Transparência médico-paciente: Proteção, ética e confiança
A comunicação na saúde promove segurança jurídica e autonomia. O direito à informação é essencial para proteger tanto o paciente quanto o profissional na relação médico-paciente.
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Atualizado às 12:15
1. CDC na relação médico-paciente
Para iniciarmos, é crucial entender que a relação entre médico e paciente, na maioria dos casos, está sujeita às normas do CDC.
Isso se justifica porque as definições de "fornecedor" e "consumidor", conforme descritas nos arts. 2º e 3º do CDC, se materializam, em regra, nas interações entre médicos e pacientes.
O "fornecedor", nesse contexto, é qualquer pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade de prestação de serviço, o que, sem dúvida, abrange médicos, hospitais e planos de saúde. Na relação médico-paciente, o indivíduo que adquire ou utiliza o serviço de saúde, como "destinatário final", enquadra-se legalmente como consumidor.
Existem discussões jurídicas sobre o conceito de "destinatário final" que podem gerar interpretações amplas ou restritivas, consequentemente, sua incidência pode variar de acordo com o caso concreto.
Contudo, para os fins deste artigo e na grande maioria dos cenários da saúde, o paciente será considerado consumidor, o que acarreta direitos e deveres específicos para ambas as partes.
2. O dever geral de informação na relação médico-paciente: A chave da confiança
Como estabelecido, a relação médico-paciente é uma relação de consumo, primariamente regulada pelo CDC. Contudo, transcende a esfera puramente comercial, possuindo uma natureza intrinsecamente sensível. Afinal, ela versa sobre situações delicadas como doenças, tratamentos, e até mesmo vícios, impactando diretamente a vida e a saúde do paciente.
É, portanto, inegável a necessidade de assegurar que o paciente esteja em plenas condições de decidir de forma consciente e informada sobre os procedimentos médicos aos quais será submetido.
Outrossim, deve-se reconhecer que se encontra em uma posição de vulnerabilidade técnica e informacional diante do vasto conhecimento do profissional de saúde.
Assim, uma informação clara e acessível empodera o paciente, permitindo-lhe decidir sobre sua saúde e tratamento com autonomia. Este é um direito que deve ser garantido em todas as fases da jornada médica: do diagnóstico ao tratamento, passando pelo crucial pós-operatório.
O CEM - Código de Ética Médica complementa essa visão, estabelecendo de forma inequívoca o dever do médico de informar o paciente sobre os riscos envolvidos, complicações e os cuidados essenciais após qualquer procedimento.
E aqui reside a essência: não basta que o médico apenas preste a informação de forma genérica. É imperativo que essa comunicação seja didática, garantindo que o paciente, de fato, compreenda a mensagem, para que sua decisão seja verdadeiramente consciente e informada.
Uma informação puramente técnica, carregada de jargões, pode dificultar ou até impossibilitar a compreensão do paciente leigo, configurando, na prática, uma falha na comunicação e, potencialmente, a origem de futuros questionamentos legais para o profissional.
Em síntese, o médico tem o dever inescusável de informar o paciente de forma clara e completa sobre os riscos e benefícios de tratamentos, diagnósticos e procedimentos, respeitando cabalmente o direito do paciente de tomar decisões informadas sobre sua própria saúde.
Para tanto, a relação deve ser pautada pela transparência, lealdade e respeito mútuo.
Somente a partir de uma informação clara e didática, prestada pelo profissional, o paciente poderá decidir, de forma verdadeiramente consciente, o melhor caminho para sua saúde e sua vida.
Além disso, a forma como a informação é registrada é crucial. Embora possa ser transmitida por diversos meios, o ideal é que seja formalizada através do TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, prontuários e até mensagens eletrônicas.
O indispensável é que tenha um conteúdo claro e um aceite expresso.
Esses documentos não apenas garantem a ciência do paciente, mas também funcionam como prova robusta do cumprimento do dever do médico, oferecendo segurança jurídica a ambos.
3. Disposições legais do dever geral de informação: O fundamento da boa prática
A obrigatoriedade do dever de informar não é uma mera recomendação, mas uma exigência legal e ética com bases sólidas:
No CDC:
- A legislação consumerista, especificamente em seu art. 6º, inciso III, assegura o direito fundamental do consumidor à informação adequada e clara sobre os serviços oferecidos, detalhando características, quantidade, qualidade, riscos e todos os aspectos relevantes.
- Nessa mesma linha, o art. 31 estabelece que a oferta de produtos e serviços deve conter informações corretas, claras, precisas e ostensivas, com especial atenção quando envolvem riscos à saúde ou segurança.
No CEM - Código de Ética Médica:
- Em seu art. 22, veda expressamente a realização de qualquer procedimento médico sem a obtenção prévia do consentimento informado do paciente ou de seu representante legal, exceto em situações de risco iminente de morte.
- Ao colher o consentimento informado, o médico deve ir além da mera formalidade, certificando-se de que o paciente compreendeu integralmente as informações prestadas, incluindo riscos e benefícios do tratamento, conforme delineado no art. 24.
- Adicionalmente, os arts. 34 e 88 reforçam o imperativo de o médico fornecer informações detalhadas sobre todos os procedimentos e tratamentos.
Como se extrai acima, o CEM impõe aos profissionais da medicina um dever de informação ainda mais rigoroso, dada a natureza de confiança e técnica da relação.
Ademais, o médico também é obrigado a fornecer orientações claras de pós-operatório ou pós-tratamento, assegurando que o paciente saiba exatamente como proceder após a alta.
A ausência dessa informação crucial, especialmente quando resultar em complicações para o paciente, pode configurar negligência ou omissão, gerando grave responsabilização ao profissional, que pode culminar em processos judiciais e sanções éticas
Outras importantes disposições sobre o dever de informação no CEM encontram-se nos arts. 4°, 15, 44, 73, 77, 101, 102 e 110, complementando o arcabouço legal.
Fica, assim, inequívoco que o dever de informação e o consentimento livre e esclarecido são pilares inegociáveis da relação médico-paciente, com um vasto e sólido amparo tanto no CDC quanto no Código de Ética Médica.
4. Conclusões: Informar para proteger
Conforme detalhadamente exposto, o direito à informação na relação médico-paciente possui um vasto e incontestável respaldo legal, alicerçado tanto no CDC quanto no Código de Ética Médica.
Esse direito permite ao paciente ter plena ciência sobre o procedimento que está sendo proposto e suas possíveis consequências.
Assim, sua decisão se torna verdadeiramente consciente, autônoma e alinhada à sua vontade. No campo da saúde, a importância desses fundamentos se eleva exponencialmente, visto que a integridade física, a própria vida e o bem-estar dos pacientes estão diretamente em jogo.
É imperativo ressaltar que o cumprimento do dever de informação e a obtenção do consentimento livre e esclarecido representam muito mais do que meras obrigações do profissional de saúde ou direitos do paciente. Eles são um mecanismo de dupla proteção: garantem a autonomia e uma decisão fundamentada ao paciente e, simultaneamente, blindam o profissional de saúde contra eventuais responsabilizações legais.
Em suma, a transparência e a comunicação eficaz são as chaves para uma relação médico-paciente robusta e segura, um ganho inestimável para todas as partes envolvidas e um pilar fundamental para a excelência na prática da saúde.
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https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm;
https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf;
https://www.migalhas.com.br/depeso/351954/direito-a-informacao-na-relacao-medico--paciente;
Barros, João Pedro Leite Direito à informação repercussões no direito do consumidor. - Indaiatuba, SP : Editora Foco, 2022.


