MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Quando a emoção vira infração: Ética e marketing na advocacia digital

Quando a emoção vira infração: Ética e marketing na advocacia digital

Estratégias de marketing digital, ao empregarem gatilhos emocionais e promessas de resultado, colidem com a sobriedade da advocacia.

domingo, 20 de julho de 2025

Atualizado em 18 de julho de 2025 15:24

A imperatividade da presença digital impõe ao advogado um dilema complexo: como comunicar valor e construir autoridade sem transgredir os sóbrios e indispensáveis preceitos éticos da profissão? O avanço das estratégias de persuasão, importadas de mercados não regulados, favorece o uso de técnicas que, embora eficazes, colidem frontalmente com a deontologia jurídica. Gatilhos emocionais, storytelling com apelo dramático e a exploração de "provas sociais" são ferramentas que, ao serem transpostas para o universo da advocacia, podem configurar não apenas infrações éticas, mas também violações ao direito do consumidor.

Este artigo propõe uma reflexão aprofundada sobre os limites dessa atuação. Analisaremos, com base nas normativas vigentes, a fronteira tênue entre a publicidade informativa e a mercantilização da advocacia, e discutiremos o papel do advogado como agente regulador da comunicação digital em outras profissões, como a medicina.

1. O problema da persuasão disfarçada de informação

A psicologia da persuasão demonstra que o uso de estímulos emocionais, como promessas de resultado ou depoimentos impactantes, ativa vieses cognitivos que reduzem a capacidade crítica do receptor1. Na advocacia, isso se manifesta em afirmações como "garantimos o seu direito" ou "já obtivemos sucesso em centenas de casos como o seu". Embora possam conter um fundo de verdade pontual, sua generalização promocional é enganosa e vedada.

O Código de Ética e Disciplina da OAB é o pilar que sustenta essa visão, estabelecendo preceitos fundamentais que coíbem a mercantilização. Seu art. 5º dispõe que "O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização"2, enquanto o art. 7º proíbe diretamente a busca ativa por clientes ao determinar que "É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela"3.

O provimento 205/21 do Conselho Federal da OAB, que modernizou as regras de publicidade, reforça essa diretriz de forma explícita ao listar condutas proibidas. Seu art. 3º, inciso IV, veda a: "utilização de orações ou expressões persuasivas, de autoengrandecimento ou de comparação;"4

Essas normas não visam limitar o marketing, mas sim garantir a responsabilidade comunicacional, protegendo tanto a dignidade da profissão quanto o cidadão que busca amparo jurídico.

2. Promessa de resultado e o uso de casos concretos: Uma vedação expressa

Um dos recursos mais eficientes do marketing digital é a apresentação de casos de sucesso. No entanto, na advocacia, essa prática encontra barreiras normativas claras, pois a promessa de resultado e a utilização de vitórias passadas como oferta de serviços são estritamente proibidas.

O provimento 205/21 é taxativo em seu art. 6º, parágrafo único: "Fica vedada em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão, como uso de veículos, viagens, hospedagens e bens de consumo, bem como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional."5

Adicionalmente, a norma restringe a divulgação da atuação profissional, mesmo que em processos não sigilosos. O art. 4º, § 2º, do mesmo provimento, estabelece que: "Na divulgação de imagem, vídeo ou áudio contendo atuação profissional, inclusive em audiências e sustentações orais, em processos judiciais ou administrativos, não alcançados por segredo de justiça, serão respeitados o sigilo e a dignidade profissional e vedada a referência ou menção a decisões judiciais e resultados de qualquer natureza obtidos em procedimentos que patrocina ou participa de alguma forma, ressalvada a hipótese de manifestação espontânea em caso coberto pela mídia."6

Portanto, a publicação de depoimentos de clientes que exaltam uma vitória judicial ou a menção a resultados financeiros obtidos são práticas vedadas, pois transformam a advocacia, uma obrigação de meio, em uma enganosa promessa de resultado.

3. O paralelo com a publicidade médica e a oportunidade para o advogado consultor

A preocupação com a publicidade enganosa e sensacionalista não é exclusiva do Direito. A medicina, por meio da resolução CFM 2.336/23, também impôs regras rigorosas, revelando um alinhamento de princípios éticos entre as profissões. A norma médica proíbe o sensacionalismo e a promessa de resultados. Seu art. 11 veda o médico de: "garantir, prometer ou insinuar bons resultados do tratamento;"7 "portar-se de forma sensacionalista ou autopromocional, praticar concorrência desleal ou divulgar conteúdo inverídico."8

Sobre depoimentos, a norma médica é permissiva, mas com grande cautela. O art. 14, alínea g, da resolução, afirma que: "autorretratos repostados dos pacientes e depoimentos sobre a atuação do médico devem ser sóbrios, sem adjetivos que denotem superioridade ou induzam a promessa de resultado;"?

Esse cenário abre uma relevante oportunidade de atuação para advogados com especialização em Direito Médico, Digital e Regulatório: assessorar médicos, clínicas, infoprodutores e coaches na construção de campanhas de marketing que respeitem os limites normativos, prevenindo litígios e sanções administrativas. O advogado torna-se um consultor estratégico indispensável para a mitigação de riscos na comunicação digital.

4. Conclusão: Presença digital com responsabilidade jurídica

A era da informação exige do advogado mais do que presença digital; exige presença responsável. A comunicação jurídica deve ser precisa, sóbria e, acima de tudo, informativa, sem ceder às tentações da emoção como ferramenta de conversão.

A construção de uma autoridade legítima e perene não advém de promessas, mas da demonstração de conhecimento técnico por meio de artigos, análises de jurisprudência e debates doutrinários. Em vez de prometer resultados, o profissional do Direito deve prometer competência e integridade. Ao invés de dramatizar causas, deve esclarecer caminhos.

Nesse contexto, o advogado assume um duplo papel: o de fiscal da própria profissão e o de consultor estratégico para outros setores, garantindo que o ambiente digital, embora livre, não se torne um território sem lei, onde a ética e a proteção do consumidor são subjugadas pela busca incessante por engajamento.

__________________

1 MCLEOD, 2024.

2 BRASIL, 1995, art. 5º.

3 BRASIL, 1995, art. 7º.

4 CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2021, art. 3º, IV.

5 CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2021, art. 6º, parágrafo único.

6 CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2021, art. 4º, § 2º.

7 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2023, art. 11, XII.

8 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2023, art. 11, XVI.

9 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2023, art. 14, g.

10 BRASIL. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Código de Ética e Disciplina da OAB. Brasília, DF: OAB, 1995. Aprovado em 13 de fevereiro de 1995.

11 CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Provimento nº 205/2021, de 15 de julho de 2021. Dispõe sobre a publicidade e a informação da advocacia. Brasília, DF, 2021.

12 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2.336/2023, de 13 de julho de 2023. Dispõe sobre publicidade e propaganda médicas. Publicado em: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 set. 2023. Seção 1, p. 312.

13 MCLEOD, Saul. Petty & Cacioppo's Elaboration Likelihood Model. Simply Psychology, 2024. Disponível em: https://www.simplypsychology.org/elaboration-likelihood-model.html. Acesso em: 17 jul. 2025.

Jamille Porto Rodrigues

Jamille Porto Rodrigues

Advogada e Professora de Direito Digital, Inteligência Artificial e Novas tecnologias aplicada ao Direito e Marketing Jurídico.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca