Governança jurídica e contratos automatizados: A relevância da Declaração de Shanghai
A colaboração entre sistemas jurídicos pode tornar os contratos inteligentes mais seguros, interoperáveis e eficazes no comércio global.
segunda-feira, 14 de julho de 2025
Atualizado em 11 de julho de 2025 14:20
A Declaração de Shanghai permanece um dos principais alicerces normativos para a construção de uma infraestrutura jurídica global voltada ao comércio digital automatizado. Adotado em 2021 pela UNCITRAL - United Nations Commission on International Trade Law, o documento ganha novo fôlego após os debates do International Symposium on Automated Contracting, realizado este ano, que reuniu juristas, formuladores de políticas e especialistas em tecnologia para discutir os limites e potencialidades do direito diante da crescente codificação das relações comerciais.
A digitalização contratual deixou de ser uma tendência emergente e passou a integrar de forma orgânica os sistemas comerciais internacionais. Plataformas de smart contracts, agentes autônomos de negociação e cláusulas autoexecutáveis não apenas desafiam a dogmática jurídica tradicional, como também exigem uma nova abordagem regulatória que garanta previsibilidade, interoperabilidade e segurança jurídica.
No simpósio, especialistas destacaram que a ausência de uma estrutura jurídica internacional harmonizada é um dos principais entraves à adoção plena dos contratos automatizados em escala global. Ao abordar diretamente esse desafio, a Declaração de Shanghai reconhece o papel das tecnologias emergentes, como blockchain, inteligência artificial e contratos automatizados, no comércio internacional. Hoje, essas tecnologias já não são meras promessas, estão integradas às cadeias logísticas, sistemas de pagamentos e plataformas de resolução de conflitos online.
Além disso, o documento antecipa questões centrais do debate contemporâneo: como preservar a autonomia da vontade em ambientes automatizados? Como garantir due process quando decisões são delegadas a algoritmos? Como assegurar a autenticidade, integridade e imputabilidade de atos jurídicos praticados por smart systems? Embora o texto não responda diretamente a todas essas indagações, ele estabelece fundamentos que vêm sendo invocados por tribunais, reguladores e legisladores no processo de formulação de regras específicas sobre o tema.
Sua influência também é perceptível nas discussões em curso na OMC - Organização Mundial do Comércio sobre regras para o comércio eletrônico, bem como nas diretrizes técnicas da OCDE e nos relatórios recentes do Banco Mundial sobre governança digital.
Sua aplicação prática pode ser observada em reformas legislativas nacionais e em iniciativas de model laws sobre contratos digitais e governança algorítmica. A proposta de vinculação funcional entre soft law e hard law, um dos principais pontos debatidos no simpósio, também está prevista na Declaração, que atua como elo entre princípios universais e normas vinculantes.
O simpósio também destacou os desafios operacionais que persistem: diferenças no grau de maturidade regulatória, ausência de padrões técnicos globais, lacunas na responsabilização de sistemas automatizados e escassez de jurisprudência consolidada. Para enfrentar tais obstáculos, o texto propõe uma abordagem colaborativa e orientada à interoperabilidade, promovendo o diálogo entre ordenamentos jurídicos e sistemas tecnológicos, e estimulando a criação de ecossistemas regulatórios abertos à inovação, mas sustentados por garantias jurídicas robustas.
Em suma, a Declaração de Shanghai é mais relevante em 2025 do que nunca. Longe de ser um documento apenas simbólico, ela constitui um guia estratégico para governos e instituições que buscam adaptar-se a um mundo em constante transformação tecnológica. Ao mesmo tempo, promove valores universais como segurança jurídica, inclusão digital, igualdade de acesso e transparência, pilares indispensáveis para uma economia digital democrática e sustentável.



