O tarifaço de Trump: Teoria dos jogos e o cerco ao Brasil
O artigo analisa o tarifaço de Trump ao Brasil como sanção política, à luz da teoria dos jogos, e alerta para os riscos dos impactos econômicos e geopolíticos do isolamento.
sexta-feira, 18 de julho de 2025
Atualizado às 14:10
Introdução - O porta-aviões americano ancorou no Lago Paranoá?
Em 9/7/25, a Casa Branca publicou a carta onde o presidente Donald Trump anuncia a aplicação de uma tarifa de 50% sobre todos e quaisquer produtos brasileiros exportados para os EUA, a ser aplicada a partir de 10/8. Embora parte da imprensa trate o episódio como protecionismo, a carta revela motivações políticas: lawfare contra Bolsonaro, censura pelo STF e o flerte com moeda anti-dólar nos BRICS.1
O presente artigo parte da carta como ponto de inflexão: demonstra que a tarifa é instrumento de estratégia geopolítica, a modela à luz da teoria dos jogos e avalia a margem, cada vez menor, que resta ao Brasil para evitar o isolamento do bloco ocidental.
1. Hostilidade diplomática reiterada e o limite da paciência americana
A deterioração da relação entre Brasil e Estados Unidos durante o atual governo brasileiro traduz-se em uma sequência de declarações e atos institucionais que foram, cumulativamente, percebidos como agressivos, provocativos e ideologicamente hostis por Washington, especialmente sob a ótica da atual administração Trump.
Desde os primeiros meses do governo Lula, registraram-se incidentes diplomáticos deliberadamente graves, como a autorização para que navios de guerra iranianos atracassem no porto do Rio de Janeiro, em nítido desafio à política de contenção regional promovida pelos EUA2. Somou-se a isso a retórica do próprio presidente brasileiro, que em entrevista afirmou que uma eventual vitória de Trump nas eleições representaria a volta do "nazifascismo"3, uma acusação extrema, sem qualquer paralelo diplomático recente entre países aliados.
Em paralelo, o STF ampliou sua ofensiva contra a liberdade de expressão, atingindo inclusive cidadãos americanos ou residentes americanos, e plataformas nos EUA.
Ainda assim, até meados de junho de 2025, não havia sido rompido o canal diplomático de maneira aberta. O que parece ter rompido o limite da paciência foi um duplo gesto, ocorrido em um lapso de menos de duas semanas:
- Em 26/6, o STF declarou parcialmente inconstitucional o art. 19 do marco civil da internet, permitindo a responsabilização prévia de plataformas e instaurando, segundo praticamente toda a imprensa nacional e parte expressiva da comunidade jurídica, um sistema de censura por presunção. A medida fere diretamente uma das bandeiras centrais da administração Trump: a defesa incondicional da liberdade de expressão, especialmente em plataformas digitais, onde o próprio ex-presidente norte-americano já foi censurado.4
- Logo em seguida, durante a reunião dos BRICS realizada no Brasil, Lula voltou a defender publicamente a criação de uma moeda alternativa ao dólar, dizendo que "não faz sentido continuar dependente da moeda dos Estados Unidos" para comércio global.5 Trata-se de um ponto de altíssima sensibilidade estratégica para Trump, que há anos vocaliza com veemência a necessidade de preservar a hegemonia do dólar. Tão sério foi o movimento, que a porta-voz da Casa Branca afirmou, em entrevista coletiva, que os EUA estavam monitorando de perto a reunião dos BRICS, sobretudo em relação à proposta de moeda comum.6
Dois dias após a declaração de Lula nos Brics, veio a carta de 9/7. Não se trata de uma reação intempestiva ou desproporcional, mas de uma resposta forte anunciada com antecedência e precedida de reiteradas advertências. O Brasil poderia ter moderado, mas preferiu dobrar a aposta, e a conta chegou.
2. Fundamentos jurídicos - IEEPA e o argumento da segurança nacional
O alicerce doméstico da medida é a IEEPA - International Emergency Economic Powers Act, 1977, lei que entrega ao presidente norte-americano a faculdade de regular comércio exterior em nome da segurança ou política externa. Ao se declarar "emergência nacional", Trump contorna o Congresso e ancora-se no art. XXI do GATT para driblar as tarifas consolidadas perante a OMC.
No plano multilateral, o expediente é frágil: o art. XXI foi pensado para guerras e crises genuínas, não para disputar narrativas de liberdade de expressão. Contudo, desde que Washington bloqueou o Órgão de Apelação da OMC, em 2019, contestar painéis tornou-se um exercício retórico, não coercitivo. O Direito Internacional subsiste, mas a execução perdeu os dentes. Há argumentos internos, no entanto, para discutir a constitucionalidade das tarifas aplicadas não só ao Brasil, mas a diversos outros países, todavia, carecem de praticidade rápida, o que reforça a eficácia da estratégia como ameaça crível.
3. Tarifa como ameaça crível e brecha para negociação: Carta ou ultimato?
Inicialmente, é importante firmar uma premissa fundamental. Ao menos no caso do Brasil, as tarifas não se referem a guerra comercial ou tentativa de equalizar o tratamento tributário com os EUA: a tarifa não é medida comercial, mas sanção econômica ao Brasil, típica das sanções aplicadas a países considerados como antagonistas aos Estados Unidos. Um paralelo óbvio é o embargo comercial americano contra Cuba ou as sanções à Rússia.
Por ser sanção econômica com motivação política, resta difícil uma solução negocial, como costuma ocorrer quando a questão é puramente comercial, seja entre empresários, seja entre países. As demandas são políticas, resvalando até para interesse pessoal.
Sendo assim, a tarifa não se limita a encarecer produtos, mas a encurralar o adversário. Sendo um dos alvos o STF, fora do alcance direto do Itamaraty, a sanção ganha credibilidade máxima: Brasília não dispõe de mecanismo institucional para revogar decisões que Trump julga abusivas. E, cumpre dizer, a tarifa geral ameaçada ao Brasil é a maior em relação a todos os demais países que os EUA anunciaram a tarifação, ou seja, somos a bola da vez, considerados como o maior desafeto atual dos norte-americanos.
Ainda assim, a carta deixa entreaberta uma saída. Ao fim da segunda página, o presidente sugere que os EUA estariam dispostos a "reavaliar" o percentual se o Brasil apresentasse iniciativa de boa-fé para reduzir suas próprias barreiras tarifárias. Eis o texto, traduzido para o português: Se você deseja abrir seus mercados comerciais até então fechados para os Estados Unidos e eliminar suas políticas e barreiras comerciais tarifárias e não-tarifárias, talvez consideraremos um ajuste nesta carta. Estas tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo da nossa relação com o seu país. Você nunca ficará desapontado com os Estados Unidos da América.
A mensagem é clara: Washington não negocia sob coação, mas admite retirar o porrete se o oponente demonstrar iniciativa em negociar, ainda que por meio, ao menos inicialmente, de redução das próprias tarifas já impostas pelo Brasil aos EUA. Ainda que balança comercial seja favorável aos EUA, pelo menos desde 2009, o fato é que a tributação do Brasil em relação aos produtos americanos é muito maior que a recíproca, o que é apontado como injusto e contrário ao verdadeiro livre comércio. De fato, o Brasil possui um dos mercados mais fechados do mundo.
No entanto, apenas reduzir tarifas impostas aos EUA, ainda que seja uma brecha para iniciar uma barganha, não será suficiente. Trata-se de um ultimato político: se o Brasil não der sinais concretos de respeito à democracia e à previsibilidade institucional, a tarifa entrará em vigor de forma implacável.
Quanto ao tom, desde as primeiras linhas, a carta de Trump adquire um tom pessoal e direto, como se falasse não apenas como presidente dos Estados Unidos, mas como alguém profundamente incomodado com a perseguição política sofrida por Jair Bolsonaro, a quem se refere nominalmente. É um movimento controverso, pois particulariza o teor da carta, o que vem sendo interpretado como um favorecimento de ordem pessoal por Trump, extrapolando o teor de uma comunicação de caráter oficial e institucional do governo americano.
Assim, cria-se um impasse: qualquer medida em relação a Bolsonaro soará como submissão ou afronta. A literatura da negociação, desde Thomas Schelling (1960) até William Ury e Roger Fisher (1981)7, advertem que encurralar completamente o oponente pode gerar reações irracionais e imprevisíveis, justamente porque se elimina qualquer "saída honrosa". Em contextos de tensão aguda, oferecer uma janela de negociação é quase tão importante quanto o conteúdo da ameaça.
4. Escalada brasileira e risco de isolamento
O governo Lula optou por responder com bravata. Poucos dias após a carta, o presidente ironizou o tarifaço como "jabuticaba diplomática"8 e declarou que "se Trump tivesse feito isso aqui, já estaria preso9". Em paralelo, apenas dois dias após a Carta, o ministro Alexandre de Moraes ordenou ao Rumble - plataforma sediada no Canadá - bloquear o canal do jornalista Rodrigo Constantino10, gesto que certamente será lido em Washington como nova afronta à liberdade de expressão.
A escalada foi selada pelo decreto 12.687/25, que autoriza "retaliações proporcionais" contra produtos americanos sem especificar escopo ou metodologia, um movimento quixotesco. Somam-se, no plano interno, o recém pedido da PGR por quarenta e três anos de prisão a Bolsonaro, no processo do golpe.
Enquanto isso, China e Índia - companheiras de palco na epopeia da moeda BRICS - negociam acordos preferenciais com os EUA, típico comportamento de cartel que abandona o aliado menos eficiente. O Brasil arrisca converter-se em bobo da corte geopolítico, útil para discursos retóricos, descartável na prática.11
5. Teoria dos jogos I - O chicken game, o brinkmanship e a lógica da escalada controlada
Na arena diplomática entre EUA e Brasil, a dinâmica se desenrola como um clássico chicken game, com traços evidentes de brinkmanship, a estratégia de empurrar o adversário até o limite do confronto, na esperança de que ele recue primeiro. A carta de Trump é o exemplo mais acabado dessa tática: nela, a ameaça é clara, o custo é elevado e o sinal é de que os Estados Unidos estão dispostos a ir até o fim, caso o Brasil insista em manter o curso atual. Trata-se de jogo de pressão máxima, no qual o primeiro a piscar evita a colisão, mas quem hesita demais perde a relevância estratégica.
Como demonstrou Thomas Schelling, em The Strategy of Conflict (1960)12, a eficácia do brinkmanship não reside apenas na ameaça, mas na sua credibilidade e na aparente disposição de levar a ação até o limite. É justamente esse equilíbrio tenso, entre racionalidade calculada e risco real, que transforma uma simples ameaça em um instrumento estratégico. Trump, ao sinalizar abertamente o custo da retaliação e oferecer uma brecha condicional, atua com maestria dentro desse modelo.
6. Teoria dos jogos II - Por que o tit-for-tat não funciona num jogo assimétrico
Há quem avalie como legítima a resposta do Brasil, na forma de decreto de retaliação, ameaças de quebra de patentes, bloqueios de plataformas, como um exemplo de estratégia clássica de tit-for-tat, isto é, responder a cada provocação com uma medida de intensidade equivalente, sinalizando que o país não aceitará passivamente agressões tarifárias. O problema é que esse tipo de estratégia, ainda que funcione bem em jogos iterativos simétricos, como demonstrado por Robert Axelrod13, em seus experimentos sobre cooperação e reciprocidade, tende ao fracasso quando os jogadores operam sob condições de poder radicalmente desiguais.
No caso presente, a assimetria é evidente e incontornável. Os Estados Unidos possuem um PIB nominal de aproximadamente US$ 30,5 trilhões, cerca de US$ 11 trilhões a mais do que o segundo colocado, a China14. A renda per capita americana ultrapassa os US$ 85 mil, contra cerca de US$ 13 mil dos chineses, e o país detém um dos poucos mercados internos no mundo suficientemente grande e dinâmico para sustentar sua própria economia, com reduzida dependência do comércio exterior. O Brasil, em contraste, depende criticamente de superávits comerciais, estabilidade cambial e previsibilidade institucional para atrair investimentos e manter acesso aos mercados internacionais.
Como alertam Dixit e Nalebuff, no clássico Thinking Strategically (1991)15, a credibilidade de uma ameaça ou retaliação depende não só da disposição de executá-la, mas de ser capaz de suportar o custo que ela acarreta. Em jogos assimétricos, o jogador mais fraco, ao adotar uma postura de confronto direto, muitas vezes não apenas falha em dissuadir o adversário, mas precipita a própria derrota estratégica. Retaliações brasileiras, como a proposta de quebra de patentes de medicamentos americanos, seriam lidas em Washington como escalada deliberada e poderiam motivar sanções ainda mais duras, além de desencadear desconfiança jurídica entre investidores estrangeiros, particularmente no setor de inovação em saúde e farmacêutica.
O Brasil, ao ignorar esses parâmetros, arrisca transformar um revide simbólico em autossabotagem diplomática. Diante da ameaça crível explicitada na carta, inclusive com a previsão de tarifa adicional de 50% caso haja retaliação, a única estratégia racional é recuar, negociar e explorar a brecha de abertura que Trump ainda deixou formalmente exposta.
7. Teoria dos jogos III: O estilo Trump de jogar
A postura de Donald Trump, por vezes lida como impulsiva ou errática, é mais bem compreendida à luz da teoria dos jogos - especialmente nas variantes de dissuasão estratégica, brinksmanship e o conhecido "chicken game". Ao adotar uma tática agressiva e aparentemente inflexível, Trump força os adversários a recalcular seus riscos.
Essa estratégia acaba de ser robustecida com um novo movimento coordenado: a abertura de uma investigação formal sob a seção 301 do Trade Act de 1974, a mesma base legal utilizada pelos EUA durante a guerra comercial com a China. A referida seção permite ao governo americano adotar medidas unilaterais de retaliação contra práticas comerciais consideradas desleais, sem necessidade de autorização prévia da OMC. O uso dessa ferramenta legal, anunciada no dia 15/7/25 pelo escritório do representante de comércio dos EUA (USTR), sinaliza que o tarifaço contra o Brasil não é retórica de campanha, mas ação estruturada, com múltiplas frentes de ofensiva e respaldo normativo interno.
A escolha da seção 301 transforma o embate em algo mais amplo: uma demonstração de força legal, diplomática e econômica, capaz de gerar tanto efeitos devastadores quanto, paradoxalmente, pontos de inflexão. Do lado positivo, um impacto severo sobre a economia, especialmente nas cadeias industriais e no agronegócio, pode finalmente mobilizar as instituições brasileiras e o setor privado para repensar o atual ambiente de insegurança jurídica, instabilidade institucional e antagonismo ideológico em relação ao Ocidente, e assim pressionar o governo por mudanças. Como se isso não bastasse, em 15/7.
Por outro lado, o risco é que o governo brasileiro consiga transformar esse movimento em mais um capítulo da narrativa do "inimigo externo", e já se vê esse discurso sendo ensaiado: a culpa das dificuldades econômicas seria das "interferências dos EUA", numa versão tropical do embargo a Cuba, convenientemente omitindo que os principais responsáveis são os próprios agentes internos. E, como em outros regimes populistas, essa retórica pode funcionar, especialmente entre os mais vulneráveis à narrativa simplista.
Nesse cenário, a direita corre o risco de ser responsabilizada por uma crise que tenta evitar, enquanto o governo surfa na vitimização. Por enquanto, é cedo prever as consequências, mas o estilo de Trump é agressivo, no tudo ou nada, e do ponto de vista dele, os EUA tem o upper hand, i.e, muito menos a perder do que o Brasil.
8. Implicações geopolíticas amplas
O episódio reafirma o colapso do multilateralismo tal como concebido no pós-guerra. Desde o primeiro mandato de Trump, os Estados Unidos boicotam a OMC - Organização Mundial do Comércio ao bloquear a nomeação de juízes para seu Órgão de Apelação, impasse que foi mantido pelo governo Biden, tornando a OMC praticamente inoperante como instância de resolução de controvérsias. Sem esse instrumento, sanções unilaterais tornaram-se armas de fácil manejo para potências. A erosão da OMC é apenas um dos sintomas: entidades supranacionais como a própria ONU e a OMS também demonstram crescente irrelevância prática, seja pela paralisia burocrática, seja pela submissão a interesses de grandes players, ou, principalmente, por contaminação ideológica.
Além disso, os EUA são o único grande mercado para o qual o Brasil vende produtos manufaturados, de alto valor agregado, como é o caso de aeronaves, e ainda por cima, com a demanda típica de uma superpotência econômica. Torna-se difícil arranjar um parceiro substituto para isso, no atual mercado externo.
Nesse cenário, países que insistem em narrativas antiamericanas pagam um preço crescente, enquanto parceiros "não alinhados", como a Índia e, em certa medida, China, se adaptam silenciosamente à hegemonia do dólar. No fim das contas, é o realismo que impera, não a retórica multilateral: money talks, e o dólar ainda é a língua franca da economia global.
Se insistir na rota atual, o Brasil corre risco de ver congelados investimentos ocidentais, perder preferência em cadeias globais de valor e reforçar a dependência de capitais chineses, que nunca chegam sem contrapartidas políticas.
Com se não bastasse toda a crise com os EUA, a OTAN, por meio de seu secretário geral, Mark Rutten, acabou de anunciar de que poderá impor sanções ao Brasil por sua cooperação com a Rússia16, ou seja, não se trata mais apenas de retaliações unilaterais americanas, mas de um reposicionamento mais amplo do Ocidente em relação ao Brasil. Do ponto de Trump, isso lhe alivia o peso de ser o único atacante neste conflito, que passa a ser distribuído por todo o bloco ocidental. Para o Brasil, é péssimo: deixamos de ser vistos globalmente como uma democracia ocidental, e passamos a ser considerados como um país aliado às ditaduras, ou talvez, como uma delas.
9. E se o tarifaço se concretizar? Estratégias privadas diante do cenário adverso
Caso a ameaça tarifária se concretize, será inevitável algum grau de impacto, sobretudo para empresas exportadoras diretamente afetadas. Para o setor privado, o risco imediato soma três camadas: perda de competitividade, cancelamento de contratos por onerosidade excessiva e desequilíbrio cambial causado pela fuga de capitais. Exportadores de cobre, alumínio e ligas metálicas já recalculam margens. No agronegócio, o temor é que a lógica se estenda a soja, carnes e etanol sob o pretexto ambiental.
No entanto, isso não significa paralisia ou resignação. Há medidas que o setor privado pode adotar, com o apoio de assessorias jurídicas, estratégicas e comerciais, para mitigar os efeitos dessa nova realidade.
Uma primeira frente é a diversificação de mercados. Embora os Estados Unidos sejam um parceiro relevantíssimo, empresas que concentram suas exportações em um único destino tornam-se altamente vulneráveis. Buscar novos mercados, especialmente na Ásia e em países que mantêm relações neutras ou cooperativas com os EUA, pode ser uma forma de diluir o impacto.
Outra estratégia está no rearranjo de cadeias produtivas, seja por meio da exportação indireta via países não afetados pelas tarifas, seja pela instalação de bases operacionais ou comerciais em terceiros países com acordos bilaterais favoráveis com os EUA (como México ou Canadá, via USMCA). Apesar de envolver custos, essa abordagem pode se revelar mais eficiente do que a perda permanente de acesso ao mercado americano.
Por fim, é necessário que as entidades de classe - como associações industriais, confederações do setor exportador e câmaras binacionais - articulem ações diplomáticas paralelas, inclusive com seus pares nos EUA (as Câmaras Comércio aqui e nos EUA já estão se movimentando, além de entidades representativas da indústria e comercio). A pressão da sociedade civil, do setor produtivo e de grandes compradores americanos sobre seus próprios representantes pode ajudar a criar um canal informal de diálogo, longe do barulho do conflito geopolítico.
Em suma, a conjuntura é hostil, mas o setor privado brasileiro precisa agir com inteligência estratégica, resiliência e capacidade de adaptação, sem esperar que o governo Federal e o STF corrijam os erros que eles próprios cometeram.
Conclusão
Na lógica da teoria dos jogos, quem primeiro demonstra racionalidade estratégica costuma recolher dividendos. Trump transformou a tarifa em ameaça crível ao vincular-lhe objetivos políticos palpáveis; ofereceu, porém, uma cláusula de saída, contanto que o Brasil recuasse na retórica hostil e mostrasse apreço pela estabilidade institucional.
Até agora, Brasília respondeu com escárnio e decretos vazios, fórmula que agrava o dilema: não consegue obrigar o STF a recuar nem convencer a Casa Branca de boa-fé. O tarifário, portanto, tende a permanecer, e novas camadas de sanção não estão descartadas.
O governo brasileiro ainda dispõe de uma janela estreita. Abandonar bravatas, restabelecer sinalizações de previsibilidade jurídica e retomar diplomacia pragmática não exige rendição, mas cálculo frio. Do contrário, nos sobrará o papel de time de terceira divisão, aplaudindo discursos sobre multilateralismo enquanto as grandes potências negociam, entre si, os termos do jogo.
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1 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-fev-22/trump-e-a-teoria-dos-jogos-as-tarifas-como-estrategia-geopolitica/
2 https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/navios-de-guerra-do-ira-atracam-no-brasil-mesmo-apos-pressao-dos-eua/
3 https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2024/11/lula-diz-torcer-por-kamala-e-critica-trump-as-vesperas-de-eleicao-nos-eua.shtml
4 https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/434569/stf-julga-a-constitucionalidade-do-art-19-do-marco-civil-da-internet
5 https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-07/lula-diz-que-brics-seguira-discutindo-alternativas-ao-dolar
6 https://www.infomoney.com.br/mundo/trump-acha-que-o-brics-esta-tentando-minar-os-interesses-dos-eua-diz-casa-branca/
7 Getting to Yes: Negotiating Agreement Without Giving In. New York: Penguin Books, 1981.
8 https://exame.com/brasil/lula-sobre-tarifas-de-trump-nao-precisa-de-briga-precisa-de-relacao-diplomatica/
9 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2025/07/11/para-lula-no-brasil-trump-estaria-sendo-processado-como-o-bolsonaro.htm
10 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2025/07/14/nao-ha-incitacao-a-violencia-nesta-conta-diz-advogado-da-rumble-sobre-ordem-de-moraes.htm?uol_app=placaruol&utm11 https://www.reuters.com/world/china/china-india-should-continue-practical-cooperation-chinese-vp-tells-indian-2025-07-14/?
12 New Haven: Harvard University Press, 1960.
13 The Evolution of Cooperation. New York: Basic Books, 1984
14 https://www.imf.org/external/datamapper/NGDPD@WEO/CHN/USA
15 Thinking Strategically: The Competitive Edge in Business, Politics, and Everyday Life. New York: W. W. Norton & Company, 1991
16 https://www.reuters.com/world/china/nato-says-brazil-china-india-could-be-hit-hard-by-sanctions-2025-07-15


