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Franqueador reborn: O renascimento de fachada e seus riscos jurídicos

Análise critica a empresas que tentam se reposicionar no mercado por meio de estratégias visuais e de marketing, sem promover mudanças reais em sua conduta jurídica.

terça-feira, 29 de julho de 2025

Atualizado às 15:08

Introdução

O universo do franchising tem vivenciado uma onda de rebranding (processo estratégico de marketing que envolve a mudança da identidade e reposicionamento de marca) por parte de franqueadores - fenômeno que, à primeira vista, pode representar uma evolução saudável do mercado. No entanto, o que se observa em muitos casos é o que denomino de "Franqueador Reborn": marcas que "renascem" na aparência, mas permanecem com as mesmas práticas abusivas nos bastidores.

O que é o Franqueador Reborn?

A expressão, criada por mim com base na analogia aos bebês reborn - bonecos realistas que simulam o aspecto de recém-nascidos, mas não são vivos - define franqueadores que promovem mudanças estéticas e discursivas, sem alterar aspectos essenciais da relação jurídica com seus franqueados.

Trata-se de um renascimento aparente:

  • nova identidade visual;
  • nova promessa de mercado;
  • novo marketing institucional.

mas mesmas cláusulas desequilibradas, ausência de suporte operacional, e mesma cultura de omissão e sobrecarga contratual.

O problema jurídico por trás do renascimento de fachada

O fenômeno do franqueador reborn, embora se apresente ao mercado sob o discurso de reposicionamento estratégico e renovação institucional, muitas vezes representa uma violação direta aos princípios fundamentais do contrato de franquia, em especial à boa-fé objetiva, à função social do contrato e à transparência informacional.

A lei 13.966/19, que regula o sistema de franquias no Brasil, exige expressamente que o franqueador forneça, de forma prévia e com no mínimo 10 dias de antecedência à assinatura do contrato, uma COF - Circular de Oferta de Franquia completa, clara e atualizada. O descumprimento dessa exigência pode acarretar nulidade do contrato e devolução integral dos valores pagos pelo franqueado, conforme previsto no art. 4º da referida norma legal.

Entretanto, observa-se que muitos franqueadores, ao promoverem um rebranding de fachada, mantêm em seus bastidores:

  • contratos com obrigações desproporcionais, sem efetiva revisão jurídica;
  • fornecimento exclusivo com prestadores vinculados à franqueadora, sem margem de negociação;
  • taxas e royalties descolados da realidade operacional e do suporte efetivo;
  • ausência de estrutura mínima para o cumprimento das obrigações contratuais de apoio técnico e operacional.

Essas práticas contrariam os princípios consagrados nos arts. 421 e 422 do CC, que consagram a função social do contrato e a boa-fé objetiva como eixos estruturantes da relação contratual.

O STJ, no julgamento do REsp 687.322/RJ, afirmou que, embora o contrato de franquia não se submeta automaticamente às normas do CDC, é plenamente aplicável a ele o controle de equilíbrio contratual com base no CC. A jurisprudência do TJ/DFT também reforça que, mesmo quando não há relação de consumo, o franqueador pode integrar a cadeia de fornecimento e responder solidariamente por danos ao consumidor final.

Consequências jurídicas da conduta

A atuação do chamado "franqueador reborn" - aquele que apenas reposiciona sua imagem sem alterar sua conduta - pode ensejar diversas repercussões jurídicas, entre elas:

Rescisão contratual com fundamento na onerosidade excessiva (arts. 478 e 479 do CC);

Indenizações por vícios ocultos ou omissão dolosa na fase pré-contratual (arts. 186, 187, 421, 422, e 441 do CC);

Declaração de nulidade de cláusulas abusivas, especialmente aquelas que comprometem a autonomia do franqueado sem contrapartida clara;

Investigações do Ministério Público ou atuação de órgãos de defesa do consumidor, em caso de indícios de prática coletiva de infrações

Franqueador Reborn: o perigo do que só parece ser

Assim como os bebês reborn impressionam pela aparência, mas não são reais, o franqueador reborn encanta à primeira vista, com logotipos novos, redes sociais movimentadas, vídeos promocionais bem produzidos e discursos recheados de propósito e inovação. Porém, ao olhar com lupa - contratos, números, estrutura de suporte e histórico de conflitos - a realidade se revela decepcionante.

A verdade é que:

Nem toda marca que renasce se reinventa de fato;

Nem todo rebranding corresponde a uma evolução institucional séria;

Nem todo franqueador com visual moderno abandonou velhas práticas predatórias.

Essa dissonância entre forma e conteúdo compromete a confiança no sistema de franquias e prejudica diretamente o elo mais vulnerável da cadeia: o franqueado.

Considerações finais

A analogia do "Franqueador Reborn" surge como um alerta necessário num cenário em que a aparência muitas vezes se sobrepõe à substância. Como advogada empresarial com experiência prática no franchising, tenho atendido inúmeros empreendedores que, iludidos por uma comunicação bem feita, ingressaram em redes sem estrutura, suporte ou equilíbrio contratual.

É papel do Direito expor e coibir essas condutas, protegendo não só o franqueado, mas o próprio sistema de franquias como modelo sustentável de crescimento.

Se você é franqueado, pensa em ingressar em uma rede, ou representa juridicamente empreendedores neste setor, compartilhe este conteúdo. A conscientização é o primeiro passo para um franchising mais justo.

Silmara Silva

Silmara Silva

Advogada especializada em Direito Empresarial, com foco em franchising e estruturação de holdings. Idealizadora Projeto Franchising p/ Elas. Presidente da Comissão Especial de Franchising OAB StoAmaro

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