Da previsibilidade à estabilidade: A importância da segurança jurídica na Justiça do Trabalho
Segurança jurídica é pilar da Justiça do Trabalho e da democracia, essencial para garantir previsibilidade, estabilidade e confiança nas relações laborais.
sexta-feira, 25 de julho de 2025
Atualizado em 24 de julho de 2025 11:47
A segurança jurídica não é apenas um conceito técnico ou um artigo de lei, é o alicerce invisível que sustenta toda a convivência social, a base sobre a qual se constrói a confiança entre cidadãos, empresas e o Estado. No Direito e, especialmente na Justiça do Trabalho, esse é um preceito fundamental.
Os atores sociais precisam de legislações claras e transparentes para que as relações laborais e sociais se desenvolvam de forma estável, garantindo direitos, deveres e crescimento, especialmente para as empresas, que dependem dessas normas para sobreviver e expandir seus negócios, de modo a assegurar a manutenção do emprego para os trabalhadores.
Pensando nessa premissa, iniciou-se no TST entre o final de 2024 e o início de 2025, sob a presidência do ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga, uma mudança extremamente importante de paradigma, tendo sido aprovadas alterações no Regimento Interno e nas normas que regulamentam o processamento de recursos, com o objetivo central de racionalizar o trâmite processual e evitar que questões já pacificadas sejam encaminhadas ao tribunal.
Com essas reformulações, foi possível ao TST ampliar com vigor a análise dos IRR - Incidentes de Recursos Repetitivos e se debruçar sobre mais de 200 assuntos diferentes para consolidar e reafirmar sua jurisprudência. Quando resolvidos esses incidentes, havendo aprovação do Pleno, os temas passarão a ser objeto de precedentes vinculantes, que deverão ser aplicados pelos demais tribunais trabalhistas.
Temas que protagonizam intensos debates há anos podem ser finalmente decididos, como, por exemplo, a possibilidade de o empregador controlar o uso do banheiro pelos empregados (Tema 117); o pagamento de adicional de insalubridade para quem exerce atividade de recolhimento de lixo em condomínio residencial (Tema 100) ou a validade da recontratação por meio de pessoa jurídica de quem até então era registrado (Tema 30).
E, além de acelerar a aprovação destas teses, estabeleceu-se um novo filtro recursal, que impedirá o envio ao TST de casos com jurisprudência já firmada em precedentes vinculantes. Nada mais lógico e coerente, afinal estima-se que cheguem ao TST anualmente cerca de 500 mil recursos, sendo a imensa maioria rejeitada de plano, por contrariedade à jurisprudência já existente do próprio Tribunal.
Essa nova sistemática busca não apenas uniformizar a jurisprudência, mas sobretudo desestimular a recorribilidade excessiva, imprimir maior celeridade aos processos e trazer tão almejada segurança jurídica.
Como já destacou o ministro do STF Luiz Roberto Barroso, no julgamento do agravo regimental no agravo em recurso extraordinário 823.985/MG, o princípio da segurança jurídica, em sua dimensão objetiva, impede a retroação da lei, protegendo o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Na dimensão subjetiva, protege a confiança legítima, buscando preservar fatos passados de mudanças na interpretação jurídica, bem como resguardar os efeitos de atos considerados inválidos por qualquer motivo. Em última análise, esse princípio visa proteger as expectativas legitimamente criadas em indivíduos por atos do Estado.
Sua raiz é antiga. No direito romano, já existia o conceito da praesumptio boni viri, a presunção do homem de bem, destinada a assegurar estabilidade e confiança nas relações sociais e jurídicas, fundamentos essenciais para o funcionamento ordenado do direito. Ao longo dos séculos, essa ideia evoluiu e foi incorporada aos sistemas jurídicos modernos, tornando-se um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
No Brasil contemporâneo, essa proteção está expressamente consagrada na Constituição Federal, que assegura o direito adquirido e veda a retroatividade prejudicial da lei (art. 5º, inciso XXXVI). A segurança jurídica, por sua vez, é continuamente reforçada pela atuação da jurisprudência, que, por meio da criação de precedentes e súmulas, funciona como um farol a orientar e dar coerência ao sistema jurídico.
A construção de tribunais criminais, civis, trabalhistas ou religiosos é fundamental para qualquer sociedade, garantindo respeito às leis, proteção dos direitos e paz social. No direito judaico, por exemplo, o Beit Din, tribunal rabínico, já cumpria essa função há cerca de 3.000 anos, quando Moisés instituiu juízes para administrar a justiça conforme a Torá.
Retornando ao nosso contexto, no Brasil, o TST é o guardião desse farol no universo trabalhista. Entre seus instrumentos, estão as súmulas e precedentes vinculantes, por meio dos quais a Corte uniformiza a interpretação da lei, evitando que a incerteza crie um terreno movediço entre empregadores e trabalhadores. É como garantir que as regras do jogo sejam as mesmas para todos, evitando partidas injustas e promovendo estabilidade para o mercado.
Modelos internacionais de Justiça do Trabalho especializada
Além do Brasil, a Justiça do Trabalho especializada é adotada em diversas nações, com estruturas e procedimentos adaptados a seus sistemas jurídicos. Países de tradição Civil Law, como França, Alemanha, Chile e Argentina, possuem tribunais especializados para as questões trabalhistas, reconhecendo a complexidade e especificidade dessa matéria. Israel, embora tenha um sistema jurídico híbrido, também conta com órgãos especializados para julgar conflitos trabalhistas. Na França, por exemplo, os Conseils de prud'hommes remontam à Idade Média e foram moldados para lidar com os conflitos do mundo industrial.
No Reino Unido, país de sistema Common Law, os Employment Tribunals atuam em dois graus de jurisdição, garantindo o julgamento especializado das demandas trabalhistas. Em países escandinavos, como Suécia, Noruega e Finlândia, reconhecidos mundialmente por seus avanços sociais, também há Justiça do Trabalho especializada, demonstrando o reconhecimento global da necessidade de um sistema judicial capaz de garantir segurança jurídica e proteção aos trabalhadores.
Essa diversidade de modelos internacionais evidencia um ponto essencial: a segurança jurídica nasce da especialização, da clareza e da previsibilidade. A Justiça do Trabalho, enquanto instrumento específico para as relações laborais, deve oferecer respostas rápidas, justas e estáveis, garantindo confiança a todos os envolvidos.
O Brasil precisa, de fato, aprimorar a uniformização jurisprudencial, fomentar um diálogo social forte e permanente, capacitar os tribunais especializados e buscar uma legislação mais estável e revisada com planejamento. Essa combinação é fundamental para construir um sistema trabalhista mais justo, previsível e adaptado às constantes transformações econômicas e sociais.
Para ilustrar a importância desse modelo, podemos olhar para experiências internacionais consolidadas que têm obtido resultados positivos. Como exemplo, a Dinamarca é referência em revisão legislativa planejada. O país adota um sistema de avaliação periódica das leis, com prazos definidos para verificar a eficácia e a necessidade de atualização das normas. Esse processo visa manter a legislação atualizada e reduzir conflitos interpretativos, promovendo maior segurança jurídica.
A experiência dinamarquesa é inspiradora porque demonstra como essa prática cria um ambiente jurídico previsível e estável, fundamental para a confiança de trabalhadores, empregadores e instituições. Ao estabelecer prazos claros para avaliar e atualizar as leis, o sistema evita o acúmulo de normas desatualizadas e a insegurança interpretativa que afetam negativamente as relações de trabalho.
Além disso, a integração de órgãos especializados e a ênfase na negociação e conciliação reforçam a capacidade de adaptação rápida a mudanças econômicas e sociais, garantindo que a legislação acompanhe as transformações do mercado sem comprometer a estabilidade jurídica.
A segurança jurídica, recordemos, constitui um pilar fundamental para o crescimento econômico e a estabilidade dos negócios. Sem ela, as empresas enfrentam dificuldades para planejar, investir e inovar, comprometendo sua competitividade no mercado global.
No Brasil, a complexidade legislativa, a multiplicidade de normas trabalhistas, a morosidade dos julgamentos e a instabilidade das decisões criam um ambiente de incerteza que, inevitavelmente, estimula a judicialização excessiva e afasta investimentos.
Portanto, são bem-vindas todas as iniciativas que simplifiquem e tornem mais claras e estáveis as regras, fortalecendo a previsibilidade e a transparência do sistema jurídico. Somente assim será possível criar um ambiente propício ao desenvolvimento sustentável, em que a justiça seja acionada apenas para casos realmente relevantes, garantindo segurança jurídica efetiva, base fundamental para a paz social, a justiça real e o crescimento econômico.
Jonathan Saul Zumerkorn
Advogado do escritório Pipek Advogados.


