A tributação sobre o consumo: País rico e sociedade pobre
Na chamada reforma tributária do consumo, observa-se uma mudança significativa em relação a essa complexidade e à possibilidade de redução das desigualdades sociais por conta da tributação.
sábado, 21 de junho de 2025
Atualizado em 20 de junho de 2025 13:27
1. Introdução
Os tributos são importantes no processo de financiamento dos serviços públicos e investimentos que impulsionam o desenvolvimento do país, tendo como função a fiscal, de fazer receita e a função extrafiscal, que vai além da arrecadação de receitas, mas regular o mercado e visar o equilíbrio e distribuição justa de renda. O sistema tributário é complexo, e ao se observar alguns aspectos históricos se verificam tentativas de reduzir as desigualdades e equilibrar a economia através dos tributos. Com a reforma tributária já acontecendo, a chamada reforma tributária do consumo, se observa uma mudança significativa em relação a essa complexidade e possibilidade de redução das desigualdades sociais por conta da tributação.
A Constituição Federal de 1988 representa um movimento importante nos processos sociais e políticos1, pois não apenas mudou a forma de organização autoritária da ordem jurídica anterior a ela, a fim de fazer um processo participativo para se ter um verdadeiro Estado constitucional, firmado na proteção, promoção e em destaque a enaltecer os direitos fundamentais por parte de todos, especialmente pelo Poder Público. A construção de um modelo de estado solidário é, portanto, ideia primordial em nossa Constituição, que em seu art. 3º2 elege como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem de todos, sem preconceitos ou outras formas de discriminação.
A tributação impacta na economia e na vida da sociedade, em especial a tributação baseada sobre os bens de consumo e serviços que aumentam as desigualdades de renda, na medida que a carga tributária atinge significativamente a parcela da população de classe baixa e média. Pensando no impacto da tributação sobre o consumo3, ou seja, o que afeta a vida de cada cidadão, se analisam os princípios constitucionais que visam o equilíbrio tributário na sociedade. Deste modo, também será examinado, em especial, o princípio da capacidade contributiva que visa direcionar ao legislador a observação da aptidão dos indivíduos para contribuir na medida das suas possibilidades econômicas, se tornando assim um dos princípios constitucionais mais importantes do sistema jurídico tributário.
Pensar em tributação e desenvolvimento socioeconômico se trata de analisar a distribuição da carga tributária brasileira, ou seja, como os impostos na perspectiva de instrumentos hábeis e eficazes para a redução da desigualdade, através das políticas públicas existentes, em especial relacionadas aos tributos sobre consumo. E com essa reforma tributária, grandes expectativas surgem a partir das mudanças, no caminho para uma justiça fiscal, será?
2. Princípios constitucionais tributários sociais
A Carta Democrática consagra os princípios gerais do Sistema Tributário Nacional, determinando as limitações ao poder de tributar, a competência para a instituição de tributos e a repartição das receitas tributárias. Nos arts. 145 e 1504 da Constituição Federal de 1988 trazem tais princípios que demonstram a função social da tributação, pensando numa constituição que visa o respeito aos direitos individuais, e um deles que se torna muito relevante em relação ao consumo, se refere a capacidade contributiva e o poder de tributar.
2.2 - Capacidade contributiva e vedação ao tratamento tributário desigual
O art. 145 da Constituição trata da criação de tributos, e em seu § 1º são versados os critérios para criação destes, que devem respeitar a capacidade econômica de cada contribuinte guardando assim os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, rendimento e as atividades econômicas dos contribuintes. Visa à justiça fiscal5 e social, exigindo-se mais daquele que tem maior possibilidade econômica e capacidade de contribuir de forma mais expressiva, e a possibilidade de isentar ou reduzir a incidência tributária para os contribuintes com menor capacidade econômica. Esse princípio atende ao imperativo da redistribuição de renda. E a partir do princípio da isonomia que veda o tratamento tributário desigual é que consiste a igualdade de todos perante a lei, correspondendo ao caput do art. 5º da CF como um dos cinco direitos fundamentais.
2.3 - Função social dos tributos
O Estado com sua soberania exerce seu poder em relação a sociedade através de elementos de formação de Estado Democrático de Direito, conforme previsto em nossa Constituição. E as relações de poder6 do Estado e os indivíduos da sociedade sinalizam a posição de independência e supremacia daquele sobre estes. Embora isso não signifique que o poder esteja ligado na relação de força sobre os indivíduos, mas em como a Administração Pública orienta-se pelos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, que privilegiam o bem comum em detrimento dos interesses individuais respeitando os direitos fundamentais e os limites de poder do Estado no que se refere ao limite de tributar, visando o bem estar social e as restrições constitucionais a fim de colaborar com a manutenção da sua coletividade. Este princípio engloba os anteriores, mostrando que o Estado sempre deve respeito aos direitos individuais ao interesse público.
3. Tributação e políticas públicas
Observa-se que a tributação visa também a distribuição de riquezas em uma sociedade. Segundo Dworkin (2005, p.10), a distribuição da renda é resultado do seu ordenamento jurídico, mas não só em relação às leis que regem a propriedade e as relações para a sua aquisição e transferência, mas como também em relação às normas fiscais e políticas.
Ao se pensar na ação estatal perante problemas sociais e . Conforme conceitua Dalmo de Abreu Dallari, "O Estado é uma ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado de determinado território". Este bem comum pode ser instrumentalizado no intuito de viabilização dos direitos básicos previstos na constituição, conforme elencados em seu art. 5°, em resumo o direito à vida, e podemos tratar de uma vida digna, igualdade, a garantia do desenvolvimento e a erradicação da pobreza.
Ao se tratar do tema tributação e desenvolvimento na perspectiva de redução das desigualdades, onde se pensa que o mundo ideal se observa a partir da instrumentalização do Direito na sociedade, ou seja, Direito e desenvolvimento caminhando juntos. E essa ação por parte do Estado já mencionada anteriormente como as políticas públicas, ainda segundo a pesquisa de Maria Paulo Bucci, mostra-se a premissa7 que a aplicação entre Direito e políticas públicas deve se abordar como abordagem e não como campo ou subcampo, porque a abordagem permite um melhor aprofundamento e diálogo com outras fontes, que conversam com o direito, como nesse caso, ao se tratar de tributação e desenvolvimento social, precisa-se ter um diálogo com a economia, sociologia e a ciência política, no que tange as questões de ordem política que afetam e sempre afetaram as decisões ligadas ao sistema tributário. Nesse sentido, inspirando-se pela pesquisa da professora, pode-se incluir a busca de uma abordagem específica de políticas públicas de tributação.
As mudanças trazidas pela reforma tributária reforça essa premissa de que politicas de tributação devem ser nas maiores mazelas sociais, como fome, moradia, educação, saneamento básico, segurança e dentro outros. A tributação pode ter um impacto significativo na vida de cada cidadão, porque se tratando de tributação sobre o consumo, ou seja, os tributos que incidem diretamente sobre bens e serviços que fazem parte do dia a dia de cada cidadão, se observa um deles em destaque, que é o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços que agora com a reforma tributária, será o IVA, unificado com outros impostos sobre o consumo como o ISSQN - Imposto sobre serviços de qualquer, partindo de uma análise crítica sobre o seu impacto social e a viabilização por parte dos entes federativos a fim de um equilíbrio e justiça fiscal.
Um exemplo desse impacto seria estes impostos excessivos sobre o consumo, que podem prejudicar o acesso à educação, saúde e outros serviços essenciais de competência do Estado e municípios além disso, a tributação pode afetar desproporcionalmente grupos vulneráveis da sociedade. Ou seja, no dia a dia de cada cidadão a grande carga tributária sobre o consumo também inviabiliza o acesso a alimentação, como por exemplo os preços enormes de produtos básicos da alimentação, como por exemplo itens de cesta básica, que com a reforma se observa a ampliação dessa redução para itens necessárias a diária das familias.
As políticas públicas exercem função de instrumentalização do Direito, e tratando-se de tributação e a competência entre os entes federativos para administrar seus recursos a fim de promover políticas públicas para atender as demandas sociais, buscando reduzir as desigualdades e promoção dos direitos essenciais. Tratando-se das bases tributarias para essas ações, dentre elas observa-se a riqueza acumulada8 pois demonstra a real capacidade contributiva de cada cidadão. Para fins da tributação, a riqueza é entendida como o patrimônio líquido dos contribuintes mais ricos da sociedade, que supere uma faixa de isenção legalmente estabelecida (SAEZ; ZUCMAN, 2019, p. 2). Logo, não há como não questionar a desigualdade tributária existente perante a capacidade econômica de cada cidadão, ou seja, os mais ricos permanecem ricos, e os mais pobres não tem perspectiva de desenvolvimento econômico, pois não há um processo analítico no sistema tributário que avalie de fato cada realidade social, no fim parece que os pobres pagam mais imposto e não veem o retorno dessa arrecadação nos serviços públicos.
Pensar nas políticas públicas como esperança na perspectiva de desenvolvimento socioeconômico e redução das desigualdades diante do cenário atual tende-se a desacreditar que a partir dessa reforma tributária que vem logo após uma pandemia, aprovada em 2023, a partir de um colapso tributário, mas se busca acreditar na pesquisa e educação como meios de transformação.
Conclusão
A tributação é um dos caminhos para se obter recursos a fim de cumprir com o papel do Estado de promover o bem-estar aos cidadãos visando o desenvolvimento socioeconômico e a redução das desigualdades sociais. A Constituição de 1988 trouxe um texto voltado aos direitos fundamentais, atentos ao bem-estar da coletividade, a fim de se ter um Estado Democrático de Direito. Tendo em vista que o sistema tributário nacional propicia uma alta arrecadação em especial oriunda dos tributos sobre o consumo, uma parcela substancial do orçamento governamental dessa arrecadação é alocada para financiar essas políticas. Logo, observa-se que existe grande potencial do Estado em promover mais ações que visem a redução das desigualdades sociais.
No sistema tributário brasileiro, a tributação mais excessiva é aquela sob os bens de consumo, que acaba resultando num prejuízo para os contribuintes de menor poder aquisitivo e também impacta o cidadão médio. A elevada arrecadação de tributos por parte do Estado é reflexo da grande carga tributária que no fim recai sobre cada cidadão que sente esse peso tributário nos seus consumos diários, mas ao mesmo tempo, não sentem os efeitos da arrecadação em contraprestação através de serviços essenciais públicos, sejam saúde, educação, segurança etc. E com a reforma há a esperança de mudança nesse cenário, onde o Estado rico em "arrecadação" será mais justo com a população no que tange as políticas públicas.
A partir da reforma tributária aprovada em 20239 através da EC 132/23 observa-se cenário de tributação mais justa, no sentido de redução da carga tributária sobre consumo, que é o que mais impacta na sociedade. Mas ainda se questiona se de fato as mudanças na lei irão atender às necessidades urgentes que se referem aos direitos fundamentais, e sanar as mazelas decorrentes de anos de problemas ocasionados por uma estrutura tributária injusta e de ausência de políticas públicas que atendessem de fato as questões socioeconômicas.
A questão da extrafiscalidade dos tributos10, ainda que constitucionalmente legítima, vem se sobrepondo aos objetivos fiscais, que revela um sistema tributário brasileiro complexo e pouco funcional em sua função essencial, embora tenha passado por mudanças ao longo dos anos, na perspectiva de melhorias que favoreçam a sociedade, mas que por razões políticas, muitas vezes carecem de verdadeiras ações que minimizem os problemas de pobreza.
Conclui-se que hoje a maneira como os impostos estão estruturados afeta diretamente a equidade na distribuição de renda, a competitividade das empresas e a capacidade do Estado de promover políticas sociais que de fato viabilizem a igualdade, e que assim possa atender a coletividade, e não favorecer uma minoria de gente que já tem uma capacidade econômica elevada ou também gente que é politicamente favorecida e se beneficia da alta arrecadação, retirando assim os direitos de outros cidadãos que não fazem parte dessa cadeia dos "mais elevados economicamente". E por fim, o rico fica cada vez mais rico, e o pobre cada vez mais pobre, pois edifica-se um país rico em arrecadação, mas que não tem capacidade de promover a justa distribuição de renda através de políticas públicas que fomentem o desenvolvimento econômico como geração de mais empregos e melhorias em serviços públicos essenciais.
O Brasil tem grande potencial de desenvolvimento, talvez com essas grandes mudanças trazidas pela reforma tributária, vislumbre-se novos rumos para uma justiça fiscal.
É preciso pensar outra estrutura tributária, analisando com afinco cada realidade social, talvez por meio de consultas públicas, ou tornando aberta a participação no processo de construção e discussão dessa reforma tributária, nessa fase de atuação, com a ajuda de especialistas acadêmicos, institutos e coletivos que objetivamente realizam pesquisas de campo, bem como especialistas na área tributária, para que se possa ter um cenário que seja realmente favorável a todos, respeitando, por fim, os direitos fundamentais, que são individuais, sem distinção, assim como prevê nossa Constituição Federal. E assim, a grande riqueza do país se baseará na justa distribuição tributária, revertida em condições dignas de vida para todos.
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1 Tributação e desenvolvimento econômico-social - Revista: site STJ
2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
3 SANTOS, Luis Felipe. Tributação sobre o Consumo no Brasil analisada sob o Princípio da Capacidade Contributiva. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Sergipe (UFS) disponível em: https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/15928/2/Luis_Felipe_Santos_Celestino.pdf. Acesso em 29 de outubro de 2023.
4 Art. 155, § 2º, inciso "I", Art. 153, § 3º, inciso "II", e Art, 154, da CFB/1988.
5 Função social dos tributos. Módulo 3. Site RS.GOV. http://glorinha.rs.gov.br/gov/wp-content/uploads/2018/05/EAD-2017-Mod_3-Fun%C3%A7%C3%A3o-Social-dos-Tributos.pdf - pag. 105. Acesso em 29 de outubro de 2023.
6 PINHEIRO, Camila. A Função Social dos Tributos. Artigo em 04/07/2016 às 11h25https://juridicocerto.com/p/dracamillapinheiro/artigos/a-funcao-social-dos-tributos-2450#google_vignette. Acesso em 29 de outubro de 2023.
7 BUCCI, Maria Paula, MÉTODO E APLICAÇÕES DA ABORDAGEM DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS (DPP). Revista Estudos Institucionais (2019) 16NOV. 2019.
8 MOREIRA, Antônio Marco. A tributação da riqueza como instrumento de redução da desigualdade. Monografia de conclusão de curso. Pós-Graduação. Tribunal de Contas União social no Brasil. Disponível em
9 Entenda a Reforma Tributária aprovada pela câmara; site Agencia Brasil, 2023 . Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-07/entenda-reforma-tributaria-aprovada-pela-camara. Acesso em 29 de outubro de 2023.
10 CINTRA, Marcos. Função dos impostos. Disponível em: https://www.marcoscintra.org/post/2007/06/25/a-fun%C3%A7%C3%A3o-dos-impostos Acesso em 29 de outubro de 2023.
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Referências
BUCCI, Maria Paula, MÉTODO E APLICAÇÕES DA ABORDAGEM DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS (DPP). Revista Estudos Institucionais (2019) 16 NOV. 2019.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
CINTRA, Marcos. Função dos impostos. Disponível em: https://www.marcoscintra.org/post/2007/06/25/a-fun%C3%A7%C3%A3o-dos-impostos Acesso em 29 de outubro de 2023.
DALLARI, Abreu, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado. 30a edição 2011.Editora Saraiva. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4977156/mod_resource/content/1/DALLARI.pdf Acesso em 29 de outubro de 2023.
DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. "Introdução: A Igualdade é importante? ".
Função social dos tributos. Módulo 3. Site RS.GOV. http://glorinha.rs.gov.br/gov/wp-content/uploads/2018/05/EAD-2017-Mod_3-Fun%C3%A7%C3%A3o-Social-dos-Tributos.pdf. Acesso em 29 de outubro de 2023.
MOREIRA, Antônio Marco. A tributação da riqueza como instrumento de redução da desigualdade. Monografia de conclusão de curso. Pós-Graduação. Tribunal de Contas União social no Brasil. Disponível em
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SANTOS, Luis Felipe. Tributação sobre o Consumo no Brasil analisada sob o Princípio da Capacidade Contributiva. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Departamento de CiênciasSociais Aplicadas da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Disponível em: https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/15928/2/Luis_Felipe_Santos_Celestino.pdf> Acesso em 29 de outubro de 2023.
Tributação e desenvolvimento economico-social - Revista: site STJ. TRIBUTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO-SOCIAL revisto 2.pdf (stj.jus.br). Acesso em 10 de outubro de 2023.


