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Memento mori: Do estoicismo à preparação da sucessão de uma empresa

Uma reflexão sobre finitude, poder e legado: do estoicismo à urgência do planejamento sucessório nas empresas familiares. Memento Mori - prepare sua empresa para o futuro.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Atualizado às 13:26

Eu sempre gostei de enxergar a filosofia como uma ferramenta prática para se viver melhor. Foi aí que conheci o estoicismo (antes mesmo de virar hype) e o clássico "Memento Mori", uma expressão que ecoa através dos séculos como um lembrete solene e inescapável da finitude da vida. Traduzida livremente, significa "lembre-se de que você irá morrer". Sua essência vai muito além de um simples aviso sobre a mortalidade; trata-se de um convite à reflexão sobre a brevidade da existência e a necessidade de viver com significado.

Este lembrete foi amplamente utilizado na Roma antiga, especialmente em celebrações de triunfos militares. Diz-se que, quando um general romano retornava vitorioso de uma campanha, um servo caminhava ao seu lado sussurrando "Memento Mori", para que a glória do momento não o cegasse para a inevitável decadência da carne e a efemeridade do poder.

A filosofia estoica, representada por grandes pensadores como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio, adotou essa expressão como um pilar de sua visão de mundo. Para eles, a contemplação da morte não era uma obsessão fúnebre, mas um instrumento de vida: ao aceitá-la, poderíamos encontrar liberdade, clareza e propósito.

Mas se a inevitabilidade da morte é um fato que atravessa a existência humana, por que tantos a ignoram? E mais importante: por que tantos empresários, que dedicam suas vidas a construir impérios, se recusam a aceitar que um dia precisarão passar o bastão?

O empresário e a negligência na sucessão

O fundador de uma empresa - principalmente das empresas de natureza familiar - é, muitas vezes, aquele que superou infinitas barreiras para construir o seu negócio. No Brasil não são poucas as histórias do empresário que saiu de uma condição financeira subsistencial para o sucesso em algumas poucas décadas. É esse empresário que se vê como a alma do negócio, a força motriz que construiu tijolo por tijolo um sonho que tomou forma. Mas é esse empresário que também pede para bater três vezes na madeira quando o assunto é: a sua morte. 

A maior parte dos empresários evita falar sobre sucessão por uma mistura de negação e medo: "Deus me livre, doutor!". Para muitos, planejar a própria sucessão é admitir sua própria mortalidade e que os anos de ouro estão mais distantes no passado. Adiar essa conversa, no entanto, não afasta a realidade, apenas a torna mais cruel quando ela inevitavelmente chega.

É aqui que surgem as histórias que todos conhecemos: impérios empresariais desmoronando com a falta de um sucessor preparado, herdeiros disputando um espólio sem organização, empresas afundando em um mar de indecisão e falta de liderança. O que foi construído ao longo de décadas pode ruir em poucos meses.

É o apego ao poder, muitas vezes confundido com senso de responsabilidade, o maior erro de um líder.

As dores de não se preparar

A falta de planejamento sucessório traz consigo uma série de problemas que vão muito além do ambiente corporativo. As consequências podem ser devastadoras tanto para a empresa quanto para os herdeiros.

1. Custos elevados e burocracia do inventário

Quando um empresário falece sem um plano sucessório, a empresa é imediatamente lançada em um processo burocrático que pode consumir recursos valiosos e paralisar as atividades. O inventário, por exemplo, pode levar anos para ser concluído, resultando em custos altíssimos com impostos, taxas e honorários advocatícios.

Considere uma empresa familiar que opera com um fluxo de caixa enxuto. Durante o processo de inventário, os herdeiros podem enfrentar dificuldades em acessar recursos financeiros essenciais para a continuidade do negócio. Com contas a pagar e folhas de pagamento a serem honradas, a empresa pode entrar em déficit rapidamente, comprometendo sua saúde financeira. Por exemplo, uma empresa que depende de contratos de fornecimento pode perder clientes importantes devido a atrasos no cumprimento de suas obrigações.

Além disso, é comum que o inventário inclua bens imobilizados, como propriedades e máquinas. A impossibilidade de vender ou utilizar esses ativos durante o processo pode impactar diretamente as operações da empresa, criando um ciclo de dificuldades financeiras.

2. Brigas familiares e disputas judiciais

Sem um planejamento claro, é comum que os herdeiros entrem em conflito sobre quem deve assumir o comando da empresa. Disputas entre familiares podem gerar divisões irreparáveis, arrastando a empresa para um cenário de instabilidade e perda de credibilidade no mercado.

3. Risco de colapso empresarial

Muitas empresas são construídas em torno da figura central de seu fundador. Sem um sucessor preparado, a empresa pode perder sua direção estratégica, ver sua cultura diluída e, em casos extremos, ser levada à falência.

O planejamento sucessório como pilar da continuidade

A preparação para a sucessão empresarial não é apenas uma questão burocrática; é uma estratégia vital para garantir que a empresa sobreviva e prospere através das gerações. Para isso, é essencial utilizar os seguintes instrumentos:

  • Holding familiar: Permite uma estrutura patrimonial organizada, facilitando a transição de liderança;
  • Acordos societários: Determinam regras claras sobre participação, decisões e gestão empresarial;
  • Governança corporativa: Estruturas como conselhos de administração garantem a profissionalização da gestão;
  • Treinamento dos sucessores: O herdeiro ou futuro gestor deve ser preparado com tempo e experiência antes de assumir o comando;
  • Planejamento tributário e jurídico: Estratégias para minimizar o impacto fiscal da sucessão;
  • Criação de cultura empresarial sólida: Formar líderes internos e garantir que a essência da empresa transcenda sua liderança.

A empresa é um organismo vivo, que cresce, evolui e se adapta. Mas, para isso, precisa ser preparada para continuar existindo mesmo na ausência de seu fundador. Isso significa cultivar talentos, estabelecer processos claros e garantir que cada decisão tomada hoje contribuirá para a longevidade do negócio amanhã.

Se o "Memento Mori" nos ensina que a morte é certa, então cabe a nós decidir como lidaremos com essa realidade. A sucessão não é um evento, mas um processo. Quanto antes começarmos a prepará-lo, maiores são as chances de garantir que aquilo que construímos não se perca com o tempo.

Giovani Riboli Beirigo

VIP Giovani Riboli Beirigo

Pós-graduado em Direito Empresarial, com especialização em Direito Societário, Governança Corporativa e atividades de M&A. Fundador do Baum, Beirigo & Milani Adv, empresário, palestrante e professor.

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