Contrato de representação comercial x agência: Entenda o que o STJ já decidiu
Agência e representação comercial são contratos distintos que regulam a intermediação de negócios. O STJ entende que o registro no CORE é essencial para caracterizar a representação.
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Atualizado em 23 de julho de 2025 12:18
Em um cenário empresarial cada vez mais competitivo e judicializado, a estruturação jurídica das relações comerciais ganha protagonismo. Dentre os contratos empresariais, dois institutos frequentemente confundidos - representação comercial e agência - guardam semelhanças, mas também diferenças substanciais que podem impactar diretamente a segurança jurídica da operação.
Marlon Tomazette resume que "(...) boa parte da doutrina1 considera que há identidade entre o contrato e entre o contrato de agência conceituado no art. 710 do CC e o contrato de representação comercial autônoma. Outra parte da doutrina2 sustenta que não há uma relação de gênero e espécie entre os dois contratos, sendo o contrato de agência o gênero e a representação comercial a espécie de agência destinada a negócios empresariais. Outros autores3 sustentam que quando o contrato de agência atribuir poderes para a conclusão do negócio, deverá ser tratada como representação comercial. Há ainda quem sustenta serem relações jurídicas distinta4 5".
Além da doutrina especializada, o CONFERE - Conselho Federal dos Representantes Comerciais, órgão responsável pela fiscalização do exercício da profissão, entende o contrato de agência como sinônimo de representação comercial, conforme a resolução 1.063/15.
A confusão existente entre as espécies contratuais de agência e representação comercial tem origem histórica e, também, de competência e arrecadação do órgão fiscalizador (CONFERE), o que permite as inúmeras interpretações por parte da doutrina e da jurisprudência.
De fato, ambos os contratos - representação comercial e agência - regulam a intermediação de negócios por terceiros, com atuação autônoma e habitual, sem vínculo empregatício e mediante remuneração (comissão).
Todavia, a lei 4.886/1965, que disciplina a representação comercial autônoma, exige, para sua aplicação, um elemento objetivo: o registro no CORE - Conselho Regional dos Representantes Comerciais. Já a agência, prevista nos arts. 710 a 721 do CC, prescinde de qualquer registro e possui uma aplicação mais ampla, abrangendo também relações de cunho civil.
Essa distinção, que pode parecer meramente burocrática, foi crucial para a formação de jurisprudência no STJ. No REsp 1.678.551/DF, a 3ª turma firmou entendimento de que a ausência de registro no CORE impede o enquadramento jurídico da relação como representação comercial, ainda que as partes tenham a intenção de aplicar essa legislação. Nesses casos, a relação será regida pelas normas do contrato de agência do CC, com impactos diretos, por exemplo, no direito à indenização de 1/12 das comissões previsto no art. 27, 'j' da lei 4.886/1965.
O TJ/SP, também vem reforçando esse entendimento, por exemplo, no acórdão da apelação cível 1032697-62.2021.8.26.0506 da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 24/6/2025.
Assim, em decisões recentes, tem se firmado o entendimento de que a ausência de registro no CORE descaracteriza o vínculo como representação comercial, afastando os direitos dela decorrentes e reconhecendo apenas os efeitos do contrato de agência, salvo comprovação de fraude ou simulação.
Essa diferenciação se torna estratégica para o empresário. Isso porque, embora ambas as figuras contratuais tenham como base a intermediação autônoma de negócios, a representação comercial impõe obrigações legais específicas ao representado, como a previsão de prazo mínimo de aviso prévio, indenizações por rescisão e obrigações previdenciárias específicas, além da fiscalização pelos Conselhos Estaduais dos Representantes Comerciais.
Por outro lado, a agência permite maior liberdade negocial, inclusive quanto à remuneração, cláusulas de exclusividade e indenizações, já que o CC prevê aplicação subsidiária das regras do mandato (art. 721), afastando as regras mais rígidas da lei 4.886/1965.
De forma prática e com base nas atuais decisões sobre o tema, a representação comercial é voltada exclusivamente à intermediação de negócios mercantis, enquanto o contrato de agência possui aplicação mais ampla, incluindo relações civis como o agenciamento de artistas, atletas, modelos e profissionais liberais. Por isso, as normas do CC sobre agência somente se aplicam à representação comercial quando houver lacuna na lei 4.886/1965 ou inexistir o registro do representante no CORE, condição indispensável para incidência do regime jurídico especial.
Por isso, conhecer a jurisprudência atualizada e os detalhes legais de cada modelo é essencial para evitar litígios, passivos ocultos e até a descaracterização da relação contratual pretendida. Não se trata apenas de rótulo contratual, mas da coerência entre a realidade prática da contratação e o modelo jurídico adequado, sob pena de o Poder Judiciário aplicar regras não previstas pelas partes, com base no princípio da primazia da realidade.
Mais do que nunca, o empresário deve buscar assessoria jurídica especializada na análise do caso concreto, evitando improvisações contratuais que podem sair caro.
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1 SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Contratos de Distribuição: e o novo contexto do contrato de representação comercial. São Paulo: RT, 2011, p. 21-26; MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 261; WALD, Arnoldo. Direito civil: contratos em espécie. 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 240; FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 224; FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 319; RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 2. Ed. São Paulo: Método, 2012, p. 451; BERTOLDI, Marcelo; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 712; RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 739; DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 25. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 424; BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 503; SOUZA, Carlos Gustavo de. Contratos mercantis. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006, p. 165; BITTAR, Carlos Alberto. Contratos comerciais. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 71; KROETZ, Tarcísio de Araújo. As similitudes entres os contratos de agência e representação comercial. In: PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; JABUR, Gilberto Haddad (coord.) Direito dos contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 472.
2 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 2, p. 290; GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. O contrato de representação comercial no contexto do Código Cil de 2002. In: Representação Comercial e Distribuição. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 216; ASSIS, Araken de Contratos Nominados. 2. Ed. São Paulo: RT, 2009, v. 2, p. 215; ARAUJO, Paulo Dóron Reder. Contrato de representação comercial. In: FERNANDES, Wanderley. Contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 27.
3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. IIl, p. 437.
4 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 4, p. 390; NADER, Paulo. Curso de direito civil: contratos. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v.3, p. 353; REQUIÃO, Rubens Edmundo. Nova Regulamentação da Representação Comercial Autônoma. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 44; COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 3, p. 113; CASES, José Maria Trepat. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003, v. VI, . 53 NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Contratos mercantis. São Paulo: Atlas, 2013, p. 379.
5 TOMAZETTE, Marlon. Contratos empresariais. São Paulo: Juspodivm, 2022, p. 303/304.
Wagner José Penereiro Armani
Sócio do escritório Bismarchi | Pires Sociedade de Advogados. Doutor em Direito Empresarial pela PUC- SP, mestre em Direito Civil pela UNIMEP, graduado em Direito pela PUC-Campinas. Professor de Direito Comercial na PUC-Campinas e na ESA. Secretário Geral Adjunto da OAB-Campinas. Autor e coautor de diversos livros e artigos jurídicos, possui mais de 20 anos de experiência na área contratual e societária. Sócio da área contratual e societária do escritório Bismarchi | Pires, ele une sólida experiência prática e acadêmica, oferecendo soluções jurídicas de alto nível para os clientes.


