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Cota imobiliária: "Fizeram uma festa e prometeram o investimento da minha vida"

Entenda a estratégia de venda cada vez mais comum no mercado de cotas imobiliárias, que tem iludido milhares de consumidores em todo o país.

sábado, 19 de julho de 2025

Atualizado em 18 de julho de 2025 15:23

O mercado da multipropriedade tem adotado um modelo de venda emocional cuidadosamente estruturado, que transforma o momento de decisão de compra em um espetáculo sensorial. Tudo é planejado: o ambiente festivo, a trilha sonora envolvente, o discurso treinado dos vendedores e, em muitos casos, a oferta de bebidas alcoólicas à vontade. Em um curto espaço de tempo, o consumidor é levado da euforia ao compromisso contratual - e, na maioria das vezes, sem ter lido uma linha sequer do contrato.

Essas abordagens, muitas vezes realizadas em praias, hotéis e resorts, são pensadas para enfraquecer o discernimento crítico do consumidor e apelar para a promessa de um estilo de vida exclusivo, aliado a supostos retornos financeiros garantidos. Os vendedores apresentam gráficos, falam em valorização imobiliária, citam redes internacionais de hospedagem e até oferecem a ilusão de que o consumidor será um investidor do setor turístico. Entretanto, ao fim da reunião, o que está sendo assinado é um contrato com obrigações permanentes e cláusulas que favorecem apenas a empresa vendedora. Trata-se de uma contratação feita sob forte influência emocional, o que compromete diretamente a validade do consentimento.

Muitos contratantes descobrem apenas meses ou anos depois que todas as promessas iniciais não passam de uma estratégia agressiva apenas para fechamento de contrato, não sendo nem de perto reais todos os benefícios que prometem. Além disso, surpreendem-se com cobranças inesperadas, como taxas condominiais, administrativas e de manutenção, que se estendem por tempo indeterminado, mesmo que o consumidor não use.

Do ponto de vista jurídico, esse tipo de conduta viola diversos dispositivos do CDC. O art. 6º, inciso III, assegura ao consumidor o direito à informação clara e adequada, o que não ocorre em uma venda realizada em ambiente festivo, sob pressão e com linguagem comercial sedutora. O art. 39, inciso IV, proíbe práticas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que explorem sua vulnerabilidade. E o art. 51, por sua vez, considera nulas as cláusulas que estabeleçam obrigações desproporcionais, dificultem o exercício de direitos ou imponham penalidades excessivas. Ou seja, além de eticamente reprovável, a venda emocional baseada em manipulação e omissão de informações é ilegal e passível de anulação judicial. A chamada multipropriedade, apesar de apresentada como inovação no mercado imobiliário, tem sido explorada por empresas que adotam práticas comerciais agressivas, abusando da boa-fé dos consumidores.

É fundamental que o consumidor que tenha passado por uma experiência de venda como essa saiba que não está desamparado. A venda emocional viola princípios legais, compromete a validade do contrato e autoriza a sua anulação judicial. Ninguém é obrigado a permanecer vinculado a um contrato firmado sob pressão, omissão de informações ou embriaguez induzida. Em casos como esse, a orientação jurídica especializada é essencial para avaliar a viabilidade da rescisão, pleitear a devolução dos valores pagos e proteger o patrimônio e a dignidade do consumidor.

Este artigo tem caráter exclusivamente informativo e busca promover a educação jurídica do consumidor sobre os riscos e cuidados envolvidos na aquisição de cotas imobiliárias e imóveis sob o regime de multipropriedade. Em caso de dúvida ou necessidade de análise jurídica do seu contrato, recomenda-se buscar orientação profissional qualificada.

Hido Alves

Hido Alves

Advogado Especialista em Contratos Imobilários. Pós-graduado em Direito Imobiliário e Internacional. Atuo contra práticas abusivas de Incorporações Imobiliárias e Construtoras defendendo Consumidores.

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