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Desafios da perícia com iPhones sem porta física

Novo iPhone pode abolir portas físicas. Perícia digital terá que se adaptar ao acesso via nuvem, com riscos à cadeia de custódia e à validade jurídica das provas.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Atualizado às 13:33

Quem trabalha com Direito Digital e perícia técnica já está acostumado a acompanhar as atualizações de sistemas operacionais, ferramentas forenses e novas formas de armazenamento de dados. Mas o que está por vir exige mais do que adaptação: exige reinvenção.

iPhone portless?

O burburinho começou com publicações confiáveis como Bloomberg, 9to5Mac e El País. Todas apontam para a possibilidade de a Apple lançar um modelo do iPhone completamente sem porta física. Isso mesmo. Sem entrada para cabo algum. Nada de USB-C, nada de Lightning. Um iPhone totalmente dependente da nuvem para transferência de dados e métodos sem fio para recarregá-lo.

Essa possibilidade pode parecer apenas mais um avanço tecnológico. Mas para advogados que lidam com provas digitais e peritos encarregados de extrair informações de dispositivos móveis, o impacto é imenso.

Quando a extração é feita por cabo, o profissional tem controle sobre o processo. Conecta o aparelho, executa a ferramenta, preserva o conteúdo e documenta toda a cadeia de custódia. O processo é rastreável, verificável e, acima de tudo, seguro do ponto de vista jurídico.

Já no cenário em que só a nuvem está disponível, tudo muda. O perito dependerá do acesso ao iCloud. Isso pode exigir a senha do titular, autenticação em dois fatores e, muitas vezes, a boa vontade do sistema. Nem todos os dados ficam sincronizados. Muitos arquivos ficam fora da nuvem, especialmente os apagados, os que nunca foram configurados para backup ou os que estavam em apps de terceiros.

A cadeia de custódia, nesses casos, se fragiliza. E isso preocupa, porque o art. 158-A do CPP exige rigor nesse controle. Sem ele, a prova pode ser questionada. Imagine uma ação penal em que a única cópia de uma conversa está no iCloud, e a defesa alega que houve edição ou omissão. A discussão sobre a integridade será inevitável.

Além disso, o acesso à nuvem envolve dados sigilosos, protegidos pela Constituição e pela LGPD. O juiz precisará autorizar expressamente o acesso, e o perito deverá registrar tudo. Cada clique, cada login, cada tentativa. Tudo isso para garantir que a prova colhida será aceita e não anulada por vício formal.

É preciso dizer ainda que esse novo cenário pode limitar a ampla defesa. Um advogado que deseje fazer sua própria análise poderá não ter acesso completo aos dados se o cliente tiver perdido a senha da nuvem ou se o token de autenticação tiver expirado.

Na prática, os peritos precisarão reformular seus métodos. Ferramentas que antes eram indispensáveis por cabo agora precisarão integrar funções de acesso remoto. Já se fala em perícia indireta, baseada em logs de sincronização, relatórios de login e informações parciais.

É um desafio real. Mas também é uma oportunidade para o Direito se atualizar e para os profissionais do setor ampliarem sua capacidade técnica. A prova digital vai continuar existindo, mesmo que sem fio. O importante é garantir que ela continue sendo válida, íntegra e respeitosa aos direitos das partes envolvidas.

Por enquanto, o iPhone sem porta ainda é promessa. Mas tudo indica que ele chegará. E, quando isso acontecer, estaremos prontos?

Osvaldo Janeri Filho

Osvaldo Janeri Filho

Especialista em Inteligência Jurídica Aplicada. Membro da Comissão de Direito Digital e da Direito Bancário da OAB Cientista, Autor, Palestrante.

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