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ESG e seguro: Como a governança sustentável redesenha a precificação de riscos

A adoção de critérios ESG redefine a precificação de riscos, exigindo transparência, inovação jurídica e gestão responsável no mercado de seguros.

terça-feira, 17 de junho de 2025

Atualizado em 16 de junho de 2025 14:51

A adoção de critérios ESG - ambientais, sociais e de governança - pelas seguradoras na análise de riscos e na gestão de investimentos já não é uma escolha reputacional: trata-se de uma exigência concreta do mercado. Na prática, isso significa que as seguradoras vêm considerando, por exemplo, se uma empresa polui, respeita direitos humanos ou possui estrutura de governança adequada antes de aceitar um risco ou direcionar seus recursos. Como principais financiadoras e gestoras de risco da economia, as seguradoras têm capacidade de influenciar o comportamento de setores inteiros, incentivando práticas sustentáveis e reduzindo a exposição a eventos que geram perdas sistêmicas.

Essa transformação é impulsionada por iniciativas como os PSI - Princípios para Sustentabilidade em Seguros, promovidos pela ONU por meio da Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP FI), e pelas diretrizes da IAIS - International Association of Insurance Supervisors, que orientam os reguladores mundiais a incorporar riscos climáticos e sociais à supervisão prudencial. No Brasil, a resolução CNSP 416/22 sinaliza esse movimento ao exigir das seguradoras práticas de gestão de riscos que contemplem, inclusive, os riscos ESG.

Na subscrição de riscos, etapa em que a seguradora avalia se irá aceitar o risco de determinado segurado e a que custo, os critérios ESG se tornam ferramentas de qualificação do risco. Por exemplo, uma indústria que descumpre normas ambientais tende a enfrentar mais ações judiciais e multas administrativas, o que aumenta a sua sinistralidade e torna o risco mais oneroso para o mercado. Da mesma forma, empresas que apresentam recorrentes denúncias trabalhistas ou falhas de governança são vistas como menos estáveis, o que impacta diretamente na precificação do seguro e até mesmo na sua aceitação.

Já na gestão de investimentos, atividade central das seguradoras que precisam manter reservas técnicas para garantir o pagamento de indenizações, os critérios ESG funcionam como filtro e direcionamento. As seguradoras estão cada vez mais buscando ativos de baixo impacto ambiental e social, que ofereçam retornos financeiros estáveis sem expor os recursos a passivos jurídicos ou reputacionais. Isso também se alinha às exigências de investidores institucionais e resseguradoras globais, que têm pressionado por maior transparência e responsabilidade socioambiental na cadeia securitária.

Essa integração do ESG traz, também, um novo desafio contratual e regulatório. As seguradoras precisam aprimorar seus clausulados e modelos de apólice para incluir riscos ESG de forma clara, com delimitação objetiva das exclusões, obrigações pós-contratuais e deveres de compliance do segurado. O setor jurídico ganha papel estratégico nesse processo, contribuindo para a adaptação regulatória, para a estruturação de novos produtos e para a mitigação dos riscos legais associados à discricionariedade na aceitação de riscos com base em critérios ESG.

É preciso destacar, contudo, que essa prática deve ser conduzida com base em critérios objetivos, sob pena de gerar questionamentos jurídicos relacionados à discriminação comercial ou à violação da boa-fé contratual. O princípio da transparência, previsto no CDC, deve orientar todas as decisões de aceitação ou recusa de risco baseadas em ESG, garantindo que o segurado tenha ciência clara dos critérios avaliados e das suas implicações na apólice.

Portanto, a integração dos critérios ESG na subscrição de riscos e na gestão de investimentos representa uma mudança estrutural no mercado securitário. Mais do que uma tendência, trata-se de um novo padrão de governança e responsabilidade, que exige do setor jurídico uma atuação propositiva, técnica e alinhada às melhores práticas globais. O desafio está em transformar essa exigência em diferencial competitivo, por meio da inovação jurídica e do desenvolvimento de soluções que atendam ao mercado com solidez regulatória e impacto positivo.

Fabiane Gomes Pereira

Fabiane Gomes Pereira

Sócia e gerente de Seguros da Jacó Coelho Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) e pós-graduação em Trabalho e Processo do Trabalho pela Atame, em 2015. MBA em Gestão Jurídica de Seguros e Resseguros pela Escola Superior Nacional de Seguros (FUNENSEG). Possui ampla experiência em contencioso e consultivo de seguros e cível.

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