O compliance na prevenção de riscos no setor agroempresarial
Com o crescimento do agronegócio e o aumento dos riscos, o compliance consolida-se como instrumento de prevenção para proteger o patrimônio, mitigar sanções e assegurar a continuidade do negócio.
segunda-feira, 11 de agosto de 2025
Atualizado às 14:22
1. O avanço do agro e os novos desafios jurídicos
O agronegócio brasileiro é um dos pilares da economia nacional. No entanto, à medida que cresce e se insere em cadeias globais, também enfrenta maior complexidade jurídica. A expansão normativa, especialmente nas áreas ambiental, tributária e trabalhista, contratuais, eleva os riscos legais, inclusive na esfera penal. Exemplos disso são previstos na lei 9.605/98 (lei dos crimes ambientais), na lei 11.105/06 (lei de biossegurança), na lei 12.305/10 (lei dos resíduos sólidos) e na nova lei 14.785/23 (lei dos agrotóxicos), bem como na lei 12.651/12 (Código Florestal). Diante desse cenário, é fundamental reforçarem-se estratégias de gestão de riscos legais, com o compliance como pilar essencial para prevenir e mitigar vulnerabilidades jurídicas no setor.
Além dos riscos financeiros, climáticos e operacionais, comuns a vários setores, "a agricultura brasileira é uma ilha em um mar de risco"1. O agronegócio está exposto a riscos jurídicos específicos, que precisam ser gerenciados de forma proativa. Afinal, o risco residual é característico do ambiente empresarial, e isso não é diferente na "ampla cadeia do agronegócio" ou no direito empresarial do agronegócio.
Ou seja, as tendências socioambientais globais e o uso crescente de tecnologias impõem a necessidade de cuidados e precauções no campo, tanto dentro quanto fora da propriedade rural e/ou do negócio rural, alcançando diferentes atores do setor, ou seja, agricultores familiares, produtores médios e empresários. Não se trata apenas de cumprir a lei, mas de proteger o patrimônio, a reputação e a continuidade do negócio rural. É tempo de repensar-se o caminho que se deseja para a atual e a futura geração e de aperfeiçoarem-se práticas sustentáveis.
Nesse contexto, observa-se a expansão do direito remediador (litígio), que atua após o conflito ou o problema. Porém, é fundamental a adoção de uma postura proativa, ou seja, a prevenção de danos, ilícitos e riscos, de modo que o setor do agronegócio conquiste maior segurança e sustentabilidade. Apesar de o ditado "mais vale prevenir do que remediar" ser bastante popular, a prática do compliance é pouco adotada no setor agroempresarial.
Quanto a isso, além do envolvimento de produtores rurais e gestores, é fundamental que o profissional de compliance conheça, de fato, o campo. Assim como no setor empresarial, também no agronegócio é essencial compreender-se o "chão de fábrica do agro", pois, sem esse conhecimento, a análise de riscos tende a ser superficial. Um dos pilares do compliance é, justamente, o mapeamento de riscos, que, no setor agroempresarial, pode variar significativamente de região para região, em razão das diferenças culturais e dos atores do setor. Por isso, o sistema precisa ser efetivo na prática, e não apenas no papel.
O compliance eficaz exige proximidade com a realidade local da cadeia produtiva. Para se criarem políticas internas sob medida no setor, é preciso sair do escritório e ir até o chão de fábrica do setor agroempresarial, pois, se assim não for, há risco de tais políticas não refletirem a dinâmica real do negócio. Além disso, os treinamentos devem alcançar tanto a liderança (sócios, proprietários) quanto os colaboradores que atuam na ponta, no dia a dia das atividades, e a periodicidade pode variar de setor para setor.
Fato é que conhecer os riscos específicos do setor demanda um olhar interdisciplinar, que integre as áreas trabalhista, ambiental, tributária, contratual e penal, e, justamente, analisar as áreas mais sensíveis no setor. Isso pode variar em cada empresa, cada tipo de produtor e cadeia de valor, mas, diante da atual crise, é importante antecipar-se e adotar boas práticas para mitigar ilícitos e sanções antes que comprometam a atividade.
Esse contexto evidencia a natureza transdisciplinar do compliance e a importância de se acompanharem sobretudo os movimentos socioambientais. A atuação efetiva exige conhecimento da estrutura organizacional da empresa rural, seus objetivos, missão e diretrizes, bem como a capacidade de auditar práticas. Na realidade do setor, exige-se, cada vez mais, adequação e promoção de "ações verdes", mais sustentáveis, e identificação de riscos associados às atividades da ampla cadeia do agronegócio.
A seguir, apresentam-se algumas reflexões sobre medidas que, se adotadas por produtores rurais e/ou gestores do agronegócio, em suas propriedades, alinhadas a seus valores, ideias e missões claras, poderão contribuir para maior segurança nas operações da cadeia ampla do setor.
2. Novas ameaças e oportunidades
A gestão rural contemporânea exige mais do que conhecimento técnico do campo (formação em agronomia, medicina veterinária, entre outros) e tradição transmitida pelos antepassados. O produtor é, hoje, um agente econômico inserido em um ecossistema jurídico complexo, e isso significa estar atento às normas ambientais, fiscais, contratuais, administrativas, trabalhistas, penais e de outras áreas. Cuidar da propriedade já não basta; é necessário observar-se toda a regulamentação aplicável. Como bem destacam Passos e Mizumoto, "as atividades de gestão no agronegócio ocorrem dentro de um conjunto de 'regras do jogo' que devem ser observadas a todo tempo".2
A gestão dos riscos jurídicos deve fazer parte do planejamento estratégico da atividade rural. Descuidar desses aspectos compromete a governança, a segurança do negócio e, em última instância, sua sobrevivência, pois as sanções pelo descumprimento de uma mera norma levam a ainda mais prejuízos econômicos e reputacionais. Porém, não se trata apenas disso: atualmente, são necessários também o mapeamento de riscos da atividade e a tomada de medidas (soluções) para que a operação seja sustentável.
3. Integridade no setor agroempresarial: Prevenção de riscos legais
A escolha da estrutura jurídica mais adequada à condução dos negócios rurais, seja via CPF (pessoa física) ou CNPJ (pessoa jurídica rural), representa um dos pilares fundamentais da governança no campo.3
Construir uma cultura de integridade no campo é um caminho estratégico, pois o sistema de compliance adaptado ao agronegócio requer conhecimento da cadeia ampla do agronegócio e criação de políticas claras para cada tipo de realidade do negócio, além de estruturas sofisticadas, mas também exige o comprometimento da liderança (seja de pessoa jurídica ou física) e a efetivação de ações coerentes com a realidade de cada propriedade.
Algumas medidas estratégicas incluem: mapeamento dos riscos jurídicos nas rotinas operacionais e comerciais; revisão de contratos agrários, com cláusulas claras e específicas; treinamentos periódicos para gestores, colaboradores e parceiros, sobre condutas de risco; criação de canais internos de denúncia e apuração de irregularidades; due diligence rural (verificação de integridade).
O desafio é real, mas pode ser superado com gestão de risco, atuação do compliance preventivo. Por exemplo, cita-se a implementação de due diligence rural: um novo olhar para velhos contratos e parcerias.
No passado, bastava "confiar na palavra" de um parceiro de negócios; hoje, a confiança continua sendo essencial nas parcerias, afinal, sem algum nível de confiança, não é possível estabelecer-se uma relação genuína. No entanto, a confiança deve vir acompanhada por medidas de vigilância e precaução, pois negócios requerem planejamento e ações preventivas para evitarem-se vulnerabilidades jurídicas.
Implementar rotinas de due diligence rural tornou-se indispensável para agroempresas que buscam segurança jurídica. Não se trata de desconfiança, mas de reforço do dever de cuidado. É importante frisar que confiar sem realizar a due diligence não significa descuido; não é disso que se trata. Por ser uma prática corriqueira no meio empresarial, a due diligence deve estar presente também no setor agroempresarial, diante de seu grande impacto e da necessidade de mitigarem-se riscos para garantir a sustentabilidade do negócio, especialmente em tempos de crise.
Essa prática permite conhecer, de forma estruturada, os parceiros comerciais: seus históricos, a regularidade de arrendatários e de fornecedores e, sobretudo, sua idoneidade ou inidoneidade.
4. Segurança jurídica como base da sustentabilidade rural
O produtor rural e/ou o gestor da empresa do setor está cada vez mais vulnerável a responsabilizações, tanto civis como administrativas e, inclusive, penais. Portanto, é importante que ele robusteça e revise suas políticas internas e reforce a due diligence, isto é, analise criteriosamente a escolha de seus parceiros. Igualmente, para a segurança do trabalho de seus colaboradores, deve rever seus contratos.
Nenhuma propriedade, independentemente do porte, está imune aos riscos próprios da atividade rural. Assim, é fundamental estruturarem-se políticas internas personalizadas, que levem em consideração a cultura da propriedade, sua história e seus objetivos.
As propriedades familiares, que, muitas vezes, operam sob CPF, devem redobrar os cuidados nos relacionamentos comerciais. Revisar condutas, contratos agrícolas, adotar boas práticas e documentar procedimentos são maneiras eficazes de proteção e valorização no mercado.
Destaca-se que há certificações voltadas a empresas que adotam boas práticas e registram suas ações verdes em prol de um mundo mais equilibrado. O MAPA - Ministério da Agricultura e Pecuária, por exemplo, premia empresas do setor agropecuário por suas boas práticas de integridade, por meio do Selo Mais Integridade. Nada como um certificado para robustecer a reputação.4
5. Conclusão
O caminho para lidar com os desafios do campo aponta que o setor agroempresarial implemente e reforce o compliance (sistema de integridade), adotando políticas claras, processos internos eficazes e medidas para o mapeamento e a prevenção de riscos legais.
Além de cumprir as exigências legais, é preciso que se fortaleçam as ações verdes em prol de uma produtividade consciente - ou seja, a preservação do meio ambiente e as iniciativas voltadas à prevenção de danos ambientais. Também é fundamental revisarem-se contratos agrícolas, implementarem-se ou atualizarem-se políticas internas e incluir-se a due diligence rural, com cláusulas claras e análise rigorosa dos parceiros de negócio. A confiança é pressuposta no negócio, mas os deveres de cuidado são essenciais.
Com esses cuidados, é plenamente possível aliarem-se boas práticas - especialmente ações verdes - à consecução dos objetivos do setor, mitigando-se riscos jurídicos, promovendo-se operações mais sustentáveis e melhorando a projeção no mercado.
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PASSOS, André Ricardo; MIZUMOTO, Fábio. Direito do agronegócio: gestão e sustentabilidade no campo. Belo Horizonte: Dialética, 2024. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 22 jul. 2025.
1 Ver: https://www.embrapa.br/visao/riscos-na-agricultura. https://www.embrapa.br/documents/10180/9543845/Vis%C3%A3o+2030+-+o+futuro+da+agricultura+brasileira/2a9a0f27-0ead-991a-8cbf-af8e89d62829
2 PASSOS, André Ricardo; MIZUMOTO, Fábio. Direito do agronegócio: gestão e sustentabilidade no campo. Belo Horizonte: Dialética, 2024. E-book. p. 14.
3 Ibid.
4 Ver: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/mapa-premia-27-empresas-e-cooperativas-do-agronegocio-por-boas-praticas-de-integridade


