Exit financing: Uma possível ponte para fora da recuperação judicial
O artigo apresenta uma análise clara e crítica sobre esse mecanismo introduzido pela lei 14.112/20.
quarta-feira, 18 de junho de 2025
Atualizado às 11:25
Na Grécia antiga, a palavra "crise" designava aquele momento decisivo de uma doença, a partir do qual esta poderia melhorar ou piorar - era seu ponto mais crítico. Ao longo dos anos, a palavra foi ganhando algumas variações semânticas, mas, mesmo hoje, continua a carregar o sentido de instabilidade, em geral momentânea.
Essa característica de transitoriedade, contudo, não parece se aplicar ao Brasil, país onde se vive um estado permanente de crise, seja política, seja econômica, seja social. A lista segue.
Para ficarmos apenas naquela crise que diz respeito ao tema deste artigo, focaremos na crise econômica. Com uma taxa de juros no impressionante patamar de 14,75% a.a., o que torna o crédito caro e, por conseguinte, escasso, a atividade empresarial tem sofrido para se manter operante.
Dados da Serasa Experian (https://l1nq.com/SerasaExperianRJ), de 29/1/25, informam que, em 2024, foram registrados 2.273 pedidos de recuperações judiciais, o que representa um aumento de 61,8% em relação a 2023, sendo as micro e pequenas empresas as principais solicitantes desse remédio jurídico. O cenário em 2025 pode ser ainda pior.
É consagrado o uso da expressão "remédio jurídico" para designar a recuperação judicial, pois esta serve justamente para buscar as condições para que a atividade empresarial volte à posição saudável, ou seja, lucrativa.
Sobre esse remédio, muito se discute o pedido, os efeitos do stay period, as negociações com credores, a construção do plano. Mas pouco se discute sobre o fim. Em geral, este nem é notícia.
A busca pela recuperação judicial é uma decisão estratégica, que deve considerar não apenas os seus efeitos imediatos, mas também todo o longo percurso a ser percorrido até que a expressão "em recuperação judicial" possa ser suprimida da denominação social da recuperanda.
Dentre os múltiplos avanços trazidos pela lei 14.112/20 (que alterou a lei 11.101/05, "LRF"), sem dúvida um dos mais relevantes foi o exit financing. Um tipo de financiamento voltado justamente para ajudar a recuperanda a retomar sua vida fora da chamada "UTI jurídica", expressão que bem sintetiza esse estágio crítico.
O exit financing é um instrumento de transição definitiva, de descompressão do risco judicial, voltado à quitação dos créditos concursais e à reorganização operacional da empresa.
A nova seção IV-A da LRF dispõe sobre regras específicas para o financiamento do devedor durante a recuperação, em amparo a quem investe capital na recuperanda nesse momento crítico, em que, justamente por estar em recuperação judicial, são maiores as dificuldades de obtenção de crédito, entre outras.
A referida seção inicia-se com o art. 69-A da lei 11.101/05, que assim dispõe: "Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor dos ativos."
Logo em seguida, o art. 69-B busca proteger o financiador de boa-fé, garantindo que a liberação dos recursos mantém sua natureza extraconcursal e as garantias prestadas pelo devedor ao financiador de boa-fé, caso o desembolso dos recursos já tenha sido efetivado, mesmo que a decisão que autorizou o financiamento venha a ser reformada.
Seguindo o texto da LRF, encontramos o art. 69-C, que trouxe a possibilidade de o juiz "autorizar a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador de devedor em recuperação judicial, dispensando a anuência do detentor de garantia original." Trata-se de instrumento que permite a estruturação de garantias "júnior" ou "subordinadas", úteis para viabilizar múltiplas camadas de financiamento, inclusive com diferentes graus de risco e remuneração.
Logo depois, o art. 69-D prevê que, em caso de falência decretada antes da liberação integral dos recursos, o contrato se extingue automaticamente, e o financiador não é obrigado a seguir adiante. As garantias já concedidas, no entanto, se mantêm válidas até o valor efetivamente desembolsado.
Apesar dos avanços, conforme tratados acima, o regime jurídico do exit financing ainda tem zonas cinzentas. A principal delas diz respeito à sua natureza em um cenário de reincidência: se a empresa que contraiu esse tipo de financiamento voltar a pedir recuperação judicial, ou tiver a falência decretada posteriormente, o crédito mantém sua natureza extraconcursal?
A resposta não é clara. O art. 69-D cuida apenas da falência decretada durante o processo de recuperação. Não menciona o que acontece depois do encerramento do processo. Tampouco há regra específica sobre a situação de um novo pedido de recuperação com dívidas oriundas de financiamentos contratados no ciclo anterior.
Essa lacuna legal pode gerar incertezas relevantes. E, diante da reconhecida instabilidade jurisprudencial em matéria concursal - em que não são raros os casos de reinterpretação de créditos extraconcursais -, não se pode descartar o risco de judicialização ou requalificação do crédito oriundo de exit financing em cenários de reincidência ou falência posterior.
Outro ponto que merece atenção é a tênue, mas importante, distinção entre o DIP financing e o exit financing. Embora ambos estejam disciplinados na mesma seção IV-A da LRF e possam compartilhar dispositivos como os arts. 69-A e 69-B, eles servem a momentos diferentes do processo. O DIP é voltado ao financiamento da empresa durante a recuperação, para manter a operação viva até a aprovação do plano. Já o exit financing tem como foco o pós-plano, funcionando como uma ponte para a saída definitiva do processo, geralmente condicionado à homologação judicial do plano ou ao encerramento da recuperação.
Ou seja, o que distingue o exit financing não é tanto a forma de contratação ou de garantia, mas sim o momento e a lógica econômica da liberação dos recursos. Essa distinção é essencial para a estruturação jurídica e financeira da operação, sobretudo quando se pretende atrair diferentes tranches de capital, algumas dispostas a assumir o risco do processo, outras apenas interessadas na etapa final, já com o plano aprovado e o risco judicial mais controlado.
Além disso, é preciso reconhecer que, apesar do avanço legislativo, o acesso ao exit financing tende a se restringir às empresas médias e grandes, com ativos passíveis de oneração, estrutura de governança e capacidade de elaborar contratos bem calibrados. A esmagadora maioria das recuperandas (compostas por pequenos negócios com pouca bancabilidade) não conseguirá se beneficiar dessa ferramenta sem algum tipo de mecanismo de intermediação ou incentivo.
Ainda assim, a direção é boa. A conjugação entre avanço legislativo, maior segurança jurídica para o financiador e necessidade real de instrumentos de transição pós-plano cria um terreno fértil para o exit financing se firmar como alternativa viável e estratégica, ao menos em segmentos economicamente mais estruturados.
Do ponto de vista prático, é recomendável que os contratos de exit financing contemplem com clareza (i) a destinação dos recursos, (ii) a condição suspensiva vinculada ao encerramento da recuperação judicial, (iii) o tratamento do crédito em eventual reabertura do processo ou decretação de falência futura, e (iv) mecanismos de reforço ou substituição de garantias, conforme o cronograma de desembolso. Esses cuidados reduzem os riscos jurídicos e operacionais da operação.
Se o mercado e o Judiciário caminharem juntos na interpretação protetiva desses créditos, teremos não só mais crédito disponível, mas mais empresas aptas a competir novamente.
Em suma, o exit financing é mais um instrumento jurídico dentro da recuperação judicial que, bem estruturado, pode ser a chave para transformá-la em uma verdadeira virada de página. Quando bem utilizado, ele não apenas encerra o ciclo da crise, ele reinicia a lógica da continuidade.


