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Reflexão sobre prioridade de abordagens das questões prévias no processo civil: A prevalência da análise das questões prejudiciais sobre as preliminares como instrumento de melhor técnica jurídica

No processo civil, questões prejudiciais devem ser analisadas antes das preliminares, garantindo segurança jurídica e celeridade na decisão judicial.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Atualizado às 11:50

1. Objetivo

Objetiva o presente ensaio conceituar e definir qual a melhor estrutura de petição quanto às questões prévias cabíveis no Processo Civil e, por conseguinte, a melhor técnica estrutural das sentenças prolatadas pelos magistrados, quando em um caso concreto houver arguições de questões prejudiciais e preliminares.

Sem pretensão de esgotar o tema e embargo daqueles que pensam de forma divergente, busca-se, nos fundamentos legais, doutrinários e principiológicos de nosso ordenamento jurídico, a melhor construção para consecução da finalidade do Processo.

2. Conceitos afeitos ao tema

De início, cumpre esclarecer que "questões preliminares" e "questões prejudiciais" são espécies do gênero "questões prévias". Questões prévias, como o próprio nome diz, são as que devem ser examinadas antes do exame/julgamento do mérito, pois sua solução precede logicamente à de outra.

Para José Carlos Barbosa Moreira as questões prévias devem ser chamadas de "questões prioritárias" de forma que não haja dúvidas quanto à sua precedência. Logo, o exame dessas questões sempre pressupõe a existência de ao menos mais uma: a que precede e subordina e a que sucede e é subordinada (MOREIRA, 1971, p. 76).

Barbosa Moreira, ao abordar a distinção entre questões preliminares e prejudiciais em sua sempre contemporânea obra "Questões Prejudiciais e Coisa Julgada", traz à baila o seguinte conceito:

(...) o critério discretivo entre o prejudiciais e preliminares há de ser buscado na diferenciação entre os dois tipos de influência acima descritos. Cabendo a qualificação de "prejudiciais" às questões de cuja solução dependa o teor ou conteúdo da solução de outras, reservar-se-á a expressão "questões preliminares" para aquelas de cuja solução vá depender a de outras não no seu modo de ser, mas no seu próprio ser; isto é, para aqueles que, conforme o sentido em que estejam resolvidas, oponham ou, ao contrário, removam um impedimento à solução de outras, sem influírem, no segundo caso, sobre o sentido em que estas outras hão de ser resolvidas. (...)

O nomem iuris de preliminar não será decerto tão expressivo quanto o de prejudicial: se nele está ínsita a ideia de prioridade de antecedência, não transparece a de vinculação lógica, de dependência, que aqui também existe, conquanto sob diversa forma, com no terreno da prejudicialidade. (MOREIRA, 1967, p.29/31)

No aspecto legal, o CPC descreve, na norma do art. 337, quais seriam as questões preliminares ao mérito. Diz o referido dispositivo legal:

Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:

I - inexistência ou nulidade da citação;

II - incompetência absoluta e relativa;

III - incorreção do valor da causa;

IV - inépcia da petição inicial;

V - perempção;

VI - litispendência;

VII - coisa julgada;

VIII - conexão;

IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;

X - convenção de arbitragem;

XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual;

XII - falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar;

XIII - indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.

§ 1º Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.

§ 2º Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

§ 3º Há litispendência quando se repete ação que está em curso.

§ 4º Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.

§ 5º Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo.

§ 6º A ausência de alegação da existência de convenção de arbitragem, na forma prevista neste Capítulo, implica aceitação da jurisdição estatal e renúncia ao juízo arbitral.

As questões prejudiciais, por sua vez, em que pese sua identificação difusa no CPC, traduzem-se em fundamentos jurídicos do pedido do autor, que trazem um antecedente lógico-jurídico do mérito. Prescrição e Decadência são, tradicionalmente, questões prejudiciais ao mérito, em que pese não elencadas em um artigo específico.

Ultrapassada a conceituação, passa-se ao tema proposto.

3. Qual questão prévia deve ser arguida em primeiro lugar e decidida pelo juízo na mesma ordem: Prejudicial ou preliminar?

Fredie Didier menciona, ao dividir as questões prévias em prejudiciais e preliminares, ser equivocada a distinção que se faz entre prejudiciais, como se fossem sempre de mérito, e de preliminares, como se fosse sempre processuais. E informa, seguindo lição de BARBOSA MOREIRA que a distinção correta baseia-se na relação que mantêm as diversas questões postas à cognição judicial. (DIDIER JR, 2017, p. 440)

A distinção entre prejudicial e preliminar, portanto, não diz respeito ao conteúdo da questão, ou sua matéria, mas, sim, distinguem-se pela forma como a questão analisada se relaciona com as demais questões.

José Carlos Barbosa Moreira trata as questões prévias como "questões prioritárias", destacando a precedência lógica. Para o doutrinador, considera-se questão preliminar aquela cuja solução, conforme o sentido em que se pronuncie, cria ou remove obstáculo à apreciação de outra. A própria possibilidade de apreciar-se a segunda depende, pois, da maneira por que se resolva a primeira. A prejudicial, lado outro, consiste naquela de cuja solução dependerá não da possibilidade nem da forma do pronunciamento sobre a outra questão, mas o teor mesmo desse pronunciamento. (BARBOSA MOREIRA, 1971, p. 76/83).

O doutrinador ainda utiliza de uma metáfora, para dizer que as questões prejudiciais funcionam como uma placa de trânsito, que indica para onde o juiz (motorista) deve ir. Já as preliminares funcionam como uma espécie de semáforo: acesa a luz verde, permite-se o exame da questão subordinada; acesa a vermelha, impossível o exame.

Pois bem. A finalidade do processo consiste em ser instrumento para obtenção da paz social, onde a solução da lide pelo Estado-juiz pacifica a sociedade.

As questões prejudiciais clássicas são a prescrição e a decadência. São institutos que visam assegurar segurança jurídica das relações em decorrência do decurso de tempo. Ambos lidam com a questão do direito no tempo, uma vez que, como dita Tartuce "o exercício de um direito não pode ficar pendente de forma indefinida no tempo". Do contrário, a própria segurança da ordem jurídica restaria comprometida. E, afinal de contas, "o direito não socorre aos que dormem". (TARTUCE, 2015, p. 128).

Diante de tais institutos (prescrição e decadência), a legislação processual indica ao juiz um único caminho a seguir, qual seja, a extinção do feito, negando a pretensão por meio de um falso julgamento do mérito, já que a sentença se dará, segunda a regra processual do inciso II do art. 487 do CPC, com resolução de mérito, dando fim ao conflito e trazendo paz social. Logo, diante da prescrição e decadência, nenhuma outra questão será analisada, pois "prejudicada está a análise da questão", pouco importando a matéria, natureza e conteúdo da próxima questão.

A suspensão de processos pelas Cortes Superiores é igualmente tratada como prejudicial, pois, diante de tal decisão vinculante,  seja pela afetação de repercussão geral, seja pela afetação de temas repetitivos, fica o magistrado impedido de dar prosseguimento ao feito ou proferir qualquer decisão. Abaixo a ementa do TJ/MG, que antes mesmo do vigente Código Processual, já trazia esse conceito:

PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. CONTRIBUIÇÃO DE CUSTEIO À SAÚDE. JULGAMENTO DA TURMA PELA IMPOSSIBILIDADE DA RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL - DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA APRECIAÇÃO DO PEDIDO. QUESTÃO PENDENTE DE JULGAMENTO NO ÂMBITO DO STF. PREJUDICIALIDADE. SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ DECISÃO DEFINITIVA. - Suspende-se o julgamento do recurso, até que o Supremo Tribunal Federal decida, definitivamente, a questão do alcance do reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança compulsória da contribuição para custeio à saúde sobre a remuneração dos servidores estaduais, na hipótese em que a medida se revelar prudente e adequada, notadamente em observância do princípio da segurança jurídica. - Caso em que a palavra final da Excelsa Corte terá reflexo na questão referente à repetição do indébito tributário, porque tal direito pressupõe ser indevida a exação.

(TJ/MG - AC: 10145074170419001 MG, relator: Alberto Vilas Boas, Data de Julgamento: 28/1/2014, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 6/2/2014)

Denota-se, pois, que a prejudicialidade da análise de uma pretensão, diante de uma decisão de Tribunal Superior, que suspenda nacionalmente os feitos similares, funciona como uma placa de "PARE", na metáfora descrita pelo eminente professor Barbosa Moreira. Enquanto estiver suspenso, nem mesmo em uma pretensão absurda, em que a ilegitimidade passiva for evidente (preliminar por excelência), haverá decisão de extinção.

Trata-se, lado outro, de uma prejudicial momentânea e externa, pois, quando o feito volta a tramitar nos tribunais a quo, ainda que não na totalidade,  há um caminho definido a seguir pela decisão definitiva da Corte Superior - esta vinculante por sua natureza.

Noutro giro, naquilo que tange a finalidade do processo, ainda que não se analise conteúdo da questão posta, outros princípios seriam desprestigiados, por exemplo, em uma demanda em que esteja evidenciada a ocorrência da prescrição, não será analisada a existência de  litispendência ou incorreção do valor da causa (preliminares) .

Posto isto, as questões prejudiciais devem ser tratadas de forma prioritária, pois acolhidas "prejudicam" (impedem) a análise de qualquer outra questão, seja ela de mérito ou de natureza preliminar, cumprindo o processo seu fim de pacificação.

No tocante ao entendimento daqueles que discordam do posicionamento assumido, muitas vezes dá-se importância ao conteúdo da questão, o que é refutado por Didier Junior e Barbosa Moreira. Para estes autores, o ponto é como as questões analisadas se relacionam com as demais.

Há ainda aqueles que aderem à justificativa da "proximidade" com o mérito, como por exemplo a prescrição ser fundamento de decisão que resolve o mérito e ilegitimidade, estar ligada à uma decisão sem resolução de mérito. Deve-se esclarecer que esta "proximidade" é uma ficção jurídica. Conforme lição de Cândido Dinamarco, a extinção do feito com resolução de mérito no caso de prescrição traduz-se em um falso julgamento de mérito, pois se nega o mérito, sem efetivamente analisá-lo.

...os cinco incisos do art. 269 do CPC estão a afirmar que em todas elas esse julgamento existe. Não-obstante haja seríssimos motivos doutrinários e conceituais para negar o que o art. 269 afirma, diante da dogmática brasileira é obrigatório tratar todos esses casos como julgamentos do mérito e portanto extrair dos falsos conceitos ali enunciados as conseqüências jurídicas próprias às decisões judiciárias dessa ordem. Essas falsas sentenças de mérito, embora falsas, ficam sujeitas à imutabilidade trazida pela coisa julgada material porque tal é a autoridade que a lei outorga às sentenças de mérito quando não mais passíveis de recurso (arts. 467-468); diante disso, a partir de quando irrecorríveis elas só podem ser infringidas pela via da ação rescisória, porque esse é o meio que o sistema brasileiro reserva para a impugnação às sentenças de mérito cobertas pela coisa julgada (art. 485).

(DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, III, 4ª ed., Malheiros, SP, 2004, p. 258/259)

E não muda com o atual Art. 487 do CPC/15, in verbis:

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;

II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

III - homologar:

a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção;

b) a transação;

c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.

Depreende-se do artigo supratranscrito que somente o inciso I traduz em verdadeiro julgamento de mérito (sentença de mérito). Nos demais incisos e alíneas, as sentenças são de mérito por mera ficção jurídica. Logo, nega-se o mérito pela ficção legal e não porque se analisou o mérito. Não nos parece que a proximidade, ante à ficção jurídica criada, seja suficiente para inverter a ordem de análise entre prejudiciais e preliminares.

Como dito alhures, Barbosa Moreira define preliminares como questões que "criam ou removem obstáculos à apreciação da outra". Excetuando aquelas preliminares que efetivamente impõem uma barreira a apreciação do mérito, tantas outras aparentam-se como de menor importância diante da pacificação trazida pelas prejudiciais, tais quais: incompetência relativa, convenção de arbitragem e outras. Para que analisar tais assuntos se, por exemplo, a prescrição se operou?

A proposta de analisar estas questões, competência de juízo, valor da causa, litispendência para mudança de competência, tudo dentro do processo, diante de caso em que o magistrado já poderia inclusive ex officio reconhecer a prescrição, ainda que após intimação das partes, parece-nos ofender inclusive o Princípio da Economia Processual. É postergar a paz social ao infinito, sendo que há institutos que em decorrência do tempo e desinteresse demonstrado ao longo dos anos garantem a segurança jurídica e estabilização das relações desde já (prescrição/decadência).

4. Conclusão

Por todo o exposto, diante da forma que as questões prejudiciais lidam com as demais questões, impondo um caminho certo e estreito quando acolhidas, e, ainda, a forma como efetivam a finalidade máxima do processo, qual seja, a solução dos conflitos, a paz social e estabilização das relações, inclusive impondo a "negativa da pretensão" em um falso julgamento de mérito, o mais correto tecnicamente seria arguir a estrutura da petição trazendo, num primeiro momento, as prejudiciais para, na sequência, as arguições das preliminares e, por fim, o mérito, devendo o magistrado, na prolação da sentença, igualmente analisar as questões postas nesta ordem.

Por fim, afiançando-se no conceito de que o processo não é um fim em si mesmo, mas instrumento de se alcançar a proteção a um direito, é certo que a instrumentalização exacerbada do processo e os outros métodos utilizados para justificar a análise de preliminares antes das prejudiciais, mostra-se incompatível com a celeridade que deve ser empregada para se atingir a pacificação social.

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DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19ª edição. Salvador/BA. Editora JusPodivm. 2017.

DIDIER JR., FREDIE. Editorial 146. 2019. Disponível em http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-146/

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Questões prejudiciais e questões preliminares. Direito Processual Civil - ensaios e pareceres. Rio de Janeiro. Borsoi. 1971.

TARTUCE, Flavio. O Novo CPC e o Direito Civil - impactos, diálogos e interações. São Paulo. Editora Método. 2015.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 10145074170419001 MG, Relator: Alberto Vilas Boas, Data de Julgamento: 28/01/2014, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 6/2/2014

Daniela Marques Batista Santos de Almeida

Daniela Marques Batista Santos de Almeida

Sócia advogada do escritório Ferreira e Chagas Advogados.

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