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Descontos irregulares no INSS - Responsabilidade do Estado

Entre rubricas e silêncios do INSS, este artigo revela como o Estado falha com quem mais precisa - e lembra que dignidade não se desconta em folha.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Atualizado às 15:20

Introdução

A responsabilidade civil do Estado é um pilar do ordenamento jurídico brasileiro e pode ser facilmente encontrado na leitura simples do §6º do art. 37 da nossa CF/88. Esse dispositivo estabelece que as pessoas jurídicas de Direito Público e privado prestadoras de serviços públicos são obrigadas a reparar danos causados, independentemente de dolo ou culpa, sob o regime de responsabilidade objetiva. A ideia deste artigo é analisar a aplicação desse princípio no caso recente dos descontos irregulares em remunerações mensais de beneficiários do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, repassados a associações e sindicatos, sem que houvesse autorização para esses descontos.

Responsabilidade objetiva do Estado

A responsabilidade objetiva, prevista no §6º do art. 37 da CF/88, dispensa a comprovação de culpa; exige-se, nesse caso, apenas o dano, a ação ou omissão do agente público e o nexo causal.

A lei 8213/91 em seu art. 115, mais precisamente no inciso V, autoriza esses descontos sendo que, no art. 117, atrela essa possibilidade apenas mediante a celebração de ACT - Acordo de Cooperação Técnica. Entende-se que o ACT, por ser um contrato dotado de regras de atos e efeitos, além de determinar condutas as partes, é dotado de segurança, principalmente na nominação de seus agentes, o que deixa claro que o Estado é parte sujeita a responsabilidade em intercorrências.

Além de responsabilidades de fiscalização na execução dos ACTs, segundo o art. 116 da lei 8213/91, o Estado, nominalmente representado pela autarquia do INSS, deve manter, em respeito também ao princípio da publicidade, o fornecimento de demonstrativos com dados detalhados sobre esses descontos, o que, na prática, ocorria apenas quando o próprio beneficiário age, acessando os sistemas eletrônicos. Sistemas esses que muitas vezes passam por problemas de inoperatividade face a quantidade de acessos e, talvez, a uma falha em investimento no parque tecnológico da instituição.

O esquema de descontos irregulares no INSS

Um esquema fraudulento de descontos indevidos em benefícios do INSS causou prejuízos estimados em R$ 6,3 bilhões, inicialmente, conforme investigações da polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União na operação sem desconto. Associações e sindicatos cadastravam aposentados e pensionistas, sem seu consentimento, a fim de retenção e repasse das mensalidades associativas. Em alguns municípios, até 60% dos aposentados foram afetados. Segundo apuração da PF veiculada nos canais de imprensa a fraude envolveu a falsificação de assinaturas, inclusive de analfabetos e idosos com doenças incapacitantes, para simular autorizações.

O INSS como gestor da folha de pagamento tem o dever de fiscalizar e verificar a existência de validade jurídica das autorizações. Essa negligência configura omissão culposa, o que adere à responsabilidade do Estado.

Segundo prévias das investigações, o esquema contava com a participação de servidores do INSS, inclusive da administração do Instituto e da empresa de processamento de dados, que facilitavam o processamento dos descontos diretamente na folha de pagamento. A operação sem desconto resultou em 211 mandados de busca e apreensão, seis prisões temporárias e o bloqueio de R$ 2,8 bilhões em bens de investigados

Danos materiais e morais

A livre associação a essas entidades, por se tratar de participação em uma coletividade que visa o interesse comum, pode impedir a caracterização de relação de consumo e, por conseguinte, estar desamparada da proteção prevista no CDC. Contudo algumas dessas associações dispõe da prestação de serviços típicos de mercado mediante remuneração, o que traz novamente a matéria do CDC para amparar a análise dos danos.

Mesmo que, a princípio, haja o descarte do diploma legal do CDC, não há o que contestar, principalmente quando falamos das entidades sindicais, a responsabilidade prevista no próprio CC, pois se trata de uma relação associativa por ele regida.

O art. 42 do CDC reza que se deve haver a devolução em dobro do que pago em excesso, repetição do indébito, acrescido de correção monetária e juros legais cabíveis.

O CC é direto em seu art. 186 ao imputar o ato ilícito a quem violar direito e causar dano a outrem. Vemos que aqui nasce a responsabilidade civil extracontratual, ou seja, o agente causador responde pelo dano independentemente que haja previsão expressa no contrato. Cabe ressaltar que, nesses casos dos descontos irregulares, o contrato não foi vontade expressa dos beneficiários, ou seja, não há de se falar em previsão contratual; trata-se apenas da explicação didática.

Ao se falar em danos morais devemos sempre lembrar da função punitiva, compensatória e preventiva na imputação obrigacional do pagamento de danos morais. O que é bem relevante nesses casos é que o agente causador dos danos, mesmo que por negligência, é o próprio Estado, ou seja, a entidade máxima representativa da sociedade que, mesmo em abstrato, trata-se do próprio segurado lesionado.

É aceito dizer que foram pessoas físicas que erraram e não a pessoa jurídica da autarquia, porém há a responsabilidade institucional e a premissa de proteção legal ao cidadão, ou seja, caímos novamente na responsabilidade ativa do Estado, nesses casos, em via de mão dupla: na proteção ao dano já causado e na ação ou omissão que deu causa ao dano.

Analogamente ao direito de regresso a autarquia deve, em primeiro momento, buscar a restituição desses valores a fim de começar balancear dano X prejuízo, afinal, mesmo que havendo sua culpa por omissão em fiscalizar as associações irregulares, a outra parte (as entidades associativas) também são polos nesse contrato e dotadas de responsabilidades.

Orientações e recomendações aos beneficiários

O procedimento que todo beneficiário do INSS, seja aposentado, pensionista ou recebedor do Benefício de Prestação Continuada (apelidado de LOAS), deve adotar é, em primeiro lugar, verificar seu extrato de pagamento através do Meu INSS (pelo portal ou pelo aplicativo). Adverte-se que pode ser uma tarefa árdua pois, além dos problemas de instabilidade nos sistemas do INSS já comentados aqui, há de se ter cadastrado a senha do Portal GOV.

Após essa primeira etapa de verificar se há algum desconto indevido, através do mesmo canal pode requerer a cessação desses descontos e a devolução do que foi descontado indevidamente. Importante que haja esse requerimento pois facilita para a administração mensurar de forma mais precisa o tamanho desse problema.

Segundo o instituto os beneficiários começaram a receber notificações pelo aplicativo Meu INSS informando sobre descontos associativos e criou procedimentos específicos para esses casos. O procedimento é o seguinte:

  1. Acesse o aplicativo Meu INSS;
  2. Clique em "Consultar Descontos de Entidades Associativas" para verificar descontos;
  3. Indique se autorizou cada desconto;
  4. Forneça telefone e e-mail para contato;
  5. Confirme a veracidade dos dados e envie a solicitação.

As associações serão notificadas e têm 15 dias para devolver os valores ou comprovar a autorização. Se o reembolso for efetuado, o valor é incluído no próximo pagamento do benefício. Caso contrário, o INSS assume a cobrança.

Essas medidas administrativas não impedem os beneficiários de ingressarem com ações judiciais em busca de seus direitos, muito pelo contrário, trata-se de pleno exercício de seus direitos. Salientamos que a OAB recomendou evitar as ações judiciais a fim de não atolar, ainda mais, o Judiciário, pelo menos por enquanto que não há posições determinantes tanto da administração quanto da autarquia; até porque há diversas discussões políticas envolvendo o tema.

Considerações finais

A responsabilidade do Estado em casos de erros administrativos, como os descontos irregulares em benefícios do INSS, é um tema complexo que envolve a análise de falhas sistêmicas e a conduta de terceiros. Os beneficiários afetados podem buscar reparação por vias administrativa e judicial.

Já a responsabilidade do Estado por descontos irregulares em benefícios previdenciários demonstra uma manifestação clara de falhas institucionais da Administração Pública, em principal da autarquia do INSS. A reparação extrapola a compensação financeira no sentido de que se busca, também, a reafirmação do Estado de Direito e da dignidade do beneficiário.

Enfim, como já abordado, tememos que os beneficiários do INSS sejam penalizados duas vezes: pelos seus valores usurpados nesses descontos irregulares e pelo pagamento de seu próprio ressarcimento, incluído de juros, multa e danos morais, na forma de impostos e que os verdadeiros responsáveis sigam apenas com as punições previstas em nosso sistema penal; justo, e utópico, seria a compensação integral de todos os prejuízos causados.

Virgilio Leandro Viegas

Virgilio Leandro Viegas

Sociólogo, Jornalista, Bacharel em Direito, Pós Graduado em Direito Previdenciário e em Docência para o Ensino Superior, Mestrando em Dir Empresarial, Membro da Com. de Dir. Previdenciário OABSP Penha

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