Mudanças no edital TEMFC 36 e impactos legais para médicos do Programa Mais Médicos
Mudanças no Edital TEMFC 36 surpreendem médicos do PMMB, violam segurança jurídica e dificultam titulação, afetando sua efetivação na AgSUS
quarta-feira, 16 de julho de 2025
Atualizado às 14:48
1 - Entenda o que é o TEMFC
O TEMFC é um concurso composto por provas teórico e teórico-prática para os médicos interessados em obter o Título de Especialista em Medicina de Família e Comunidade. O exame de suficiência é realizado pela SBMFC - Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, com chancela da AMB - Associação Médica Brasileira.
Está em sua 36ª edição e, agora, com algumas novidades como a participação de médicos que concluíram 2 anos de atuação no PMMB - Programa Mais Médicos pelo Brasil e foram aprovados em todas as etapas do curso de especialização.
No caso dos médicos participantes do Programa Mais Médicos, essa prova é a terceira fase da seleção prevista pela lei 13.958/19, além de ser obrigatória para a efetivação contratual na AgSUS - Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS.
2 - O que mudou no edital 36
Além da participação de médicos do PMMB, a edição mais recente do exame (TEMFC 36), publicada pela SBMFC, apresentou alterações inesperadas, como:
- Elevação da nota de corte para eliminação: de 50 para 60 pontos na soma das provas teórica e teórico-prática;
- Aumento da nota mínima de aprovação: de 60 para 70 pontos na nota final, sendo a nota final a soma das notas da prova teórico e teórico-prática (0 a 90 pontos) e da nota do currículo (0 a 10 pontos);
- Supressão da pontuação mínima na avaliação curricular: experiência profissional passa a contar zero ponto se a grade curricular não for preenchida, mesmo que o médico tenha atuado integralmente na APS - Atenção Primária à Saúde por dois anos dentro do PMMB.
Ocorre que essas alterações foram feitas sem aviso prévio, sem transição normativa e sem estudo técnico divulgado, atingindo diretamente os médicos do PMMB.
Em comunicado feito pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade no dia 15/7/2025, foi informado que o concurso em questão não corresponde à prova final prevista na legislação que estabeleceu o PMMB, mas também não esclareceu qual seria, então, a prova final.
Ao passo que a descrição de prova final descrita na lei 13.958/19, que instituiu o Programa Mais Médicos pelo Brasil, se enquadra perfeitamente ao TEMFC, vejamos:
Art. 27. O processo seletivo para médico de família e comunidade será composto das seguintes fases:
I - prova escrita, de caráter eliminatório e classificatório;
II - curso de formação, eliminatório e classificatório, com duração de 2 (dois) anos; e
III - prova final escrita para habilitação do profissional como especialista em medicina de família e comunidade, de caráter eliminatório e classificatório.
Aqui, importante esclarecer que os responsáveis pela organização de um concurso não podem se apoiar no princípio da discricionariedade administrativa e realizar uma alteração editalícia que viole a isonomia, a razoabilidade e os demais princípios da administração pública.
Pela margem de liberdade conferida à administração pública é que são definidos os critérios de avaliação aplicados aos candidatos. Essa liberdade, no entanto, não é ilimitada e deve ser exercida com base em critérios objetivos.
Quanto às alterações nos critérios de avaliação mencionadas, a SBMFC deveria ter apresentado publicamente as motivações das mudanças; disponibilizado estudo técnico demonstrando os impactos das alterações; submetido a proposta para aprovação interna da comunidade médica; e encaminhado todos os documentos à AMB - Associação Médica Brasileira, que analisaria a proposta de alterações e, caso necessário, conduziria as alterações à CME - Comissão Mista de Especialidades.
O que aconteceu na prática, no entanto, foi que as alterações foram implementadas sem qualquer transparência ou discussão prévia com a categoria. Os médicos só tomaram conhecimento das mudanças com a publicação do edital de abertura do concurso.
As provas teórico e teórico-prática foram aplicadas no dia 6/7/2025 e muitos candidatos foram prejudicados sem aviso prévio, o que viola princípios básicos que regem a administração pública, como a isonomia, a eficiência, a moralidade e a boa-fé.
3 - Violação à segurança jurídica
A segurança jurídica é um pilar do Estado de Direito. Ela garante que o cidadão possa confiar nos atos públicos e se planejar com estabilidade.
No caso dos médicos do PMMB:
- Eles aderiram a uma política pública, cumpriram os requisitos, e concluíram a formação com base em um marco legal claro e objetivo.
- A mudança de regras "em cima da hora" do exame quebra essa confiança, pois muda as condições depois da formação ter sido concluída.
- Isso representa violação direta do direito adquirido, além de desrespeitar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade de tratamento.
Como consequência, os médicos ficam sem saber como serão avaliados, e podem sofrer penalidades que não estavam previstas quando iniciaram sua jornada no programa.
4 - Consequências práticas dessas alterações para os médicos do PMMB
Médicos que se formaram dentro do PMMB com 2 anos de atuação supervisionada e carga horária superior a 2.880h/ano, agora enfrentam desvantagens competitivas em relação a colegas que se inscreveram em edições anteriores.
O novo critério ignora essa experiência relevante, inviabilizando a obtenção do título, o que pode resultar no desligamento do programa ou perda da oportunidade de efetivação na AgSUS.
A situação afeta diretamente a expectativa legítima de continuidade profissional, planejada com base nos critérios anteriores.
5 - O que um candidato prejudicado pode fazer?
Quando as alterações dos critérios de avaliação são feitas de modo que prejudique o resultado obtido, o participante pode impugnar formalmente o edital, demonstrando os prejuízos gerados perante a AMB e a SBMFC. Não havendo o retorno esperado pela impugnação, ao menos o candidato terá prova de que tentou solucionar o imbróglio administrativamente, demonstrando sua boa-fé em uma ação judicial caso decida recorrer ao Judiciário para garantir seus direitos.
6 - Conclusão
Diante do exposto, é evidente que a forma como o Edital TEMFC 36 foi estruturado representa não apenas uma quebra de expectativa, mas uma afronta direta à segurança jurídica e aos princípios que sustentam a administração pública. Médicos que seguiram fielmente a trajetória formativa do Programa Mais Médicos pelo Brasil, atuando com dedicação integral em territórios vulneráveis e cumprindo rigorosamente as etapas exigidas em lei, se veem agora diante de uma prova que desconsidera sua experiência, eleva indevidamente os critérios de aprovação e compromete sua continuidade profissional.
Não se trata apenas de uma injustiça pontual, mas de uma falha estrutural que exige correção institucional e judicial. O futuro de centenas de médicos e a própria credibilidade de uma política pública voltada à qualificação da Atenção Primária à Saúde está em jogo.
O respeito à legalidade, à transparência e à previsibilidade nas regras de avaliação é indispensável para garantir que a titulação médica ocorra de forma isonômica, proporcional e legítima. Os profissionais prejudicados devem, portanto, se mobilizar, buscar respaldo jurídico e exigir que seus direitos sejam protegidos por todos os meios previstos em nosso ordenamento.
O Exame TEMFC precisa servir como um instrumento de valorização, não de penalização. E isso só será possível quando os critérios forem claros, justos e compatíveis com a realidade dos médicos que escolheram atuar onde o Brasil mais precisa.


