MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Aplicação do princípio da causalidade na imputação dos ônus sucumbenciais

Aplicação do princípio da causalidade na imputação dos ônus sucumbenciais

Bruno de Almeida Lewer Amorim

Mesmo vencendo a ação, a parte pode arcar com honorários se tiver dado causa à demanda. O princípio da causalidade supera a mera análise do resultado final.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Atualizado em 4 de julho de 2025 15:08

Nos termos do art. 85 do CPC, a sentença condenará o vencido ao pagamento dos honorários sucumbenciais.

A regra é clara. Será mesmo?

Seria possível vislumbrar uma hipótese na qual o vencedor no processo judicial venha a ser condenado ao pagamento dos honorários de sucumbência?

Pensemos a seguinte situação: Benício adquiriu um imóvel ainda em construção junto à Incorporadora X. Extrapolado o prazo contratual, sem a devida conclusão das obras, Benício opta pela resolução contratual por culpa da incorporadora, com os seus pedidos sendo julgados procedentes. Em razão da ausência de cumprimento voluntário da condenação, Benício inicia o cumprimento de sentença, onde é utilizada pelo juízo a CNIB - Central Nacional de Indisponibilidade de Bens para indisponibilização dos bens imóveis localizados em nome da Incorporadora X. Ocorre que, após a indisponibilização de um dos imóveis localizados, são opostos embargos de terceiro por Frederico, ao argumento de que o imóvel sobre o qual foi lançada a indisponibilidade teria sido por ele adquirido há oito anos atrás, mediante promessa de compra e venda, muito embora até o momento não tenha sido lavrada a escritura pública de compra e venda e nem efetivada a transferência da propriedade perante o registro de imóveis competente. Seguindo a jurisprudência do STJ, a sentença acolhe os embargos de terceiro, retirando a indisponibilidade lançada, uma vez que a alegação de posse adveio de compromisso de compra e venda, como demonstrado por Frederico (SÚMULA 84, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/06/1993, DJ 2/7/1993, p. 13283).

Além do mais, a celebração do contrato por Frederico deu-se muito antes da distribuição da ação de conhecimento para resolução contratual pelo embargado Benício contra a Incorporadora X.

Nesse caso, quem deverá ser condenado ao pagamento de honorários sucumbenciais?

Em princípio, aplicando-se o disposto no art. 85, poderíamos concluir que a condenação deveria recair sobre os embargados, posto que vencidos nos embargos de terceiro acolhidos pelo juiz.

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

Não obstante, isso não parece justo nem tampouco razoável, uma vez que não foi o embargado quem deu causa aos embargos, mas sim o próprio embargante, posto que foi a sua demora que ocasionou a "imprecisão registral", ou seja, que levou ao lançamento de indisponibilidade em imóvel que, não obstante alienado - ou sob promessa de alienação - ainda constava como compondo o patrimônio da Incorpora executada, do ponto de vista das informações registrais.

Para resolver o caso adequadamente, devemos recorrer à súmula 303 do STJ, a qual estabelece a necessidade de observância ao critério da causalidade para adequada atribuição do ônus sucumbencial nesse caso:

Súmula 303, STJ

"Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios".

No exemplo apresentado, fica claro que quem deu causa à constrição indevida foi o próprio embargante, e, também, a Incorporadora X, uma vez que não efetivaram a transferência da propriedade, vulnerabilizando a própria integridade das informações constantes do sistema registral e levando a uma constrição indevida, com movimentação da máquina judiciária para saneamento do erro.

Tem-se, então, uma situação em que o vencedor na demanda será condenado ao pagamento de honorários ao advogado do vencido.

Importante, porém, atentar para o teor do Tema Repetitivo 872 do STJ, onde a Corte firmou a seguinte tese:

"Nos Embargos de Terceiro cujo pedido foi acolhido para desconstituir a constrição judicial, os honorários advocatícios serão arbitrados com base no princípio da causalidade, responsabilizando-se o atual proprietário (embargante), se este não atualizou os dados cadastrais. Os encargos de sucumbência serão suportados pela parte embargada, porém, na hipótese em que esta, depois de tomar ciência da transmissão do bem, apresentar ou insistir na impugnação ou recurso para manter a penhora sobre o bem cujo domínio foi transferido para terceiro".

Ou seja, se, após o esclarecimento da situação, com a ciência da transmissão do bem, o embargado ainda assim apresentar ou insistir na impugnação ou recurso para manter a penhora sobre o bem transferido para terceiro, os encargos de sucumbência lhe serão atribuídos.

Por óbvio, haverá casos em que existirão dúvidas razoáveis sobre a boa-fé ou não daquele que se diz adquirente ou sobre a ocorrência de possível fraude contra credores ou à execução, sendo necessário que o juízo avalie cuidadosamente a existência de impugnação razoável ou não por parte do embargado antes de lhe atribuir quaisquer ônus sucumbenciais. Por certo, o STJ, no Tema 872, está a referir-se a situações de impugnação manifestamente descabida.

Lembramos, por fim, que a  turma do STJ reiterou jurisprudência recente no sentido de que, "na execução civil entre particulares, é possível a utilização da CNIB - Central Nacional de Indisponibilidade de Bens", devendo tal medida, porém, ser adotada de maneira subsidiária, "após o esgotamento dos demais meios para obter o pagamento da dívida".1

Nesse sentido, vejamos o teor do REsp 2141068/PR, de relatoria da ministra Nancy Andrighi:

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INDISPONIBILIDADE DOS BENS. CNIB. POSSIBILIDADE. MEDIDA ATÍPICA. SUBSIDIARIEDADE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 1. Execução de título extrajudicial, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 29/1/2023 e concluso ao gabinete em 3/5/2024. 2. O propósito recursal consiste em decidir se é cabível a utilização da CNIB - Central Nacional de Indisponibilidade de Bens em execução de título extrajudicial ajuizada por particular. 3. O art. 185-A do Código Tributário Nacional estabelece que "na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos". 4. Com fundamento nos art. 185-A do CTN e art. 30, III, da lei 8.935/94, o Conselho Nacional de Justiça instituiu a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) com a finalidade de receber e divulgar, aos usuários do sistema, as ordens de indisponibilidade que atinjam patrimônio imobiliário indistinto (Provimento 39/2014). 5. A partir da declaração de constitucionalidade do art. 139, IV, do CPC pelo STF (ADI 5.941/DF, DJe 9/2/2023), bem como com amparo no princípio da efetividade da jurisdição (arts. 4º e 6º do CPC), as Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte têm decidido pela possibilidade de utilização da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) nas demandas cíveis, de maneira subsidiária, isto é, desde que exauridos os meios executivos típicos, nos termos do REspn. 1.963.178/SP,  turma, DJe de 14/12/2023 e REsp 1.969.105/MG, Quarta Turma, DJe 19/9/2023. 6. No particular, deve ser mantido o acórdão estadual que, após o retorno negativo das diligências realizadas por meio dos Sistemas SisbaJud e RenaJud, determinou a indisponibilidade dos bens dos recorrentes via CNIB. 7. Recurso especial conhecido e desprovido. (Grifos nossos).

RECURSO ESPECIAL 2141068/PR (24/0156955-0) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Tal conclusão representa relevante alteração no entendimento da Corte Superior acerca da interpretação dos arts. 185-A do CTN e 4º do provimento 39/14 do CNJ.

A mudança de entendimento é elogiável e se coaduna com ideais de efetividade e celeridade da jurisdição, incluindo as atividades satisfativas (arts. 4º e 6º do CPC).

_______

1 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/04022025-Central-Nacional-de-Indisponibilidade-de-Bens-pode-ser-usada-na-execucao-de-titulo-extrajudicial-.aspx

Bruno de Almeida Lewer Amorim

Bruno de Almeida Lewer Amorim

Mestre em Direito Privado. Sócio do Escritório Cesar Fiuza Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca