MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Constelação familiar aplicada ao Direito das Famílias e Sucessões

Constelação familiar aplicada ao Direito das Famílias e Sucessões

Uma abordagem interdisciplinar para resolução de conflitos. Método complementar para soluções mais humanas, conscientes e duradouras dos conflitos.

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Atualizado em 7 de agosto de 2025 07:38

1. Introdução

Você já esteve diante de um processo que parecia simples, mas se desdobrou em múltiplas ações, incontáveis petições, audiências repletas de dor e olhares atravessados? É comum que processos de família comecem com um pedido de guarda, regime de convivência ou alimentos... e se transformem em batalhas que consomem anos, dinheiro e saúde emocional das partes. Como se, ao invés de resolver, o processo alimentasse ainda mais o conflito.

No fundo, o que está em disputa muitas vezes não é um imóvel, uma pensão ou o tempo de convivência com os filhos. O que se tenta resolver, sem saber, são dores profundas que não encontraram um lugar: exclusões, mágoas ancestrais, lealdades inconscientes.

Nesse cenário, a Constelação Familiar Sistêmica surge como uma ferramenta de apoio. Embora originada na psicoterapia fenomenológica, sua incorporação ao contexto jurídico tem se mostrado promissora como meio de ampliar a consciência dos envolvidos e possibilitar reconexões que antecedem acordos e soluções pacíficas.

2. Fundamentos da Constelação Familiar Sistêmica

A Constelação Familiar foi desenvolvida por Bert Hellinger, fundamentada em três leis sistêmicas: pertencimento, hierarquia e equilíbrio nas trocas. A desordem nesses princípios pode gerar repetições de padrões e exclusões que se manifestam como conflitos no presente.

O método consiste na representação simbólica do sistema familiar por meio de bonecos, pessoas ou objetos, com o objetivo de revelar dinâmicas inconscientes e restabelecer a ordem interna do sistema. Trata-se de um recurso fenomenológico que busca visualizar o que está oculto à consciência racional.

Como pontua Hellinger1 (2006), "somente quando tomamos o nosso lugar no sistema, com amor e responsabilidade, a ordem retorna".

3. Aplicações práticas no contexto jurídico

O Direito das Famílias e Sucessões não trata apenas de leis. Ele lida com afetos, vínculos, perdas, escolhas e histórias não resolvidas. É o ramo do Direito onde a dor fala mais alto que a razão, onde cada assinatura carrega lágrimas não choradas e palavras não ditas. Por isso, a Constelação tem sido aplicada como instrumento complementar em casos como:

  • Divórcios litigiosos;
  • Disputas de guarda e convivência;
  • Alienação parental;
  • Inventários e partilhas;
  • Curatelas e interdições.

A resolução 125/102 do Conselho Nacional de Justiça estimula a adoção de métodos autocompositivos, o que abriu espaço para a utilização da Constelação em CEJUSCs - Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, como já ocorre nos TJ/GO3 e do TJ/DFT4.

Mesmo diante de decisões judiciais consideradas procedentes, parcialmente procedentes ou improcedentes, muitas vezes persiste um sentimento de insatisfação. Isso ocorre porque, além das questões legais, há lealdades invisíveis e padrões emocionais herdados de pais, avós, bisavós e outros ancestrais. São repetições inconscientes que buscam, muitas vezes, um desfecho diferente daquele que a história familiar viveu.

Em uma situação envolvendo processo de divórcio, observou-se que a cada movimentação judicial surgia um mal-estar físico e emocional. Após a realização de uma constelação familiar, houve o reconhecimento de que o padrão relacional repetia a dinâmica vivida pelos pais do envolvido. Esse novo olhar permitiu que ele se abrisse ao diálogo, resultando em um acordo célere e mais leve.

 

Em outro exemplo, durante uma disputa judicial de guarda, uma mulher, ao constelar, reconheceu que o pai da criança, que realizava trabalho remoto, tinha condições favoráveis para oferecer estabilidade à filha. Com essa percepção, foi possível aliviar o sentimento de culpa e promover uma decisão mais consciente, abrindo mão da guarda exclusiva em nome do bem-estar da criança.

4. Limites e aspectos jurídicos da integração

É imprescindível reforçar que a Constelação não substitui o processo judicial e não gera efeitos jurídicos vinculantes. Seu papel é ampliar a consciência das partes, favorecendo soluções consensuais e menos adversariais.

Legalmente, sua aplicação deve respeitar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. A técnica deve ser voluntária, informada e conduzida por profissional capacitado, preferencialmente sob supervisão autorizada em ambiente judicial ou extrajudicial adequado.

5. O novo perfil do advogado no Direito das Famílias

O exercício da advocacia nesse campo exige sensibilidade, escuta ativa e preparo para lidar com conflitos humanos complexos. Em tempos de transformação das estruturas familiares, é essencial que o advogado esteja receptivo a métodos colaborativos de resolução.

Ferramentas como a mediação, a conciliação e, mais recentemente, a Constelação Familiar Sistêmica, não apenas desafogam o Judiciário, mas promovem soluções mais respeitosas e eficazes.

Nesse contexto, o advogado deixa de ser apenas estrategista jurídico para se tornar também agente de pacificação. Conhecer ferramentas como a Constelação, mesmo que não as aplique, é um diferencial ético e técnico. Trata-se de um compromisso com a advocacia consciente, voltada à proteção dos vínculos familiares, e não à sua ruptura sistemática.

6. Considerações finais

A Constelação Familiar aplicada ao Direito das Famílias e Sucessões revela-se uma resposta ética e sensível à complexidade dos conflitos familiares. Quando utilizada com responsabilidade, dentro dos limites técnicos e legais, torna-se uma ferramenta legítima para facilitar acordos e humanizar o acesso à Justiça.

Sim, é possível fazer diferente. Sim, é possível advogar com alma, sem abrir mão da lei. Sim, é possível integrar técnica e sensibilidade. E, principalmente: é possível devolver dignidade às famílias, mesmo diante da dor.

A Constelação não é mágica, mas pode ser um portal. Um convite para olhar onde nunca se olhou. Uma forma de justiça que começa do lado de dentro. Porque nem todo conflito precisa de sentença. Alguns só precisam de reconexão.

_______

Referência Bibliográfica

HELLINGER, Bert. A paz começa na alma: as Constelações Familiares a serviço da reconciliação. Tradução de Tarcísia Múcia Lobo Ribeiro. Patos de Minas: Editora Atman, 2006.

1 HELLINGER, Bert. A paz começa na alma: as Constelações Familiares a serviço da reconciliação. Tradução de Tarcísia Múcia Lobo Ribeiro. Patos de Minas: Editora Atman, 2006.

2 Resolução nº 125/2010 CNJ. Link de Acesso: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156. Acessado em jun/2025.

3 TJGO é premiado por mediação baseada na técnica de constelação familiar. https://www.cnj.jus.br/tjgo-e-premiado-por-mediacao-baseada-na-tecnica-de-constelacao-familiar/. Acessado em jun/2025.

4 TJDFT começa a usar constelações familiares na resolução de conflitos. Link de Acesso: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2016/fevereiro/tjdft-comeca-a-usar-constelacoes-familiares-na-resolucao-de-conflitos Acessado em: jun/2025.

Desirèe Caroline Troiano

Desirèe Caroline Troiano

Advogada Especialista em Direito Processual Civil, Direito das Famílias e Sucessões com Docência ao Ensino Superior, Mestranda Direito de Família, Infância e Adolescência UBA. Presidente CDFAMCampinas

Milena Paula

Milena Paula

Advogada, Terapeuta Energética Empresarial com formação em Constelação Familiar & Xamânica (Curso de Extensão Universitária - Centro Universitário do Planalto de Araxá), Conciliadora e Mediadora certificada pela ESA. Palestrante na OAB Campinas sobre o tema "Constelação Familiar no Direito das Famílias: Compreendendo as Dinâmicas Familiares e seu Impacto Jurídico".

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca