Cidadania por nascimento nos EUA e os efeitos da nova ordem
O artigo explica como uma nova decisão pode mudar o acesso à cidadania por nascimento nos EUA, afetando estudantes, gestantes estrangeiras e o mercado bilionário do turismo de parto.
quarta-feira, 16 de julho de 2025
Atualizado às 11:21
A cidadania por nascimento nos Estados Unidos, garantido pela 14ª emenda da Constituição, sempre foi considerada um dos pilares da democracia americana. No entanto, esse princípio voltou ao centro das atenções após uma decisão da Suprema Corte dos EUA, que não alterou diretamente o texto constitucional, mas abriu caminho para mudanças significativas na prática.
A 14ª emenda, adotada em 1868, afirma que "todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à jurisdição dos mesmos, são cidadãos dos Estados Unidos". Essa redação foi confirmada em 1898 pela Suprema Corte no caso United States v. Wong Kim Ark, que reconheceu o direito à cidadania de filhos de imigrantes nascidos nos EUA, mesmo que seus pais não fossem cidadãos americanos. Esse entendimento estabeleceu o princípio do jus soli, ou seja, o direito à cidadania com base no local de nascimento, como norma constitucional americana.
Ao longo dos anos, diferentes administrações abordaram o tema da cidadania por nascimento de formas distintas. O governo Obama (2009, 2017) manteve a tradição constitucional sem propor mudanças. Ainda que existissem pressões políticas para revisar o jus soli, a Casa Branca reafirmou a proteção plena do direito à cidadania a todos os nascidos em solo americano. O governo Trump (2017, 2021) manifestou interesse em revisar esse entendimento por meio de declarações públicas e, posteriormente, por meio de propostas de ordens executivas. Em 2018, Trump afirmou que haveria possibilidade de limitar o direito à cidadania por nascimento por meio de ato administrativo, embora nenhuma medida concreta tenha sido adotada naquele período. O governo Biden (2021, 2025) reafirmou a interpretação tradicional da 14ª emenda, mantendo a cidadania automática para todos os nascidos nos EUA.
Com o retorno de Trump à presidência em 2025, a temática foi novamente retomada. Em 20/1/25, foi assinada a Ordem Executiva 14160, estabelecendo que apenas filhos de cidadãos americanos ou de residentes permanentes legais seriam elegíveis à cidadania americana ao nascimento. A ordem passou a adotar nova interpretação da cláusula "sujeitos à jurisdição dos Estados Unidos" contida na 14ª emenda. A medida abrange filhos de turistas, estudantes, trabalhadores temporários e imigrantes em situação irregular.
Em resposta, tribunais Federais concederam liminares com alcance nacional para suspender os efeitos da ordem. Essa abrangência, porém, foi revista pela Suprema Corte dos EUA no caso Trump v. CASA (Docket 24A884), decidido em 27/6/25. A Corte determinou que tribunais inferiores não possuem competência para emitir medidas com alcance nacional, devendo tais decisões restringir-se às partes envolvidas no processo ou às jurisdições diretamente afetadas.
Com isso, a aplicação da Ordem Executiva 14160 passou a depender da existência ou não de medidas judiciais locais. Estados como Nova Jersey, Washington, Oregon, Colorado e Illinois possuem liminares que mantêm vigente o reconhecimento da cidadania por nascimento em seus territórios. Em contrapartida, em estados onde não foram protocoladas ações, a nova interpretação pode ser aplicada a partir de 27/7/25.
Essa diferença de aplicação pode ter reflexos significativos para famílias em diversas situações migratórias. Em especial, gestantes estrangeiras com vistos temporários ou em situação irregular, residentes em Estados sem proteção judicial, poderão ter filhos não reconhecidos automaticamente como cidadãos americanos. Isso pode impactar o acesso à documentação civil, ao sistema de saúde, à educação e a outros serviços essenciais.
Organizações da sociedade civil, anunciaram novas medidas judiciais e ações coletivas. O governo Federal foi designado a apresentar um plano de implementação da ordem até o dia 27/7/25. Paralelamente, o Congresso debate propostas legislativas para esclarecer ou reformar a interpretação da 14ª emenda.
A nova interpretação também alcança estudantes estrangeiros em situação regular no país. Famílias que planejam estender sua permanência nos Estados Unidos para fins acadêmicos ou profissionais, e que previam a possibilidade de regularização futura por meio do nascimento de um filho, deverão considerar as novas diretrizes vigentes em cada estado. Em alguns casos, o nascimento não resultará em cidadania automática e, portanto, não gerará o direito de peticionar para os pais no futuro via processo I-130.
Além disso, a mudança impacta uma prática conhecida como "turismo de parto", em que mulheres estrangeiras viajam aos Estados Unidos com a intenção de dar à luz no país e garantir cidadania ao recém-nascido. Essa possibilidade, antes considerada uma alternativa para planejamento migratório de longo prazo, pode não estar mais disponível em determinadas jurisdições. Estima-se que o mercado global de turismo de parto tenha movimentado aproximadamente 296 milhões de dólares em 2025, com expectativa de crescimento para cerca de 460 milhões até 2032. Nos Estados Unidos, o setor foi responsável por mais de 33 mil nascimentos por ano, movimentando aproximadamente 78,8 milhões de dólares. As implicações jurídicas, econômicas e administrativas dessa mudança estão em observação por diferentes setores da sociedade e deverão ser acompanhadas nos próximos meses.


