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Valuation em tempos de mercado descontado

A baixa nos preços dos ativos brasileiros exige mais do que otimismo: requer método, análise profunda e estratégia multidisciplinar.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Atualizado às 10:58

Em um contexto onde o Ibovespa flerta com ciclos de desvalorização, os juros permanecem elevados e o risco fiscal segue em destaque, surge uma percepção recorrente entre investidores: o mercado brasileiro está "barato". Mas o que, exatamente, significa um mercado barato? Essa pergunta, por si só, já indica o risco de análises rasas ou simplistas que ignoram a complexidade do valuation em ambientes adversos. 

Warren Buffett popularizou a ideia de que "preço é o que você paga, valor é o que você recebe". Essa distinção nunca foi tão necessária quanto agora. Em tempos de mercado descontado, o verdadeiro desafio está em separar empresas momentaneamente subavaliadas daquelas estruturalmente comprometidas. Um ativo pode estar barato em relação ao passado, mas se sua capacidade de gerar valor futuro estiver corroída, pode se revelar uma armadilha. 

A valorização ou não de uma empresa está diretamente relacionada à qualidade da sua governança, à composição de sua estrutura de capital e à sua resiliência diante de choques econômicos. Para avaliar esse potencial, métodos tradicionais como múltiplos de mercado e fluxo de caixa descontado precisam ser ajustados a uma nova realidade: de instabilidade institucional, volatilidade cambial e custos crescentes de financiamento. 

É nesse cenário que o valuation multidimensional ganha protagonismo. Na prática, temos utilizado abordagens combinadas, que incluem, além do DCF tradicional, simulações de estresse macroeconômico, análise de ativos tangíveis e intangíveis, e avaliação de riscos jurídicos e regulatórios. Esse tipo de análise integrada oferece maior precisão ao valor estimado e permite negociações mais eficientes e seguras em processos de M&A, disputas societárias e até mesmo reestruturações judiciais. 

Outro fator crítico é o impacto do custo de capital. A taxa Selic, mantida em patamares historicamente elevados, não apenas encarece o crédito, mas também reduz o valor presente dos fluxos de caixa futuros. Isso pressiona para baixo o valuation de empresas altamente alavancadas ou dependentes de expansão orgânica. Em contrapartida, empresas com estrutura de capital sólida e receitas dolarizadas tendem a manter valor, mesmo em mercados de baixa. 

Temos ainda o fator reputacional. Em momentos de crise, ativos com governança opaca ou passivos ocultos são rapidamente punidos pelo mercado. Por isso, é cada vez mais comum que due diligences contemplem, além da dimensão contábil-financeira, os aspectos ESG, passivos trabalhistas, riscos ambientais e questões tributárias ainda não judicializadas. 

A percepção de que o mercado está barato, portanto, não pode ser tratada como sinal inequívoco de oportunidade. É preciso método, discernimento e preparo técnico para identificar o verdadeiro valor onde o ruído da crise ainda domina. Como afirmava Benjamin Graham, mentor de buffett, "o mercado é uma máquina de votar no curto prazo, mas uma balança no longo prazo". E é justamente nesse equilíbrio de visão, entre a realidade e a projeção, que o valuation responsável se constrói. 

Marcello Guimarães

Marcello Guimarães

Marcello é um advogado experiente em diversas áreas, atual presidente da SWOT Global Consulting, com atuação em perícia e assistência técnica.

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