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Aposentadoria das pessoas trans: Quando o tempo é injusto

Enquanto alguns celebram o mês do orgulho LGBTQIA+, a população trans ainda sofre exclusão previdenciária. Aposentadoria especial para pessoas trans é uma questão de dignidade e reconhecimento.

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Atualizado às 07:46

Junho é o mês do orgulho LGBTQIA+, momento em que se celebra a diversidade, mas também momento de encarar perguntas difíceis. Em meio a campanhas coloridas, logotipos adaptados e discursos sobre inclusão, uma parte da sigla continua sendo deixada de lado: o T, de travestis e transexuais. Há muito a comemorar, mas ainda existem realidades que não cabem na festa - como a exclusão previdenciária que atinge de forma dura a população trans.

Essa exclusão não é só simbólica. Está nos números e nas políticas públicas que simplesmente ignoram a realidade dessa população. De acordo com a ANTRA1, a expectativa de vida de pessoas trans no Brasil é de apenas 35 anos. Isso contrasta com a média nacional, que ultrapassa os 75. Ainda assim, o sistema previdenciário brasileiro aplica as mesmas regras para todas as pessoas, sem levar em conta esse abismo social.

Hoje, a idade mínima para aposentadoria é de 62 anos para mulheres e 65 para homens. Para pessoas trans essas regras também se aplicam mesmo que sem cirurgia de transgenitalização, mas desde que tenham retificados seus documentos - está é uma conquista relativamente recente, garantida pelo STF em 2018 no julgamento da ADI 4.275/DF2.

À primeira vista parece um avanço, mas há uma pergunta incômoda que precisa ser feita: de que adianta o direito de se aposentar aos 62 ou 65 anos se a maioria das pessoas trans morre antes de completar 40 anos?

Além da violência e da rejeição, há a exclusão do mercado de trabalho. Grande parte das pessoas trans é empurrada para a informalidade, ou sequer tem oportunidade de se manter na escola. A taxa de desemprego, a evasão escolar e a ausência de políticas de qualificação profissional dificultam qualquer chance real de contribuir com o INSS por 15 anos ou 20 anos - exigência mínima para se aposentar no Brasil.

Faltam políticas públicas que reconheçam essa desigualdade. Enquanto trabalhadores rurais, professores e pessoas com deficiência têm regras específicas de aposentadoria, levando em conta fatores como desgaste físico ou exclusão histórica, pessoas trans continuam invisíveis. O sistema insiste em tratá-las como se estivessem em pé de igualdade com a população cisgênera, ignorando completamente o contexto.

Ao invés de avançar nesse caminho, vemos propostas como o PL 684/223, que tenta impor o uso do sexo biológico para fins previdenciários, apagando identidades e indo na contramão de decisões do STF e da realidade.

Celebrar o orgulho não pode se limitar ao marketing de junho. É preciso pensar em políticas efetivas, que garantam não só visibilidade, mas dignidade. Aposentadoria antecipada para pessoas trans não é privilégio - é uma tentativa de corrigir, ainda que tardiamente, uma desigualdade estrutural.

Não se trata de dar mais a uns, mas de reconhecer que muitos recebem menos desde sempre.

O "T" da sigla não pode continuar sendo apenas uma letra no discurso. Ele precisa significar também tempo, trabalho, trajetória, e sobretudo, justiça.

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1 Em https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/ministerio-dos-direitos-humanos-e-da-cidadania-lanca-campanha-201cconstruir-para-reconstruir201d-em-alusao-ao-mes-da-visibilidade-trans#:~:text=A%20bandeira%20LGBTQIA%2B%20indica%20que,Travestis%20e%20Transexuais%20(Antra)

2 Em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2691371

3 Em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2318545

Davi Angelo Cordeiro Guimarães

Davi Angelo Cordeiro Guimarães

Bacharel em Direito pela Faculdade Milton Campos, pós-graduando em Regimes Próprios de Previdência Social pela ESMAFE, advogado previdenciarista do escritório Marcos André Advocacia Previdenciária.

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