A decisão no Tema 1.239/STJ pode alterar o ordenamento jurídico?
Tema 1.239/STJ firmou a não incidência de PIS/COFINS na ZFM, provocando debates sobre o poder normativo de precedentes repetitivos do STJ.
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Atualizado às 10:13
Recentemente, o julgamento do Tema 1.239 pelo STJ consolidou o entendimento de que não incide o PIS - Programa de Integração Social e a COFINS - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social nas prestações de serviços realizadas na ZFM - Zona Franca de Manaus.
Em decorrência do relevante papel que os precedentes judiciais vêm exercendo dentro do ordenamento jurídico, surge um importante questionamento: uma decisão de demanda repetitiva proferida pelo STJ é capaz de produzir eficácia normativa passível de alterar o ordenamento jurídico?
Especialmente após o novo CPC foram introduzidas significativas mudanças no conteúdo e alcance dos precedentes judiciais, passando essas decisões a integrar o nosso sistema jurídico-positivo.
Essa abordagem de tratar os precedentes judiciais como fonte de direito material, por sua vez, consolidou-se como uma tendência em nossa processualística, surgindo incontáveis os debates acerca do alcance e relevância das decisões proferidas em sede de controle difuso de constitucionalidade, principalmente se tais precedentes judiciais possuem aptidão para cessar os efeitos da coisa julgada em matéria tributária.
Nesse sentido, a Procuradoria da Fazenda Nacional emitiu o parecer PGFN/CRJ/N. 492/11, no qual estabeleceu que a perda da eficácia de uma decisão judicial definitiva em matéria tributária, favorável ao contribuinte, ocorre de maneira automática quando o STF estabelecer, por meio de precedente vinculante e definitivo, nova interpretação que reconhece a constitucionalidade da norma tributária.
Esse entendimento já vinha sendo adotado pelo STF em algumas de suas decisões, mas ficou evidente no julgamento das ADIs 3406/RJ e ADI 3470/RJ, quando o Supremo determinou que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, mesmo em controle difuso, a decisão passa a ter efeito vinculante e erga omnes, cabendo a Corte apenas comunicar ao Senado a decisão para que a Casa Legislativa dê publicidade ao que foi decidido, ocorrendo verdadeira mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal.
O mesmo posicionamento foi expressamente adotado pelo Supremo no julgamento dos Temas de repercussão geral 881 e 885 para estabelecer que uma decisão superveniente do STF, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral, cessa, automaticamente, os efeitos da coisa julgada anterior quando for contrária à nova decisão, alterando, portanto, o ordenamento jurídico.
Muito embora não tenha sido objeto de julgamento dos Temas 881 e 885, paira dúvida se o mesmo entendimento adotado nas decisões proferidas em sede de repercussão geral deve ser aplicável às decisões proferidas em demandas repetitivas.
A resposta alcançada a partir desse questionamento é de vital importância para se analisar se a decisão exarada pelo STJ no Tema 1.239, por possuir status de demanda repetitiva, poderia ser suficiente para permitir que o contribuinte não mais recolhesse PIS/COFINS nas prestações de serviços dentro da ZFM.
Nesse contexto, mesmo que a deliberação nos Temas 881 e 885 do STF tenham se limitado apenas acerca do alcance e conteúdo dos julgamentos proferidos em sede de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade tomadas em Recursos Extraordinários, não há razão para não se estender às decisões proferidas em demandas repetitivas, desde que não sejam passíveis de reforma posterior pelo STF.
Importante recordar que o plenário do STF, em duas oportunidades, determinou que a discussão envolvendo a incidência de PIS/COFINS sobre as receitas de prestação de serviços na ZFM tem natureza infraconstitucional, havendo apenas ofensa indireta às normas constitucionais, conforme julgado estabelecido no Tema 1363 e na ADPF 1072.
Por essa razão, pode-se afirmar que o julgamento do Tema 1.239/STJ encerrou, em definitivo, a discussão judicial da matéria, devendo ser atribuído os mesmos efeitos conferidos às decisões proferidas em sede de repercussão geral pelo STF.
Esse entendimento já foi defendido por Mary Elbe Queiroz e Antônio Carlos Souza Júnior1, ao concluir que o efeito propagado pela decisão de demanda repetitiva somente teria autonomia de alterar o estado de direito, caso não fosse possível que a decisão fosse revertida posteriormente pelo STF.
Os autores justificaram seu posicionamento servindo do exemplo do julgamento do Tema 912, em que, primeiramente, foi definido pelo STJ não haver incidência de IPI na importação de bens industrializados para fins de revenda no mercado interno. Contudo, logo após esse julgamento, o STF reputou haver discussão constitucional ainda não apreciada e, no julgamento do Tema 906, proferiu entendimento contrário ao contribuinte, interrompendo a eficácia da decisão anteriormente proferida no Tema 912.
Dessa forma, com esteio na certeza e estabilidade das relações jurídicas, as decisões proferidas em sede de demanda repetitiva somente podem modificar o estado de direito caso inexista possibilidade de essa decisão ser posteriormente revista pelo STF.
Seguindo essa vertente, a decisão proferida no Tema 1239, por não poder mais ser objeto de revisão pelo STF, restou por consagrar mais um benefício fiscal à ZFM, com efeitos prospectivos contados da publicação de sua decisão, autorizando que os contribuintes não mais recolham PIS e COFINS nas prestações de serviços dentro dessa região.
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1 QUEIROZ, Mary Elbe; SOUZA JÚNIOR, Antonio Carlos de. Coisa Julgada Tributária, Mudança do Estado de Direito e Precedentes Vinculantes do Superior Tribunal de Justiça - STJ. IBET, 20 de maio de 2024. Disponível em: https://www.ibet.com.br/coisa-julgada-tributaria-mudanca-do-estado-de-direito-e-precedentes-vinculantes-do-superior-tribunal-de-justica-stj-por-mary-elbe-queiroz-e-antonio-carlos-de-souza-junior/. Acesso em: 5/5/2025.


