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Quarteto Fantástico e o empreendimento de economia solidária: O que a Marvel nos ensina sobre Direito Empresarial?

A Fundação Futuro, do Quarteto Fantástico, ilustra bem os princípios da economia solidária, podendo ser enquadrada como EES conforme a lei 15.068/24.

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Atualizado em 31 de julho de 2025 14:24

A cultura pop é rica em referências ao Direito Empresarial. Nos quadrinhos, por exemplo, encontramos empresas como a "Wayne Enterprises", um conglomerado fictício do universo DC Comics comandada pelo Bruce Wayne (spoiler: o Batman) e a "Stark Industries", do universo Marvel, administrada pelo Tony Stark (spoiler: o Homem de Ferro). Ambas já apareceram nos filmes, que obviamente bebem da fonte: as histórias em quadrinhos.

Recentemente o grande público teve acesso a empresa "Fundação Futuro" no filme Quarteto Fantástico: Primeiro Passos da Marvel Studios. A Fundação Futuro foi criada nos quadrinhos Marvel em Fantastic Four número 578, em 20101 e adaptada para as telonas.

A Fundação Futuro, sociedade idealizada por Reed Richards, é uma empresa com objetivo de trazer soluções inovadoras para desafios sociais e científicos: "a Fundação Futuro convida você a dar os primeiros passos em uma nova era fantástica" (frase do trailer do filme).

Se trouxermos a Fundação Futuro para o Direito Societário, ela poderia ser constituída como um EES - empreendimento de economia solidária, nos termos da lei 15.068/24, conhecida como "lei Paul Singer".

O empreendimento de economia solidária é uma nova espécie de pessoa jurídica surge com a lei 15.068/24 (LES - lei da economia solidária), inspirada na teoria do economista Paul Singer que assim define: "a economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidariedade e a igualdade, cuja reprodução, no entanto, exige mecanismos estatais de redistribuição solidária da renda. Em outras palavras, mesmo que toda atividade econômica fosse organizada em empreendimentos solidários, sempre haveria necessidade de um poder público com a missão de captar parte dos ganhos acima do considerado socialmente necessário para redistribuir essa receita entre os que ganham abaixo do mínimo considerado indispensável. Uma alternativa frequentemente aventada para cumprir essa função é a renda cidadã, uma renda básica igual, entregue a todo e qualquer cidadão pelo Estado, que levantaria o fundo para esta renda mediante um imposto de renda progressivo."2 (art. 2º, lei 15.068/243).

Os empreendimentos econômicos solidários formalizados juridicamente serão classificados como pessoas jurídicas de fins econômicos sem finalidade lucrativa (art. 4º4, §2º, LES).

Contudo, em que pese a lei da economia solidária trazer os empreendimentos econômicos solidários como uma espécie de pessoa jurídica, entendemos não se tratar de nova pessoa jurídica, mas de um enquadramento quando preenchidos os requisitos do art. 4º da lei 15.068/24.

Inclusive, o art. 4º, §1º, da lei 15.068/24 afirma que o enquadramento do empreendimento como beneficiário da Política Nacional de Economia Solidária independe de sua forma societária, desde que o empreendimento econômico solidário seja formalizado juridicamente como pessoas jurídicas de fins econômicos sem finalidade lucrativa (art. 4º, §2º, LES).

Para ser qualificada como empreendimento de economia solidária, a entidade precisa atender a requisitos como: (i) autogestão coletiva e voto singular nas decisões; (ii) participação direta dos membros nas atividades; (iii) práticas de comércio justo ou prestação de serviços solidários; (iv) distribuição democrática dos resultados financeiros; e (v) destinação de recursos para desenvolvimento comunitário ou apoio a outros empreendimentos.

Nesse sentido, a Fundação Futuro, com seus membros (cientistas e jovens talentos) envolvidos diretamente nas decisões e no desenvolvimento dos projetos, remete diretamente a esse modelo de gestão comunitária e participativa.

Além disso, nos termos do art. 5º da lei 15.068/24, o  empreendimento de economia solidária deve seguir princípios como: (i) administração democrática; (ii) adesão voluntária; (iii) trabalho decente; (iv) sustentabilidade ambiental; (v) cooperação entre redes solidárias; (vi) inserção comunitária e; (vii) transparência na gestão e nos preços justos.

No contexto da Fundação Futuro, os projetos científicos e sociais têm impacto coletivo, primam pela transparência (compartilhamento de conhecimento) e visam resultados além do lucro - tudo alinhado com esses princípios.

A lei ainda visa reduzir desigualdades sociais, fortalecer redes solidárias, promover acesso a crédito, mercado e tecnologia, inclusão social e desenvolvimento territorial sustentável. Esses objetivos se encaixam no escopo da Fundação Futuro: soluções integradas que articulam tecnologia, educação e bem-estar social.

Os eixos da política incluem: (i) formação e qualificação; (ii) acesso a finanças e crédito; (iii) fomento à comercialização justa; (iv) articulação de redes solidárias; (v) recuperação de empreendimentos autogestionários; e (vi) apoio à pesquisa e tecnologia.

Esses eixos representam o cerne da atuação da Fundação Futuro: pesquisa aplicada, mobilização comunitária e disseminação de conhecimento técnico para benefício coletivo.

O CC inclui os empreendimentos de economia solidária como pessoas jurídicas de direito privado, equiparando-os às associações e fundações, com aplicação subsidiária das regras das associações.

A Fundação, organizada com estatutos claros de gestão coletiva, poderia ser formalizada como pessoa jurídica sem fins lucrativos, cadastrada no Sinaes - Sistema Nacional de Economia Solidária, com direito ao apoio público previsto legalmente.

Se os membros (cientistas, jovens talentos, voluntários) deliberam coletivamente sobre os projetos e colocam seus resultados a serviço da comunidade, a Fundação Futuro estaria em consonância com o art. 4º da lei 15.068/24 (autogestão e voto singular).

Embora idealizada em uma ficção científica, a missão da Fundação Futuro, pensar soluções para a humanidade, promover ciência como instrumento social, encaixa-se perfeitamente no objetivo da Política Nacional de Economia Solidária (Promoção do desenvolvimento local, justiça social, acesso à tecnologia).

A Fundação Futuro promoveria capacitação, compartilharia conhecimento e criaria parcerias entre diferentes atores, exatamente o que os eixos de ação da lei visam fomentar (Art. 8º).

Formalizada como pessoa jurídica de economia solidária, a Fundação Futuro poderia integrar o no Sinaes - Sistema Nacional de Economia Solidária, acessar programas de fomento, financiamento e participar de redes governamentais e sociais, fortalecendo sua atuação coletiva.

Deste modo, podemos afirmar que a lei 15.068/24 institui um marco jurídico robusto para reconhecer e apoiar empreendimentos solidários, e se a Fundação Futuro existisse na vida real, poderia se enquadrar perfeitamente nesse regime jurídico. Com sua gestão democrática, compromisso com a justiça social, inovação tecnológica e cooperação comunitária, ela representaria um modelo emblemático de economia solidária - conectando ficção e Direito empresarial de forma exemplar.

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1 https://www.omelete.com.br/filmes/quarteto-fantastico-fundacao-futuro-o-que-e. Acesso em 30/7/2025.

2 SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. 1ª ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002. p. 10/11.

3 Art. 2º A economia solidária compreende as atividades de organização da produção e da comercialização de bens e de serviços, da distribuição, do consumo e do crédito, observados os princípios da autogestão, do comércio justo e solidário, da cooperação e da solidariedade, a gestão democrática e participativa, a distribuição equitativa das riquezas produzidas coletivamente, o desenvolvimento local, regional e territorial integrado e sustentável, o respeito aos ecossistemas, a preservação do meio ambiente e a valorização do ser humano, do trabalho e da cultura.

4 Art. 4º São empreendimentos de economia solidária e beneficiários da Política Nacional de Economia Solidária os que apresentem as seguintes características: I - sejam organizações autogestionárias cujos membros exerçam coletivamente a gestão das atividades econômicas e a decisão sobre a partilha dos seus resultados, por meio da administração transparente e democrática, da soberania assemblear e da singularidade de voto dos associados; II - tenham seus membros diretamente envolvidos na consecução de seu objetivo social; III - pratiquem o comércio de bens ou prestação de serviços de forma justa e solidária; IV - distribuam os resultados financeiros da atividade econômica de acordo com a deliberação de seus membros, considerada a proporcionalidade das operações e atividades econômicas realizadas individual e coletivamente; V - destinem o resultado operacional líquido, quando houver, à consecução de suas finalidades, bem como ao auxílio a outros empreendimentos equivalentes que estejam em situação precária de constituição ou consolidação, e ao desenvolvimento comunitário ou à qualificação profissional e social de seus integrantes. § 1º O enquadramento do empreendimento como beneficiário da Política Nacional de Economia Solidária independe de sua forma societária. § 2º Os empreendimentos econômicos solidários formalizados juridicamente serão classificados como pessoas jurídicas de fins econômicos sem finalidade lucrativa. § 3º Não serão beneficiários da Política Nacional de Economia Solidária os empreendimentos que tenham como atividade econômica a intermediação de mão de obra subordinada. § 4º Os empreendimentos econômicos solidários que adotarem o tipo societário de cooperativa serão constituídos e terão seu funcionamento disciplinado na forma da legislação específica.

Wagner José Penereiro Armani

Wagner José Penereiro Armani

Sócio do escritório Bismarchi | Pires Sociedade de Advogados. Doutor em Direito Empresarial pela PUC- SP, mestre em Direito Civil pela UNIMEP, graduado em Direito pela PUC-Campinas. Professor de Direito Comercial na PUC-Campinas e na ESA. Secretário Geral Adjunto da OAB-Campinas. Autor e coautor de diversos livros e artigos jurídicos, possui mais de 20 anos de experiência na área contratual e societária. Sócio da área contratual e societária do escritório Bismarchi | Pires, ele une sólida experiência prática e acadêmica, oferecendo soluções jurídicas de alto nível para os clientes.

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