A melhor defesa médica é a melhor anotação médica em prontuário
Artigo destinado a médicos sobre a necessidade do desenvolvimento correto do prontuário a ser esse utilizado dentro da defesa médica junto da esfera ética administrativa do CRM/CFM, cível e criminal.
segunda-feira, 28 de julho de 2025
Atualizado às 10:42
Com mais de 20 anos de atuação na advocacia e na defesa de médicos perante os Conselhos Regionais de Medicina, observo que a grande maioria dos profissionais que respondem a processos ético-profissionais compartilha de uma mesma queixa: o excesso de trabalho e o alto número de atendimentos em tempo reduzido.
Infelizmente, essa sobrecarga imposta por hospitais - públicos ou privados - cria um cenário propício para riscos éticos constantes no exercício da medicina, especialmente relacionados à documentação da conduta médica.
O risco mais recorrente é a falta de anotação no prontuário ou a presença de anotações ilegíveis, em violação direta ao art. 87 do Código de Ética Médica, estabelecida pela resolução CFM 2.217/18, que estabelece:
"É vedado ao médico:
Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente."
Importante deixar registrado, que as anotações ilegíveis em 99% das vezes, trata-se da caligrafia ilegível, ou seja, o próprio médico pode causar o seu próprio dano.
Onde estão os verdadeiros riscos?
Entre intercorrências, plantões intensos e hospitais superlotados, muitos médicos acabam omitindo registros importantes de sua atuação. Exames solicitados, reavaliações, retornos, condutas terapêuticas, intercorrências e até datas e horários são muitas vezes deixados de fora ou lançados de forma incompleta ou ininteligível.
Essa omissão documental, muitas vezes involuntária, pode fragilizar profundamente a defesa do médico tanto na esfera ética quanto judicial.
O prontuário: muito além de uma formalidade
A boa anotação no prontuário médico não é uma mera exigência administrativa. Trata-se de um escudo jurídico e ético, que:
- Reconstrói, de forma cronológica e fidedigna, o raciocínio clínico do profissional;
- Demonstra o zelo, diligência e prudência no atendimento;
- Serve como elemento probatório essencial para a defesa em sindicâncias, processos ético-profissionais e ações judiciais.
O prontuário como principal instrumento de defesa
Um prontuário bem preenchido é, em muitos casos, a própria defesa médica. Ele registra:
- (i) A evolução clínica do paciente;
- (ii) A anamnese e o exame físico;
- (iii) As hipóteses diagnósticas;
- (iv) Os exames solicitados;
- (v) As condutas terapêuticas adotadas;
- (vi) A formalização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Esses dados evidenciam que o médico atuou com diligência, prudência e perícia, afastando a culpa por imperícia, imprudência ou negligência.
Na esfera ética: ausência de prontuário pode ser interpretada como negligência
Nos procedimentos conduzidos pelos Conselhos de Medicina (CRM/CFM), a análise do prontuário é decisiva para avaliar a conduta ética do profissional. A ausência, incompletude ou falhas relevantes nas anotações podem ser compreendidas como negligência, omissão ou até má-fé.
Vale lembrar que a conclusão de uma sindicância ou julgamento no PEP - Processo Ético-Profissional é baseada em critérios técnicos. Se comprovada a atuação correta do médico, sua absolvição será natural. Por outro lado, se houver omissão nos registros ou anotações ininteligíveis, a responsabilização ética se torna praticamente inevitável.
Nas esferas judiciais cível e criminal: o prontuário pode definir o desfecho do processo
- Na Justiça Cível, a existência de registros completos pode comprovar a ausência de nexo causal entre a conduta médica e o dano sofrido pelo paciente.
- Na esfera criminal, o preenchimento adequado do prontuário pode afastar imputações por omissão de socorro ou lesão corporal por imperícia.
Por outro lado, a conduta omissiva, aliada à ausência de registros, pode culminar na responsabilização civil, ética e criminal do médico.
Jurisprudência judicial relevante:
Para ilustrar a importância do prontuário médico como instrumento de prova, citamos a seguinte decisão do TJDFT:
Processo: 2016.01.1.122750-7
Relatora: Des. Vera Andrighi
Órgão Julgador: 6ª turma Cível
Julgamento: 30/5/2018 | Publicação: 12/6/2018
"A negligência estatal na prestação de serviços médicos ficou demonstrada, pois a autora não foi notificada sobre o diagnóstico de hepatite C, nem houve a anotação em seu prontuário médico, o que impossibilitou a realização tempestiva do tratamento e culminou na necessidade de transplante de fígado, em vista da evolução para o quadro de cirrose hepática."
Conclusão: a melhor defesa é a prevenção
A falta de registro adequado no prontuário não apenas configura infração ética, como pode gerar graves repercussões jurídicas. O preenchimento completo, claro e tempestivo do prontuário é indispensável tanto para a proteção legal do médico, quanto para a garantia dos direitos do paciente.
Mais do que um documento técnico, o prontuário é um instrumento de verdade e justiça - e pode ser o fator determinante entre uma condenação e uma absolvição.
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Resolução CFM 2.217/2018 - Art. 87 - "É vedado ao médico: Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente."
Jurisprudência - TJ/DFT - Processo: 2016.01.1.122750-7 - Órgão Julgador: 6ª turma Cível - Julgamento: 30/5/2018 | Publicação: 12/6/2018.


