando a medida menos invasiva possível.

A flexibilidade das formas interventivas, que vão da mera fiscalização à substituição integral da gestão, reflete a necessidade de equilibrar a proteção do interesse social com o respeito à autonomia societária.

Compete ao magistrado, portanto, ponderar cuidadosamente a necessidade da intervenção, aplicando critérios técnicos que assegurem sua proporcionalidade, adequação e estrita vinculação às peculiaridades do caso concreto.

4.4 Limitações da intervenção

A intervenção judicial na administração das sociedades deve observar limites claros, sob pena de violação da liberdade empresarial e da própria lógica do direito societário. O juiz deve atuar apenas diante de atos ilícitos ou desvios graves que comprometam o interesse social, e não para solucionar meros desentendimentos ou divergências estratégicas entre sócios.

É fundamental respeitar o princípio da intervenção mínima, utilizando a medida de forma excepcional e provisória, evitando que a intervenção estatal substitua indevidamente a vontade legítima dos sócios?.

A intervenção só se legitima quando esgotados os mecanismos internos de solução de conflitos e deve ser moldada segundo a necessidade do caso concreto, aplicando-se a modalidade menos invasiva possível?.

Além disso, o decreto de intervenção deve ter fundamentação adequada, indicando claramente os poderes conferidos ao interventor e estabelecendo prazo de duração, a fim de garantir o controle judicial e preservar a autonomia privada?

Em suma, a intervenção judicial é medida extrema, restrita aos casos em que a proteção dos interesses da sociedade e de terceiros assim o exigir, sempre limitada no tempo, nos poderes conferidos e orientada pela preservação da empresa.

5. Lacuna legislativa

A lacuna legislativa quanto à intervenção judicial demanda soluções casuísticas. Esta intervenção na administração societária pode ocorrer de forma mediata ou imediata19, a depender da gravidade da crise e da necessidade de restabelecimento da ordem interna.

A intervenção mediata consiste em medidas indiretas, como a reorganização da estrutura de gestão por meio de deliberações sociais ou assembleias. Já a intervenção imediata se materializa na nomeação direta de um interventor pelo juízo, com atribuições administrativas provisórias.

Ambas as modalidades pressupõem a existência de conflitos internos profundos que inviabilizam a autogestão, sobretudo em sociedades de caráter mais pessoal, nas quais os impasses comprometem o funcionamento regular da empresa e exigem resposta jurisdicional excepcional.

  • Casos de intervenção judicial imediata possuem regulamentação específica em lei. A título exemplificativo, a legislação societária prevê expressamente a anulação de negócios jurídicos praticados por administradores que atuam em meio a conflitos de interesses, conforme o parágrafo segundo do art. 156 da LSA e, ainda, o art. 497 do CPC/2015 prevê a possibilidade de determinação judicial de obrigação de fazer ou de não fazer, autorizando o juiz a determinar providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
  • A intervenção mediata na administração das sociedades carece de regulamentação específica em lei. Este tipo de intervenção engloba as hipóteses em que o poder judiciário interfere diretamente na estrutura interna dos órgãos de administração de uma sociedade empresária. Aqui, visando a mitigar os prejuízos à administração de uma sociedade em crise política, Poder Judiciário intervém na administração da sociedade de forma direta, sem que haja uma norma positiva específica para este caso, por razões como a desinteligência política entre os sócios e a impossibilidade de administrar a sociedade de forma conjunta.20

A judicialização crescente de conflitos societários reforça a urgência de um marco regulatório que delimite com precisão os contornos e os limites dessas medidas, evitando soluções arbitrárias e garantindo segurança jurídica à atividade empresarial.

6. Conclusão

A intervenção judicial na administração de sociedades empresárias é uma medida que deve ser vista com cautela e aplicada apenas em situações excepcionais. Embora o ordenamento jurídico permita sua utilização, ela precisa respeitar os limites impostos pela autonomia dos sócios, que são, afinal, os principais responsáveis pela condução dos destinos da empresa.

Ao intervir, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade legítima daqueles que decidiram empreender juntos, a não ser quando restar claro que a continuidade da atividade empresarial está em risco e que os caminhos internos de resolução se mostram inviáveis.

É justamente por isso que a intervenção precisa ser ponderada, proporcional e temporária. Cada caso exige uma solução sob medida: às vezes será suficiente um interventor que apenas observe ou medie; outras vezes, o contexto exigirá uma ação mais firme, como o afastamento de administradores. O importante é que essa escolha seja feita com base em critérios técnicos e jurídicos bem definidos, evitando excessos que possam agravar ainda mais os conflitos ou desestimular a livre iniciativa.

A intervenção judicial na administração societária, embora excepcional, pode ser legitimada quando indispensável à preservação da empresa e do interesse social. Desde que observados os critérios de necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade, sua aplicação não compromete a autonomia societária, mas a reforça como estrutura funcional dentro de um ordenamento orientado pela mínima intervenção estatal.

Por fim, diante da ausência de uma legislação específica que trate de forma clara sobre o tema, o Judiciário acaba assumindo uma posição ativa, sendo chamado a decidir com base em interpretações e construção jurisprudencial. Essa realidade evidencia a necessidade de um marco legal que traga segurança, equilíbrio e previsibilidade para as relações societárias. Somente assim será possível proteger a empresa em momentos de crise, sem comprometer sua autonomia e sua função social.

Referências bibliograficas

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

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SOUZA, Evandio Sales de. O controle e os limites da atuação jurisdicional sobre a superação da crise empresarial. 2021. Monografia (Bacharelado em Direito) - Centro Universitário de Brasília - UniCEUB, Brasília, 2021

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1 ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 7 ed. São Paulo: Saraiva,

2000, p. 127-128.

2 SPINELLI, Luis Felipe; SCALZILLI, João Pedro; TELLECHEA, Rodrigo. Intervenção judicial na administração de sociedades. São Paulo: Almedina, 2019, p. 98.

3 PANTANO, Tânia. Os limites da intervenção judicial na administração das sociedades por ações. 2009. Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 101.

4 LOTUFO, Mirelle Bittencourt. A intervenção judicial na administração das sociedades empresárias. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017, p. 105.

5 Sobre o alcance da interpretação do princípio da preservação da empresa (ainda que em contexto de recuperação judicial), o Relator do REsp 1.337.989/SP observa: Entende-se que, na interpretação da Lei nº 11.101/2005, o Relator do REsp. em comento não credita à lei o benefício da empresa ou do empresário, mas percebe a finalidade de recuperar não somente a cadeia produtiva, com a recomposição da dívida, mas também a manutenção dos empregos e da solvência com os credores, fazendo com que não se percam postos de trabalho e se agrave a economia; e isso, de certa forma, implica um círculo virtuoso: empresa, trabalhadores e credores são preservados e o país ganha em arrecadação de impostos, geração de empregos e, por conseguinte, renda.

Percebe-se que o princípio da preservação da empresa, também protege a sua função social, que é gerar empregos, renda e oferta de bens e serviços para a comunidade de forma geral, produzindo riqueza para o país.

SOUZA, Evandio Sales de. O controle e os limites da atuação jurisdicional sobre a superação da crise empresarial. 2021. Monografia (Bacharelado em Direito) - Centro Universitário de Brasília - UniCEUB, Brasília, 2021, p. 21.

6 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 26 abr. 2025.

7 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 26 abr. 2025.

8 VIDAL NETO, Ademar. Intervenção judicial na administração de sociedade: nomeação de interventor provisório. 2017. Tese (Doutorado em Direito Comercial) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017, p. 11.

9 PIRES, Maiara Henriques; PARRON, Nathalia Pinesso Rigueiro. O instituto da intervenção judicial nos litígios societários. Consultor Jurídico, São Paulo, 31 out. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-out-31/o-instituto-da-intervencao-judicial-nos-litigios-societarios/. Acesso em: 26 abr. 2025.

10 LOTUFO, Mirelle Bittencourt. A intervenção judicial na administração das sociedades empresárias. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017, p. 17.

11 LEITE, Marcelo Lauar. Intervenção judicial em conflitos societários. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 76-77.

12 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar n. 14.561 - BA. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 16 set. 2008. DJe 08 out. 2008.

13 O princípio da intervenção subsidiária e excepcional do Estado, previsto no art. 2º, inciso III, da Lei nº 13.874/2019, reforça a diretriz constitucional de limitação da atuação estatal sobre a atividade econômica, e dialoga diretamente com a lógica que rege o direito societário contemporâneo. Tal disposição normativa consolida, no plano legal, a necessidade de contenção judicial nas esferas de autonomia privada, admitindo-se a intervenção apenas quando estritamente indispensável à preservação do interesse social ou à continuidade da empresa. No contexto da administração societária, isso significa que o Poder Judiciário não deve substituir a vontade legítima dos sócios, salvo diante de grave disfunção interna que impeça a governança e a proteção do ambiente negocial. Trata-se, portanto, de uma harmonização normativa entre o princípio da mínima intervenção judicial e a política de fomento à liberdade econômica.

14 SPINELLI, Luis Felipe; SCALZILLI, João Pedro; TELLECHEA, Rodrigo. Intervenção judicial na administração de sociedades. São Paulo: Almedina, 2019, p. 95-127.

15 LOTUFO, Mirelle Bittencourt. A intervenção judicial na administração das sociedades empresárias. São Paulo: PUC-SP, 2017, p. 105.

16 VIDAL NETO, Ademar. Intervenção judicial na administração de sociedade: nomeação de interventor provisório. São Paulo: USP, 2017, p. 54.

17 VIDAL NETO, Ademar. Intervenção judicial na administração de sociedade: nomeação de interventor provisório. São Paulo: USP, 2017, p.60-89.

18 SILVA, Ovídio Baptista da. Do Processo Cautelar, 4ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009,p. 122.

19 LOTUFO, Mirelle Bittencourt. A intervenção judicial na administração das sociedades empresárias. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017, p. 100.

20 LOTUFO, Mirelle Bittencourt. A intervenção judicial na administração das sociedades empresárias. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017, p. 101.

Evandio Sales de Souza

VIP Evandio Sales de Souza

Advogado e Contador. Atua como assessor na diretoria de empréstimos e financiamentos do Banco do Brasil. Mestrando em Direito pelo UniCEUB-DF, possui MBA Executivo em Negócios Financeiros pela FGV-RJ

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