Como a reforma tributária vai impactar a locação de imóveis?
Ainda vale a pena fazer holding imobiliária? Saiba como a nova tributação pode afetar sua renda com imóveis e o que fazer para reduzir os impactos.
quarta-feira, 18 de junho de 2025
Atualizado às 11:23
A reforma tributária já é uma realidade no Brasil. Com a promulgação da EC 132/23 e a publicação da LC 214/25, teve início uma transição profunda no sistema de tributação sobre o consumo, com efeitos relevantes para praticamente todos os setores da economia, inclusive o mercado imobiliário Embora suas regras só entrem em vigor a partir de 2026, haverá um período de transição que se estenderá até 2033, quando o novo modelo será aplicado de forma integral.
A substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo novo IVA dual, composto pela CBS (Federal) e pelo IBS (estadual e municipal), representa uma mudança estrutural, mas também um aumento potencial da carga tributária, cuja alíquota total está estimada em 28%. Embora muitos pontos ainda dependam de regulamentação complementar, o cenário já permite projeções concretas sobre como atividades tradicionais serão afetadas, como é o caso da locação de imóveis.
Diante desse contexto, entender como ficará a tributação da locação se torna essencial para proprietários de imóveis: (i) locação realizada por pessoa jurídica, (ii) locação realizada por pessoa física, e (iii) locação short stay (curta duração).
1. Locação realizada por pessoa jurídica
Atualmente, empresas e holdings patrimoniais que atuam na locação de imóveis próprios, devidamente registradas com o CNAE correspondente, costumam ser tributadas pelo lucro presumido, com alíquota efetiva que varia entre 11,33% e 14,53%, considerando a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, conforme detalhado na tabela abaixo:
Contudo, se o faturamento anual da pessoa jurídica for de até R$ 120 mil e o objeto social estiver restrito à locação de imóveis próprios, é possível aplicar uma base de cálculo reduzida para o IRPJ, o que diminui significativamente a carga tributária. Nesse cenário, a tributação efetiva total pode chegar a apenas 8,93%, conforme demonstrado abaixo:
Com a reforma tributária, PIS e Cofins serão substituídos pelo IVA (CBS + IBS). A expectativa é que a alíquota conjunta (CBS + IBS) fique em 28%, uma das maiores do mundo. Contudo, a LC 214/25 prevê um fator de redução de 70% da alíquota para atividades de locação de bens imóveis próprios, o que deve suavizar esse impacto, já que a alíquota do IVA ficará em 8,4%.
Com esse redutor, a alíquota efetiva estimada ficará entre 16,08% e 19,28%. No caso de empresas com receita anual de até R$ 120 mil, a tributação ficará em aproximadamente 13,68%. Ainda assim, trata-se de um aumento significativo em relação ao regime atual.
Apesar disso, como o novo sistema será não cumulativo, em certos contextos a manutenção (ou criação) de uma holding imobiliária continuará vantajosa, especialmente em planejamentos patrimoniais que envolvam gestão profissional dos ativos, sucessão familiar e blindagem patrimonial. Cada caso, porém, exigirá uma análise individualizada, com simulações comparativas entre os regimes
2. Locação realizada por pessoa física
Uma das principais novidades da reforma tributária é a possibilidade de que pessoas físicas que alugam imóveis próprios passem a ser contribuintes da CBS e do IBS, ainda que não exerçam atividade empresarial formalmente constituída. No sistema atual, a tributação recai exclusivamente sobre o IRPF - Imposto de Renda da Pessoa Física, com alíquotas progressivas que podem chegar a 27,5%.
Com a nova sistemática, essa realidade muda, porém, a pessoa física ficará isenta da CBS e do IBS caso cumpra cumulativamente os seguintes requisitos: (i) A receita anual com locação não ultrapassar R$ 240 mil no ano-calendário anterior; e (ii) Essa receita seja proveniente de até 3 imóveis.
Caso o contribuinte ultrapasse esses limites, a tributação passa a incluir não apenas o IRPF, mas também os dois novos tributos sobre o consumo. Considerando uma alíquota combinada estimada de 28% e o redutor de 70% previsto na LC 214/25, a carga adicional de CBS e IBS seria de aproximadamente 8,4%. Assim, no cenário mais oneroso, a tributação total poderá atingir:
Outro ponto relevante é que o limite de R$ 240 mil será corrigido mensalmente pelo IPCA, com o objetivo de manter a proporcionalidade em relação aos reajustes contratuais típicos das locações.
3. Locação short stay (curta duração)
Para quem aluga imóveis por temporada, contratos de curta duração, limitados a 90 dias, como ocorre nas locações via Airbnb, Booking e plataformas similares, a reforma tributária traz mudanças relevantes.
O novo texto legal equipara esse tipo de locação aos serviços de hospedagem, para fins de incidência do IBS e da CBS. Ou seja, a tributação passa a seguir a lógica aplicável à hotelaria, inclusive no que diz respeito à alíquota reduzida. Nesse regime, a base de cálculo da CBS e do IBS sofrerá um redutor de 40%, resultando em uma alíquota efetiva estimada de 16,8%, assumindo o teto de 28% para o IVA combinado.
Embora o fator de redução da alíquota não seja tão benéfico quanto o da locação de imóveis tradicional, é importante destacar que, por se tratar de atividade com maior custo operacional, incluindo limpeza, mobília, enxoval, manutenção constante, comissões de plataforma, entre outros, é possível aproveitar créditos do IBS e da CBS, o que pode reduzir substancialmente o impacto efetivo da tributação no novo regime não cumulativo.
No cenário mais conservador, desconsiderando qualquer creditamento de insumos, a carga tributária total poderá atingir os seguintes patamares:
Vale lembrar que, quando a locação por temporada é realizada por pessoa física, poderá haver incidência do IRPF - Imposto de Renda da Pessoa Física, com alíquotas progressivas de até 27,5%, além da CBS e do IBS, o que tornaria a tributação extremamente onerosa, podendo chegar ao patamar de 44,3%, desconsiderando eventual aproveitamento de crédito.
4. Possibilidade de crédito tributário
Uma das mudanças mais significativas trazidas pela reforma tributária é a adoção plena do regime não cumulativo. Na prática, isso significa que o contribuinte poderá se creditar dos tributos pagos nas etapas anteriores da cadeia, reduzindo o valor a pagar nas suas próprias operações.
Aplicado ao mercado imobiliário, isso gera oportunidades relevantes. Por exemplo, se um imóvel foi adquirido com IBS e CBS já recolhidos na venda, o locador, desde que formalmente contribuinte desses tributos, poderá utilizar esses valores como crédito para abater o imposto devido nas receitas obtidas.
No caso de pessoas físicas, entretanto, esse aproveitamento tende a ser mais limitado, já que nem sempre será formalmente enquadrada como contribuinte do IBS e da CBS, dependendo do volume de receita e da quantidade de imóveis locados (conforme os critérios de isenção).
Exemplo prático:
- Receita mensal com locação: R$ 30.000,00
- Regime atual (holding com CNAE de locação): Carga tributária efetiva de até 14,53%, resultando em R$ 4.359,00 mensais em tributos.
- Novo regime (CBS + IBS): Com alíquota estimada de 28% e redutor de 70%, a carga total pode chegar a 19,28%, ou seja, R$ 5.784,00 por mês.
Agora suponha que a holding tenha adquirido um imóvel por R$ 500 mil diretamente da incorporadora, que recolheu R$ 70 mil em IBS e CBS na operação (alíquota efetiva de 14%). Como a holding também é contribuinte do IBS e da CBS, ela poderá se creditar desses R$ 70 mil, utilizando esse valor para compensar o imposto incidente sobre receitas futuras. Dependendo do volume de faturamento, o crédito pode ser suficiente para reduzir ou zerar o imposto por vários meses.
O ponto central é que ambas as partes, comprador e vendedor, devem ser formalmente enquadradas como contribuintes dos novos tributos. Por isso, será essencial mapear as operações da cadeia e revisar os contratos de aquisição e locação, a fim de maximizar o aproveitamento dos créditos e garantir segurança jurídica.
5. É melhor manter a locação na pessoa física ou na holding?
Essa pergunta nunca teve resposta simples e, agora, ficou ainda mais complexa. Além da análise das alíquotas, é preciso considerar o contexto familiar, o planejamento patrimonial e sucessório e a possibilidade de utilizar créditos tributários.
O ideal é fazer uma análise detalhada do caso concreto para verificar se compensa manter os imóveis em nome de pessoas físicas ou se é melhor criar/continuar com uma holding.
Essa pergunta nunca teve uma resposta simples e, agora, tornou-se ainda mais complexa. Além da análise das alíquotas, é preciso considerar o contexto familiar, o planejamento patrimonial e sucessório e a possibilidade de utilizar créditos tributários.
É necessário considerar diversos fatores, como: o volume de receita anual, o número de imóveis, a possibilidade de aproveitamento de créditos tributários, os objetivos familiares e sucessórios, e o nível de exposição patrimonial.
Diante desse cenário, a recomendação é realizar uma análise individualizada e estratégica. Em muitos casos, manter ou migrar para uma holding continuará sendo vantajoso, especialmente quando há preocupação com governança patrimonial, blindagem de bens e planejamento sucessório estruturado.
Conclusão
A reforma tributária inaugura um novo capítulo na tributação das operações imobiliárias. Embora ainda estejamos em um período de transição, já é possível identificar uma tendência de aumento da carga tributária, tanto para pessoas jurídicas como físicas.
Por outro lado, o novo modelo também traz promessas de simplificação por meio da não cumulatividade e de fatores de redução que, se bem utilizados, podem minimizar os impactos negativos. Algo que só saberemos ser uma realidade quando o sistema estiver em funcionamento.
Mais do que nunca, o planejamento patrimonial e tributário deve ser multidisciplinar. A análise não pode se restringir ao aspecto fiscal, mas deve considerar os objetivos familiares, a organização da sucessão, a eficiência na gestão dos ativos e a segurança jurídica nas operações.
Por fim, como ainda aguardamos a definição exata da alíquota do IVA e os desdobramentos práticos da legislação complementar e seus desdobramentos, o melhor caminho é acompanhar de perto as regulamentações, manter-se informado e contar com assessoria especializada. Isso garantirá decisões mais seguras e alinhadas ao seu contexto patrimonial.


