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Contencioso de massa com inteligência artificial: Eficiência com responsabilidade

Quando a inteligência artificial encontra a advocacia com propósito: estratégia, reputação e responsabilidade no contencioso de massa.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Atualizado às 15:05

O contencioso de massa, em especial nas áreas consumerista, bancária, varejo, educacional e securitária, apresenta desafios intensos de escala, previsibilidade e controle.

A elevada judicialização no Brasil impõe às empresas um custo financeiro e institucional crescente. Para que a gestão de passivos judiciais seja eficaz, torna-se imperioso adotar soluções tecnológicas que permitam racionalização do trabalho sem renunciar à qualidade técnica e da segurança jurídica.

É nesse cenário que a inteligência artificial surge como vetor transformador, desde que empregada com responsabilidade e com base nas premissas abaixo.

1. Autoridade técnica: O advogado como cérebro da inteligência jurídica

Embora a tecnologia permita automatizar partes operacionais do contencioso, a essência da advocacia permanece inalterada: a formulação das teses, o domínio técnico da linguagem e a estratégia processual são atividades que exigem raciocínio jurídico refinado, experiência acumulada e sensibilidade forense, ou seja, atributos que nenhum sistema, por mais avançado, consegue replicar com autenticidade.

A autoridade técnica do advogado reside na capacidade de:

  • Construir teses coerentes com os precedentes vigentes, alinhadas ao perfil da empresa e à estratégia institucional;
  • Elaborar templates de peças processuais que sejam, ao mesmo tempo, padronizados e sensíveis às nuances de cada tipo de demanda;
  • Redigir com clareza, elegância e firmeza argumentativa, transmitindo ao magistrado segurança, urbanidade e rigor técnico.

2. Nada substitui o advogado na construção do discurso jurídico.

Ainda que uma IA seja capaz de replicar estruturas formais e identificar padrões argumentativos, somente o advogado compreende o contexto da empresa, o perfil da jurisdição e os riscos reputacionais envolvidos.

É o advogado quem define o tom, que deverá ser, idealmente:

A) Firme, mas sem agressividade;

B) Objetivo, sem meias-palavras;

C) Culto, porém sem "juridiquês".

Exemplo prático: Em uma operação com milhares de ações consumeristas, o uso de IA gerava rascunhos de contestações automaticamente. No entanto, somente após a curadoria jurídica rigorosa é que os argumentos são refinados com base em estratégias específicas, como a diferenciação entre vício do produto e uso indevido pelo consumidor.

A versão final da peça, revisada por advogado com vivência forense, apresentava linguagem clara, cortês e fundamentação elegante, o que o que resultou em aumento das improcedências e reconhecimento judicial da consistência técnica da defesa.

3. Estilo como instrumento de persuasão jurídica

Peças processuais automatizadas não devem parecer "frias" ou "robotizadas". Devem seguir o princípio de que a forma também fala e convence. A linguagem culta e objetiva, o uso preciso da terminologia jurídica e a apresentação visual cuidadosa compõem um discurso que respeita o Judiciário e valoriza a profissão.

  • Elegância e firmeza são compatíveis com volume e escala.
  • Técnica não se perde com tecnologia. Ela se potencializa.

Nenhuma tecnologia substitui o papel do advogado como responsável técnico pelas teses, pela coerência argumentativa e pela linha institucional de defesa de seus clientes.

Em operações de contencioso de massa, esse protagonismo se torna ainda mais evidente: a assinatura do advogado carrega não apenas o conteúdo jurídico, mas a sua reputação, sua credibilidade perante o Judiciário e a integridade do nome que representa.

O nome do advogado não é um detalhe, mas sim um selo de responsabilidade.

A figura do profissional à frente da operação deve reunir:

  • Visão estratégica: capacidade de compreender o impacto de cada tese sobre o passivo global;
  • Domínio técnico: elaboração de argumentos sólidos, consistentes e compatíveis com a jurisprudência atual;
  • Estilo jurídico próprio: peças que transmitam postura firme, linguagem elegante e persuasão clara;
  • Capacidade de liderança forense: enfrentamento sereno da pressão de milhares de processos, sem jamais banalizar o ato de peticionar.

4. Resistência às pressões e mente refinada

O advogado que assina milhares de peças precisa ter resistência para sustentar a operação sob fogo cruzado, mas mente refinada para manter a unidade técnica, a serenidade nas escolhas e a qualidade jurídica mesmo sob forte tensão operacional e muitas vezes emocional, haja vista não são raros os ataques pessoais que poderá sofrer.

Não se trata apenas de volume. Trata-se de dominar a arte da guerra sem perder a nobreza da batalha, atuando sempre com honra e respeito.

Cada peça assinada projeta a identidade técnica de quem a subscreve. Cada tese sustentada revela a maturidade do nosso pensamento jurídico. E cada decisão favorável consagra uma estratégia construída com rigor e visão.

5. Responsabilidade pessoal em tempos de automação

O uso de Inteligência Artificial, quando inserido em operações jurídicas, exige ainda mais vigilância por parte do responsável técnico.

É ele quem garante que:

  • Nenhuma petição seja protocolada sem validação jurídica consciente;
  • A automação não gere ruído argumentativo ou despersonalização da defesa;
  • O tom, a tese e a linguagem estejam alinhados à reputação do cliente e ao perfil do juiz;
  • A estrutura organizacional suporte o volume sem perda de integridade jurídica.

Não é o volume que impõe a simplificação. É a inteligência jurídica que impõe sofisticação em escala.

6. Tecnologia como aliada, e não substituta, da advocacia estratégica

A aplicação de IA em contencioso de massa permite ganhos tangíveis, especialmente quando implementada em fluxos controlados e supervisionados por equipe jurídica qualificada.

A seguir, alguns exemplos práticos de retornos anuais sobre investimento já obtidos em operações com aplicação de IA:

  • Case 1 - Setor educacional: universidade com 9 mil processos em curso, principalmente demandas de revisão contratual e cobranças indevidas. Com automação da análise inicial e uso de IA para classificação das ações por perfil de risco e jurisprudência dominante, foi possível reduzir em 62% o tempo médio de resposta, com economia anual estimada em R$1,8 milhão em honorários advocatícios externos, sem perda de qualidade.
  • Case 2 - Setor bancário: instituição financeira enfrentava um volume médio de 1.500 novos processos por mês em juizados especiais. Com implantação de IA para geração de petições de baixa complexidade e automatização da triagem processual, os custos por processo caíram vertiginosamente uma redução de 30% por demanda, resultando em economia superior a R$6 milhões por ano.
  • Case 3 - Varejo e E-commerce: conglomerado com milhares de ações sobre vício de produto e cobranças indevidas de frete. A partir da padronização argumentativa via modelos parametrizados por IA, obteve-se uma redução de 41% no número de condenações e consequente economia de R$3,4 milhões em indenizações evitadas, além de maior uniformidade na tese institucional.

Esses ganhos não se limitam à esfera financeira. A tecnologia empregada com responsabilidade jurídica resulta também em redução de riscos reputacionais, maior previsibilidade orçamentária e fortalecimento da coerência institucional perante o Judiciário.

7. Eficiência com responsabilidade: os pilares da governança tecnológica

O uso responsável da IA pressupõe um modelo híbrido, em que a automação seja utilizada com critérios claros, segurança de dados e validação humana criteriosa. Em nossa prática, seguimos três eixos fundamentais:

  1. Curadoria jurídica qualificada: nenhuma petição crítica é protocolada sem validação humana, mesmo quando gerada por IA.
  2. Governança e LGPD: os dados processuais e dos consumidores são tratados em conformidade com a legislação de proteção de dados.
  3. Rastreabilidade e accountability: todos os fluxos automatizados são auditáveis e passíveis de controle externo por comitês internos e auditorias.

Não se trata de substituir a advocacia, mas de ampliar sua potência técnica e estratégica, em escala.

8. Para além da redução de custos: consistência e reputação institucional

O contencioso de massa não deve ser tratado como um passivo inevitável. Ele pode, e deve, ser gerido de forma estratégica.

Com o uso da tecnologia correta, é possível:

  • Antecipar riscos com dashboards inteligentes;
  • Uniformizar a tese jurídica em todas as regiões do país ou adaptar conforme tendências regionais (o Brasil possui tais peculiaridades);
  • Criar indicadores confiáveis para subsidiar decisões gerenciais;
  • Blindar a imagem institucional perante consumidores, Procons e o Judiciário.

A eficiência não está na padronização cega, mas na padronização pensada, calibrada e estrategicamente construída.

9. Autoridade técnica: Responsabilidade, elegância e defesa da imagem do cliente

No contencioso de massa, o advogado responsável técnico não representa apenas uma causa processual, ele representa a imagem da marca perante o Poder Judiciário.

Cada peça protocolada é também uma manifestação institucional. Por isso, exige-se não apenas rigor jurídico, mas também:

  • Linguagem respeitosa e culta, que reforce a credibilidade do cliente e transmita urbanidade aos magistrados;
  • Argumentação firme, mas jamais hostil, com base em dados, jurisprudência e fatos claros;
  • Consciência institucional, para evitar teses que, ainda que tecnicamente defensáveis, possam desgastar a reputação da marca no longo prazo.

10. A arte de saber quando defender e quando reparar

A autoridade técnica também se expressa na capacidade de discernimento: nem todo processo deve ser combatido com a mesma intensidade. Há situações em que a falha ocorreu, na entrega, no atendimento, na prestação do serviço, e o verdadeiro interesse do cliente está na resolução célere e respeitosa da demanda.

É preciso diferenciar:

Tipo de Demanda

Estratégia Recomendada

Reclamações infundadas ou oportunistas

Defesa técnica vigorosa, com argumentação jurídica clara e prova documental firme

Reclamações legítimas, com falha comprovada

Reconhecimento estratégico do erro, com proposta de acordo ou composição objetiva

Saber quando litigar e quando resolver é tão importante quanto saber ganhar.

11. Advocacia que protege, não apenas responde

A missão do advogado responsável técnico é blindar a imagem institucional do cliente, e isso exige mais do que argumentos prontos: exige visão, sofisticação e discernimento.

É por isso que o contencioso massificado não pode ser delegado a meras máquinas.

Ele precisa de advogados com:

  • Postura institucional irrepreensível;
  • Raciocínio jurídico afiado e linguagem estratégica;
  • Capacidade de sustentar milhares de processos sem perder o controle, o respeito e a sensatez (e aqui entre nós, sem enlouquecer no meio do caminho).

12. Advocacia de massa com inteligência, tecnologia e responsabilidade

O futuro do contencioso de massa não se constrói apenas com escala, mas com densidade jurídica, consciência institucional e decisões orientadas por propósito e não somente por dados, pois muitas vezes a marca do cliente é seu principal ativo.

A inteligência artificial, quando aplicada com critério, ética e supervisão técnica rigorosa, torna-se um instrumento de qualificação, e não de substituição, da prática forense.

Mais do que automatizar, trata-se de estruturar inteligências jurídicas operacionais, com consistência argumentativa, governança sobre os fluxos e sensibilidade para os impactos reputacionais.

É nesse equilíbrio entre técnica e responsabilidade que o contencioso deixa de ser apenas um passivo gerencial e passa a integrar a arquitetura estratégica da organização.

Lucas Hernandez do Vale Martins

VIP Lucas Hernandez do Vale Martins

Pós-Graduado pela FGVLaw em Processo Civil. Especialista em Contract Law - Harvard Law School. Advogado Societário e Empresarial com projeção Internacional. Relator do Tribunal de Ética da OAB/SP

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