Choque de Vênus: A batalha dos podcasts Vênus e Vênus Day Talks
Dois podcasts, um nome e uma lição valiosa: até no Olimpo digital, a identidade precisa ser única - ou a confusão reina.
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado às 13:14
Nos últimos dias, a jornalista Camila Fremder viralizou ao confundir os podcasts 'Vênus' e 'Vênus Day Talks' e participar do programa errado. Os cortes da convidada em momentos de constrangimento durante a entrevista, a abordagem de assuntos que não fazem parte do conteúdo compartilhado pela Camila, saindo completamente da sua esfera, além da fama já consolidada do podcast "Vênus", liderado por Cris Paiva e Yasmin Yassine contribuíram para um mesmo resultado: o caso viralizou. E um bom motivo para que isso tenha ocorrido é exatamente a identificação do público com a situação da Camila, uma vez que a opinião da internet foi quase unânime ao entender que qualquer um seria capaz de confundir um podcast chamado "Vênus" com outro chamado "Vênus Day Talks". Além do mais, outras personalidades famosas também teriam cometido a mesma confusão entre as produções.
É fácil notar que ambos os podcasts possuem VÊNUS como principal elemento distintivo. Aliás, "Day Talks" são termos de uso comum quando estamos falando sobre uma produção de conversas em formato de áudio e vídeo. Logo, "Day Talks" "é um termo genérico e amplamente utilizado para designar formatos de bate-papo em áudio ou vídeo, não conferindo, portanto, distintividade suficiente para evitar a confusão no mercado. Criado em 2021 pelo Grupo Flow, o Vênus Podcast é o primeiro videocast feminino do Brasil, com mais de 300 episódios e 1 milhão de inscritos no YouTube. Do ponto de vista jurídico, a lei da propriedade industrial (lei 9.279/1996) estabelece que não se pode registrar marca que reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca alheia já registrada ou notoriamente conhecida, se houver possibilidade de confusão ou associação indevida. Por outro lado, ainda que não haja registro em vigor por parte do "Vênus Podcast", criado em 2021, o art. 129 da mesma lei garante ao usuário de boa-fé a proteção decorrente da anterioridade do uso. Ou seja, o direito à marca não se limita apenas ao registro formal, mas também à notoriedade e ao uso efetivo anterior no mercado.
Já o podcast Vênus Day Talks foi criado há mais ou menos um ano, em setembro de 2024, com foco e conteúdo sobre saúde da mulher, família e maturidade feminina, contando com pouco mais de 8 mil inscritos no Youtube. Diante disso, a adoção de um nome idêntico ao de um podcast pré-existente, ainda que acrescido de termos genéricos, pode configurar concorrência desleal, nos termos do art. 195, inciso III, da LPI.
Importa destacar que não há qualquer relação institucional, contratual ou gerencial entre o Vênus Podcast e o Vênus Day Talks, o que agrava ainda mais a situação. A semelhança nos nomes pode induzir o público a crer que ambos pertencem ao mesmo grupo, equipe ou linha editorial - o que não é verdade - expondo ambos à associação indevida com conteúdo, posicionamentos e abordagens com os quais não tem qualquer vínculo.
Assim, restando claro que ambas as produções se trata de podcasts apresentados por mulheres com o mesmíssimo nome VÊNUS, é quase impossível não haver confusão entre eles, tanto do público, quanto dos próprios convidados. Não só isso, mas também o fato de o Vênus Podcast possuir um público fixo e reconhecimento e fama consolidados no segmento de produções online, além de mais tempo de existência - três anos na internet são contados como anos de vida de cachorro -, faz com que o próprio público entenda que talvez o Vênus Day Talks esteja querendo "pegar carona", angariando visualizações e até mesmo convidados pela possível confusão e indução à erro entre os dois nomes.
Analisando o lado da Camila Fremder como uma criadora de conteúdo digital, há ainda a preocupação latente de relacionar o seu maior ativo - o seu nome e a sua marca pessoal - com um podcast no qual poderia não conversar com seus ideais e discursos que prega. Isso porque, ela compareceu acreditando de que se tratava de um podcast em específico, no qual já havia demonstrado interesse antes em participar e, diante disso, concordando com os temas e a forma de abordagem de tal programa. Ao ser induzida a erro e, depois, pega de surpresa, a influenciadora não tinha mais certeza sobre o que se tratava aquele podcast e, naturalmente, poderia não concordar com algum ideal que a produção prega.
Se um criador defende uma ideia e acaba, por engano, em conteúdo de viés oposto, isso pode quebrar a confiança do público e gerar prejuízos à sua imagem. No mais, se a influenciadora Camila descobrisse que estava no podcast apenas após a gravação e diante da tamanha repercussão na internet, tal confusão ocorrida por ser até mesmo uma violação indireta do direito à imagem e ao nome, conforme previsto nos arts. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, e no art. 20 do CC, especialmente quando a associação indevida ocorre de forma pública e amplamente repercutida.
É como se um tricolor fosse parar, por engano, em um podcast rubro-negro. No digital, proteger seus ativos - nome, imagem e marca - é fundamental. Dois podcasts apresentados por mulheres e direcionados ao público majoritariamente feminino com o mesmíssimo nome acaba se tornando a isca perfeita para confusão e associação indevida não somente pelo público consumidor, mas, como notamos, também para seus convidados.
Por isso, é essencial que empreendedores - de qualquer ramo - tenham extremo cuidado ao escolher o nome de seus projetos, especialmente no mundo digital. A escolha de um nome que já se encontra em uso no mesmo segmento, ainda que sem registro formal, pode gerar implicações jurídicas relevantes, incluindo processos administrativos de nulidade de marca, ações de abstenção de uso, pedidos de reparação por danos morais e materiais, e muito mais.
A simples consulta a bancos de dados públicos, como o INPI, bem como uma análise técnica por parte de profissionais especializados, pode evitar prejuízos e litígios futuros. A boa-fé no uso anterior, a distintividade do nome e a ausência de risco de confusão devem sempre nortear a estratégia de construção de uma marca. Afinal, no Olimpo digital - onde visibilidade e reputação valem mais que ambrosia - proteger sua marca é proteger o seu trono.
Julia Furtado
Advogada do escritório Daniel Advogados.
Giovanna Romanazzi
Advogada do escritório Daniel Advogados.




