Agosto lilás: Legislações que dão base à luta feminina no Brasil
O texto aborda o papel fundamental das legislações brasileiras no combate à violência contra a mulher e destaca a evolução do ordenamento jurídico brasileiro frente à luta.
sexta-feira, 8 de agosto de 2025
Atualizado às 14:35
Quando falamos em violência contra a mulher no Brasil, é quase inevitável lembrarmos apenas da lei Maria da Penha, sancionada em 2006, considerada um marco no enfrentamento à violência de gênero e referência mundial na proteção dos direitos das mulheres.
No entanto, embora essa lei seja central no debate e na formulação de políticas públicas, não é a única norma jurídica que trata da questão.
Ao longo dos anos, outras legislações foram criadas ou reformadas com o objetivo de ampliar a proteção, garantir direitos e reforçar mecanismos de prevenção e punição. Dispositivos como a lei do feminicídio, a lei de importunação sexual, a lei da escuta especializada, dentre outras, mostram que o ordenamento jurídico brasileiro tem buscado evoluir frente à complexidade e à gravidade da violência baseada em gênero.
Tendo em vista a campanha do "Agosto Lilás" e a importância da informação acerca do combate a violência contra mulher, vamos falar um pouco mais sobre as legislações brasileiras que abordam a temática de gênero e o combate à violência contra a mulher.
1) Lei 14.132/21: Sancionada em 31/3/21: insere no CP o art. 147-A, que define o crime de perseguição, conhecido como "stalking".
Essa norma acrescentou ao CP o art. 147-B, que tipifica o crime de violência psicológica praticada contra a mulher.
"Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021).
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)".
O dispositivo estabelece como infração penal a adoção de práticas como intimidação, coerção, humilhação, controle, isolamento, chantagem, zombarias, restrição da liberdade de locomoção ou outras formas de dominação, com o objetivo de interferir na liberdade da mulher de agir, pensar ou decidir, causando-lhe sofrimento emocional ou comprometimento de sua saúde mental.
A punição prevista é de reclusão de 6 meses a 2 anos, além de multa. Embora a definição de violência psicológica já constasse no art. 7º, inciso II, da lei Maria da Penha (lei 11.340/06), sua inserção no CP reforça o entendimento de que essas condutas são crimes e devem ser punidas com o devido rigor.
2) Lei Carolina Dieckmann (12.737/12): Tornou crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares, sendo a primeira lei a punir crimes cibernéticos; (marco civil da internet).
Popularmente chamada de lei Carolina Dieckmann, essa legislação surgiu após um caso envolvendo a atriz, que em 2011 teve seu computador pessoal acessado ilegalmente e fotos privadas vazadas na internet, após se recusar a ceder à chantagem dos responsáveis.
Assim, esse caso trouxe a tona a necessidade de formulação de uma legislação que melhor protegesse as mulheres. Ocorreu, então, a inclusão dos arts. 154-A e 154-B, que passaram a tipificar como crime a invasão de aparelhos eletrônicos com a intenção de acessar, alterar ou apagar dados e informações, sem o consentimento, ainda que implícito, do titular.
"Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa."
A lei também alcança quem introduz falhas de segurança, como vírus, com o objetivo de obter benefícios ilegais. Além disso, quem desenvolve, compartilha, comercializa ou propaga programas ou dispositivos destinados à invasão de sistemas eletrônicos também poderá ser responsabilizado criminalmente.
A investigação e o processo desse tipo de crime dependem, em regra, de representação da vítima - ou seja, o Ministério Público só poderá agir se houver manifestação formal da pessoa lesada. A exceção ocorre quando o crime tem como alvo órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, caso em que a ação é iniciada independentemente da vontade da vítima.
3) Lei do minuto seguinte (12.845/13): A lei do minuto seguinte é de 2013 e dispõe sobre o atendimento obrigatório e gratuito de pessoas que passaram por violência sexual.
A legislação define como violência sexual qualquer prática de natureza sexual realizada sem o consentimento da vítima. Ela assegura o direito ao atendimento emergencial, completo e integrado em hospitais da rede pública, com foco tanto nos danos físicos quanto nos impactos psicológicos causados pela agressão.
Esse acolhimento também inclui o encaminhamento para a rede de assistência social, e não exige boletim de ocorrência - a palavra da vítima é suficiente para garantir o acesso aos serviços.
O atendimento imediato pelo SUS - Sistema de Saúde Público deve envolver: avaliação e cuidado das lesões físicas; suporte médico, psicológico e social; medidas de prevenção à gravidez e às infecções sexualmente transmissíveis; orientação sobre os direitos da vítima e os serviços de saúde disponíveis; além de apoio para o registro da ocorrência e encaminhamento a unidades especializadas, como o IML e delegacias da mulher.
4) Lei Joana Maranhão (12.650/15): Altera o CP brasileiro, modificando as regras sobre a prescrição de crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
Joanna Maranhão, atleta olímpica e recordista brasileira nos 400 metros medley, chocou o país ao revelar, em 2008, que havia sido vítima de abuso sexual por um técnico esportivo aos nove anos de idade. A coragem de tornar pública sua história impulsionou a criação de uma lei que fortaleceu os direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
A norma alterou as regras sobre a prescrição desses crimes, determinando que o prazo para responsabilização penal só começa a contar a partir do momento em que a vítima completa 18 anos. Com isso, amplia-se significativamente o tempo disponível para que o crime seja denunciado - agora, o prazo para formalizar a acusação é de até 20 anos após a maioridade, garantindo às vítimas tempo e condições mais favoráveis para buscar justiça.
5) Lei do feminicídio (13.104/15): A lei Federal 13.104/15, popularmente conhecida como a lei do feminicídio, cria uma qualificadora no crime de homicídio, aumentando a pena quando este é cometido contra uma mulher em razão do gênero, ou seja, a vítima é morta por ser mulher.
A proposta legislativa que resultou na criminalização do feminicídio surgiu a partir de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher. Inicialmente, o feminicídio foi definido como a forma mais extrema da violência de gênero, caracterizada pelo assassinato de mulheres em contextos marcados por relações afetivas com o agressor, violência sexual ou mutilações, antes ou depois da morte.
Com a promulgação da lei, o feminicídio foi incluído no rol dos crimes hediondos, com penas mais severas. No entanto, nem todo homicídio de mulher se enquadra automaticamente como feminicídio. A legislação exige a presença de elementos específicos, como:
- Violência doméstica ou familiar, quando o crime é cometido por parceiro íntimo, ex-companheiro ou outro familiar;
- Motivação baseada em discriminação de gênero, como misoginia ou desprezo pela condição feminina.
A tipificação do feminicídio permitiu maior visibilidade ao fenômeno, contribuindo para a produção de dados específicos e mais precisos sobre as mortes de mulheres em razão do gênero. Desde então, esse tipo penal passou a constar nos registros policiais e judiciais, fortalecendo a atuação das políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher.
6) Lei da importunação sexual (lei 13.718): Altera o CP brasileiro para tipificar os crimes de importunação sexual e divulgação de cenas de estupro, além de tornar pública incondicionada a ação penal para crimes contra a liberdade sexual e sexuais contra vulneráveis.
A lei 13.718, de 2018, promoveu mudanças importantes no CP brasileiro ao tipificar condutas que antes não eram tratadas de forma específica pela legislação penal, ampliando a proteção da dignidade sexual, especialmente de mulheres e pessoas em situação de vulnerabilidade.
Entre os principais avanços, destaca-se a criminalização da importunação sexual, definida como a prática de ato libidinoso, sem o consentimento da vítima, com a intenção de satisfazer desejo próprio ou de terceiros. Essa conduta passou a ser tratada como crime autônomo, contemplando situações como assédios em transportes públicos ou em ambientes de trabalho.
Outro ponto fundamental da lei é a tipificação do crime de divulgação de cena de estupro ou de qualquer registro audiovisual envolvendo nudez, ato sexual ou pornografia sem o consentimento da vítima. A norma pune severamente quem produz, compartilha ou comercializa esse tipo de material, inclusive quando há apologia ou incitação à prática criminosa.
A nova legislação também alterou a natureza da ação penal nos crimes contra a liberdade sexual e nos crimes sexuais contra vulneráveis, que passaram a ser de ação penal pública incondicionada - ou seja, o Ministério Público pode oferecer denúncia independentemente da vontade da vítima, o que fortalece o combate à impunidade nesses casos.
Além disso, a lei prevê aumento de pena nos casos de estupro coletivo (quando praticado por duas ou mais pessoas) e estupro corretivo, modalidade motivada por preconceito ou tentativa de controle sobre o comportamento social ou sexual da vítima, como nos casos de violência contra pessoas LGBTQIA+.
7) Lei Mari Ferrer (lei 14.443/22): Prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos.
A proposta legislativa foi impulsionada pela repercussão do caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, que denunciou ter sido dopada e estuprada em uma festa em 2018, em Santa Catarina.
A nova legislação trouxe modificações importantes no tratamento dos crimes sexuais e na proteção da dignidade da vítima no curso do processo judicial, respondendo a uma demanda social por mais respeito e responsabilidade na condução desses casos.
Um dos pontos centrais da norma foi o aumento da pena para o crime de coação no curso do processo, previsto no art. 344 do CP. A conduta consiste em usar violência ou grave ameaça contra qualquer pessoa envolvida em um processo judicial - vítima, testemunha, juiz ou demais operadores - com o objetivo de influenciar ou prejudicar o andamento da causa.
Do ponto de vista jurídico, embora a nova lei represente um avanço simbólico e político importante, a garantia de respeito à dignidade da vítima já era prevista no ordenamento jurídico brasileiro.
Com isso, a legislação busca construir um ambiente processual mais justo e humanizado, assegurando que as vítimas de crimes, especialmente os sexuais, não sejam expostas novamente à dor e à humilhação no momento em que buscam justiça.
A trajetória de enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil é marcada por avanços significativos na legislação, fruto de mobilizações sociais, denúncias e do esforço contínuo por justiça e equidade de gênero. Embora a lei Maria da Penha permaneça como o principal símbolo dessa luta, o conjunto de normas apresentado - desde o combate à violência psicológica e ao feminicídio até a proteção no ambiente digital e nos processos judiciais - evidencia que o ordenamento jurídico brasileiro tem buscado se adaptar à complexidade e às múltiplas formas de violência vivenciadas por mulheres.
A campanha "Agosto Lilás" reforça a importância da informação como ferramenta de empoderamento e de transformação social. Conhecer as leis é essencial para garantir a efetivação de direitos, fortalecer a denúncia e ampliar a rede de apoio às vítimas.



